
Entre agulhas, tramas e histórias, o artesanato alagoano é protagonista e pioneiro na moda autoral brasileira. Mais do que ornamento, ele é identidade e economia viva.
Carinhosamente apelidada de “Caribe Brasileiro”, Alagoas tem suas praias e belas paisagens naturais, que naturalmente trazem o turismo para o centro da economia estadual.
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No entanto, nosso estado abriga muito mais que isso. É berço de criatividade que une, de mãos dadas, estilistas e artesãos que, juntos, constroem um novo caminho para a moda sustentável, identitária e economicamente transformadora para toda uma classe que faz do tecido história viva.
“O artesanato é a materialização da cultura”, afirma o estilista alagoano Antônio Castro, criador da marca FOZ, que está diretamente ligada às comunidades artesãs do Estado.
Para Antônio, que cresceu visitando feiras de artesanato em Maceió, o contato com o trabalho manual foi uma virada de chave.

“Desde criança, aquilo me chamava atenção. O cheiro, o toque, a autenticidade. Só mais tarde percebi que aquilo poderia ser insumo para o meu trabalho”, declarou.
Hoje, suas coleções nascem de viagens imersivas por Alagoas, onde busca não só materiais, mas histórias. Em um de seus projetos mais recentes, a Expedição FOZ leva turistas de São Paulo a roteiros criativos no interior alagoano, como Capela, Ilha do Ferro e Entremontes, três pontos que foram e são pólos importantes de inspiração para a marca.
“É turismo criativo, é moda, é economia girando em outras geografias que também merecem atenção”, explica.
Do fio à passarela: narrativas que vestem territórios
A valorização do artesanato na moda autoral não é apenas estética, ela revela narrativas locais, dá voz a comunidades e fortalece vínculos com o território. Técnicas como o filé, a renda singeleza e o bordado tradicional alagoano passam a habitar espaços antes exclusivos da moda industrial. Mostrando que a tradição hoje ocupa com orgulho espaços que antes lhe eram negados.
Luciana de Almeida Leite, conhecida como Lu, do grupo Mimos de Dona Peró, em Capela, conta que sua relação com o artesanato começou muito cedo.
“Eu sou de Maceió e desde pequena frequentava feiras como a Cheiro da Terra, na Jatiúca. Aquilo despertava meu coração pela autenticidade do design, o cheiro, o toque. Só depois entendi que isso seria a base para meu trabalho”, relembra.

Aquilo que é imaterial e sensorial da comunidade e dos que a ensinaram deixaram sua marca.
Tradições hereditárias e de identificação enriqueceram a experiência da artesã que, apaixonada pelo que viu e viveu, Lu resolveu então se profissionalizar e levar o legado da terra para o mundo.
Formada pelo SENAC em São Paulo, Lu conta: “O que me diferenciava era meu repertório, o olhar para as raízes e técnicas do meu estado, que construo a partir do artesanato”.
Esse respeito e proximidade com os artesãos são base para as coleções da FOZ, nascida de temas que bebem das técnicas populares.
Economia criativa como estratégia de futuro

Durante uma das edições mais marcantes da Expedição FOZ, que percorreu o agreste e o litoral norte de Alagoas, o grupo de turistas foi recebido por Jeane Valentim dos Santos, fundadora da ARTECER (Associação das Rendeiras de Singeleza e Bordados de Paripueira).
Naquele momento, entre palitos de coqueiro, agulhas de tapeçaria e metros de renda cuidadosamente estendidas sob o sol, o artesanato ganha novas dimensões: deixa de ser apenas ofício e se torna testemunho vivo de um território e de suas mulheres.

“Receber a FOZ foi um divisor de águas para mim e para as mulheres da ARTECER. Eu nunca tinha visto tanta gente tão interessada em ouvir as nossas histórias, em entender como fazemos a singeleza, de onde ela vem”, conta Jeane.
Segundo ela, a visita não foi apenas uma apresentação do trabalho, foi também um reencontro com valores que transcendem a materialidade da renda.
“Ali, a gente se sentiu parte de algo maior. Não era só turismo, era reconhecimento”, declara

