“O clássico é uma guerra”, anunciam manchetes. “Hoje é dia de batalha”, gritam torcedores. A linguagem bélica está entranhada no futebol, transformando o esporte em um campo simbólico de combate. Mas o problema surge quando essas metáforas escapam do jogo e se traduzem em atos de violência.
O filósofo Roland Barthes, em Mitologias, apontava como o esporte reflete a sociedade que o cerca, com suas tensões e paixões. No Brasil, onde o futebol é mais que um jogo, essa linguagem de guerra amplifica rivalidades e, muitas vezes, legitima comportamentos agressivos. Quando narradores falam de “massacres” ou de “fuzilar” o adversário, reforçam uma visão tribal do esporte, onde o outro é inimigo e deve ser aniquilado, dentro e fora do campo.
O sociólogo Norbert Elias, em O Processo Civilizador, explica que o esporte pode ser um canal de sublimação das pulsões violentas, mas para isso precisa ser tratado como espetáculo, não como confronto. O futebol-arte que encantou o mundo — Pelé, Garrincha, Zico — celebrava o belo jogo, a criatividade, a habilidade que fazia multidões sorrirem. Era um momento de comunhão, não de divisão.
Hoje, porém, a cultura do espetáculo parece sufocada pela cultura da agressividade. Cânticos de torcida invocam ameaças. Partidas são cercadas por policiamento ostensivo, e o medo de conflitos está sempre presente.
É urgente resgatar o espírito lúdico do futebol, promovendo uma narrativa que celebre o jogo como arte e encontro. Substituir a retórica da guerra pela dialética do drible. Afinal, a beleza do futebol não está na conquista violenta, mas na magia de transformar um gramado em palco, onde o espetáculo nos une — e nunca nos separa.