
Eu sei. Você esperava que eu começasse esta crônica falando sobre o melhor goleiro do mundo. Mas, infelizmente, ao contrário dele, a minha inspiração tem limites. Acho que já esgotei todo o dicionário de elogios e exaltações que um torcedor pode usar para descrever um ídolo. Só que ele continua a nos surpreender. Então vou deixar esse assunto para o final. Porque, antes, é preciso contar tudo o que aconteceu numa noite em que o Trapichão testemunhou novos milagres e o Galo empolgou de vez na competição.
Quantas histórias cabem na vitória de ontem? Comecemos por uma das mais bonitas de 2025 e que ainda tem sido pouco abordada pela torcida: Henri. Um jogador que chegou sob desconfiança. Quase não jogou no ano anterior. Vinha de uma fratura grave na tíbia. Carrega uma haste intramedular no corpo, semelhante à do Anderson Silva. E, assim como o ícone do octógono, Henri tem se mostrado também um grande lutador. Chegou a Maceió entre o Natal e o Ano Novo. Não foi ver a família, não celebrou com os seus. Escolheu o CT. Escolheu recomeçar. Ainda assim, como se não bastasse o fardo físico, contraiu dengue e perdeu boa parte da pré-temporada. Mas não reclamou. Não cedeu. Fechou-se em silêncio e respondeu com trabalho. Ganhou espaço. Ganhou o respeito dos seus companheiros. Ganhou a arquibancada.
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Hoje, ninguém mais discute: Henri é um dos pilares desse time. Um zagueiro técnico, firme, que joga de cabeça erguida e que parece carregar mais anos de estrada do que realmente tem. É jogador de grupo e, apesar de sua juventude, um líder técnico e discreto. É exemplo mesmo sem se promover. Foi ele quem cruzou a bola do gol do tetra. Foi ele quem, ontem, comandou a defesa em mais uma atuação irrepreensível. Não perde dividida. Não perde tempo. Não perde o foco. Com ele em campo, o torcedor se sente seguro. E é por isso que Henri já tem lugar cativo no coração da Nação Regatiana. Seu nome, agora, não é apenas o de uma revelação. É o de um novo xerife ao lado de outro comandante, o Capitán Segovia.
E a segunda história é justamente sobre o capitão. Van Gaal costuma dizer que os zagueiros, no futebol moderno, são os primeiros armadores. E Segovia é isso: saída limpa, cabeça erguida, passe que rompe linhas. Mas ontem, para além da técnica, Segovia mostrou caráter. Cometeu um pênalti. Foi salvo por um santo milagreiro. E, poucos minutos depois, estava lá, no rebote da cabeçada de Daniel Lima, empurrando para o gol. Bem posicionado. Firme. Certeiro. Gol que selou a vitória. Gol de zagueiro que acredita até o fim. E o Capitán ontem demonstrou algo que é a cara desse time: resiliência.
A terceira história é sobre Mikael. Um centroavante que, aos 21, parecia predestinado a conquistar o mundo com a força de seus chutes. E que, aos 25, quase parou. Lesões. Corpo pesado. Alma mais ainda. A Salernitana não teve paciência. O América-MG abriu as portas, mas o físico não respondeu. O futebol, cruel com quem precisa de tempo, lhe virou o rosto. Até que, num dia qualquer, soube que seria pai. E tudo mudou. Ari Barros ligou. Ofereceu estrutura, paciência, recomeço. O CRB não pediu um salvador. Pediu um homem disposto a recomeçar. Porque esse clube conhece bem os recomeços. Conhece a dor de bater na trave. Conhece a ternura de uma torcida que chora no Trapichão não só por derrotas, mas por amor.