Antônio Castro, criador da FOZ e idealizador da expedição, diz que quando decidiu incluir Paripueira no roteiro, já sabia dessa experiência e da força do artesanato que o município assegurava. E tecendo elogios e reavivando a força da comunidade, ele diz:
“Jeane é uma mestra da cultura popular. A singeleza que ela ensina não está só na linha, está na memória, no cuidado coletivo, na forma como ela mantém essa tradição viva com outras mulheres. É isso que torna o encontro tão potente”
A visita à ARTECER foi uma das mais emocionantes do percurso.
Os turistas puderam experimentar os pontos básicos da singeleza, ouvir relatos de vida das artesãs e adquirir peças diretamente delas, sem atravessadores, sem distanciamentos.
Para Jeane, aquele momento também serviu para mostrar a importância de parcerias sérias.
“A FOZ chegou até aqui com muito respeito. Não foi aquela coisa de comprar e sair. Foi escuta, foi troca. O que mais me marcou foi ver gente de fora encantada com uma renda que até aqui em Paripueira, às vezes, é esquecida”
A parceria entre FOZ e ARTECER continua viva. A renda singeleza, com sua trama delicada e cheia de significado, já apareceu em coleções da marca e segue sendo incorporada de forma ética e colaborativa.
“Não estamos falando só de moda, estamos falando de futuro. E Jeane é uma dessas lideranças que mostram que o futuro pode, e deve, ser construído com saberes do passado”, resume Antônio.
Sebrae: apoiando a valorização e o mercado empreendedor artesanal
Por trás das rendas e bordados que percorrem o estado, há uma rede silenciosa, mas decisiva, que estrutura o artesanato como setor produtivo: o Sebrae.
Presente nos bastidores do desenvolvimento de dezenas de grupos produtivos em Alagoas, a instituição atua como ponte entre tradição e mercado, conectando saberes populares a estratégias para o sucesso dos micro e pequenos empresários.
Para a analista e gestora de artesanato do Sebrae em Alagoas, Marina Gatto, o impacto vai além da geração de renda.
“A interseção entre turismo e artesanato oferece uma diversificação econômica fundamental para Alagoas. Regiões antes invisíveis ao turismo, como o Assentamento Água Fria e a Serra das Viúvas, passam a receber visitantes e gerar renda com suas práticas tradicionais”
O apoio vai desde a formação técnica e gerencial de artesãos, com oficinas de precificação, design e formalização, até a participação estratégica em grandes eventos nacionais, como o Minas Trend e o Renda-se.
“O artesão passa a se ver como empreendedor. Ganha autoestima, aprende a se posicionar no mercado e se conecta com designers, o que amplia o alcance do seu trabalho”, reforça Marina.
A designer alagoana Lú da Mimos de Peró em Capela, é uma das profissionais que reconhece a necessidade desse apoio:
“O Sebrae tem um trabalho essencial. O artesão é, muitas vezes, forçado a ser empreendedor. Ele precisa saber como vender, precificar, se valorizar. Os grupos que trabalham conosco e que estão próximos ao Sebrae têm autoconfiança, sabem negociar e reconhecem o valor do que fazem. Para as marcas, também é um respaldo: sabemos que estamos lidando com profissionais preparados e protegidos por uma instituição séria”, declara Lú.
Do outro lado da parceria, quem sente na prática os efeitos desse apoio é Jeane da ARTECER , que há anos resgata e ensina a renda singeleza em Paripueira.
“O Sebrae é o meu maior parceiro. É para lá que eu levo minhas angústias, minhas dúvidas, e sempre recebo orientação e apoio. Eles nunca desistiram da ARTECER nem da singeleza”
Jeane lembra com orgulho de sua participação em rodadas de negócios e feiras nacionais, onde sua renda emocionou o público.
“Já fui duas vezes ao Minas Trend, e foi lá que percebi o valor que o público de fora dá à nossa renda. As pessoas ficaram encantadas. Foi um divisor de águas. Depois que comecei a participar das feiras com o Sebrae, as artesãs passaram a receber encomendas, ganhar mais renda e, o mais importante: se valorizar enquanto profissionais e artistas”
Com olhar sensível e ação técnica e estratégica, o Sebrae reforça que apoio institucional e autonomia criativa não apenas podem, como devem caminhar juntos. É dessa união que nascem coleções, histórias e circuitos turísticos capazes de transformar realidades.
Do local ao global: o artesanato que veste Alagoas para o mundo
As parcerias entre estilistas e artesãos resultam em coleções colaborativas que encantam pela originalidade e valor simbólico.
“A moda autoral é contar histórias, minhas, das rendeiras, das paisagens do sertão. O Brasil precisa olhar mais para dentro, além do litoral. Existe vontade de conhecer Alagoas além da praia. O artesanato pode ser esse caminho, e há público para isso”, reforça Antônio.
Com a crescente busca por produtos sustentáveis, exclusivos e carregados de identidade, o artesanato se reposiciona como ativo de alto valor cultural e econômico. E Alagoas, com sua diversidade de técnicas e talentos, tem potencial para ser referência nacional e internacional.
“Temos aqui um saber vivo, ancestral, que precisa ser celebrado e sustentado”, conclui Antônio.
Ponto a ponto, fio a fio, a arte alagoana vai crescendo e evoluindo, com o apoio e a credibilidade de empresas como a FOZ e instituições como o Sebrae, parcerias sérias e principalmente por corações, mentes e mãos apaixonadas por Alagoas.