Ontem, após 767 dias, Mikael voltou a fazer com perfeição o seu principal ofício: gol. Thiaguinho invade a área e, em sua jogada mais característica, tenta passar por dentro de dois adversários. A zaga corta e a bola sobra para Weverton, que cruza para Danielzinho. Este, cercado, e com absoluta tranquilidade, encontra Gegê livre. Gegênio, canhoto, cruza de direita. Mikael sobe. E, naquele instante, o Trapichão prende o fôlego. O que vem em seguida é um verdadeiro tiro de canhão. Com a cabeça. Uma pedrada no ângulo. Força. Raiva. Raça. Um gol de camisa 9. O primeiro gol do papai da Valentina pelo Galo. E com certeza ela vai crescer vendo seu pai estufar as redes adversárias. Seja bem-vindo de volta, Tanque!
Além de Mikael, é preciso destacar a grande atuação de dois jogadores que entraram com a missão de substituir titulares e deram conta do recado. Que partida fez Fernando Henrique. Que jogo fez Rafinha. Mostraram a força de um grupo que merece todo o nosso apoio. Não tem faltado luta. É um time que corre, que se doa e que acredita até o apito final. Aprenderam com os erros do jogo passado, entraram ligados e praticaram o Barroquismo no mais alto nível. Não há mais invictos nas Séries A e B. O último caiu ontem, no Trapichão. Derrubamos o único time que ainda não havia perdido em 2025 nas duas principais divisões. Atingimos pontuação de G4. Tudo isso mostra o tamanho dessa vitória.
E, por fim, é hora de falar de São Matheus Albino.
Existem jogadores que a gente respeita. Outros que a gente admira. E existem os raros, os muito poucos, que a gente simplesmente ama. Matheus Albino é desses. Não é apenas o goleiro do CRB. É a nossa muralha, o nosso escudo, a nossa fé debaixo das traves. Para o torcedor regatiano, ele é o melhor goleiro do mundo. E, sinceramente, a gente não está nem aí para quem discorda. Porque aqui, quem frequenta o Trapichão já sabe: existem gols que valem o ingresso. Mas, há duas temporadas, o torcedor regatiano vai ao estádio para ver defesas. Defesas que salvam, que calam, que arrepiam. Defesas que valem título. Que valem acesso.
Ontem, ele salvou mais uma vez o nosso domingo. Contagia a torcida. Contagia os companheiros. Quando defendeu o pênalti de Pedro Rocha, artilheiro do campeonato, a imagem que também ficou foi a de Matheus Ribeiro, ali na entrada da área, pulando como um torcedor a mais, vibrando com o milagre do seu xará. A comemoração era coletiva. Todos sentiam que aquele momento era especial. E, após o apito final, Albino percorreu os quatro cantos do Trapichão para agradecer a presença da torcida. Ninguém arredou o pé do estádio antes de aplaudi-lo.
Todo torcedor regatiano tem um sonho. Que Albino se eternize no CRB. Que ele siga aqui como Marcos no Palmeiras, como Rogério no São Paulo. Que ele nos dê o penta, o hexa, o deca do Alagoano. Que ele derrube mais gigantes na Copa do Brasil. Que ele nos leve à Série A. Que nos dê o título do Brasileirão este ano. Por que não podemos sonhar com isso? Pés no chão. É jogo a jogo. Mas quem tem Albino no gol, pode tudo.
Albino precisa ficar no CRB para sempre. Não apenas por ser um grande goleiro, o maior que já passou por aqui, mas por ser nosso. Ele já é símbolo de uma era. De um CRB que cresce, que se estrutura e que busca alçar voos mais altos na elite do futebol nacional. Chegaremos lá. E queremos chegar com ele. Porque enquanto houver trave para defender, vitórias para alcançar e história para escrever, nós queremos Matheus Albino no gol.
O futuro, um dia, olhará para este time com carinho. Vai lembrar de cada batalha, de cada nome, de cada história. E vai lembrar que ali, com aquele grupo de 2025, começou algo maior. Sábado tem mais. Contra o Avaí em Florianópolis. Mas ontem, no Trapichão, a gente já começou a escrever novamente a história que a gente tanto quer viver. A do acesso. E, quem sabe, a da eternidade.
– Francisco Guerrera Neto
Torcedor do Clube de Regatas Brasil
*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.