Pesquisadores de diversos países têm estudado uso de células-tronco no tratamento de Covid-19.
As terapias celulares não atacam o vírus ou impedem a
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sua entrada nas células, mas diminuem o quadro inflamatório provocado
pela reação imunológica em resposta à infecção. Seu uso para a Covid-19
ainda é experimental, e a aprovação dos órgãos regulatórios varia em
cada país.
Os estudos em curso avaliam a eficácia por meio de
modelos animais e infecções in vitro e também são de uso compassivo, no
qual o tratamento é testado em pacientes em estado grave sem chance de
terapias alternativas.
Os resultados têm sido promissores, e agora
os hospitais devem iniciar os ensaios clínicos. Só na plataforma
ClinicalTrials, que reúne pedidos em andamento, são mais de 30, de
diversos países, incluindo China, EUA, França e Irã.
A maioria dos
estudos utiliza as células mesenquimais estromais (MSC, na sigla em
inglês), mais conhecidas como células-tronco. A escolha da fonte das
células varia de estudo para estudo, sendo que a medula óssea é a mais
frequente, mas outras fontes celulares podem incluir o tecido adiposo, o
cordão umbilical e até a placenta.
Os efeitos colaterais
da terapia com células-tronco são poucos, como febre baixa. Outra
vantagem é que as células-tronco não necessitam de compatibilidade
genética com o indivíduo receptor.
Existem drogas em estudo para
Covid-19 formadas por agentes anti-inflamatórios, como o anti-IL-6R
(Tocilizumab), que têm sua quantidade aumentada na infecção, mas
vantagem da terapia celular em relação a esse medicamentos é que elas
servem como um coquetel, uma combinação de vários mediadores
anti-inflamatórios distintos, e não apenas um.
Em Israel, a
farmacêutica Pluristem pretende começar até o fim do mês um ensaio
clínico com células placentárias expandidas (PLX, na sigla em inglês)
após o sucesso observado do uso compassivo por pacientes com quadro
respiratório grave decorrente da Covid-19 em dois centros hospitalares.
Os pacientes tiveram índice de recuperação de 100% em um período de
14 dias, e metade deles teve alta dos ventiladores mecânicos em menos de
uma semana.
O presidente e CEO da Pluristem Yaky Yanay disse à
Folha que a vantagem do seu tratamento é a produção em larga-escala -uma
única placenta pode fornecer o tratamento para até 20 mil pacientes.
A
empresa teve liberação da FDA (agência norte-americana que regulamenta
medicamentos) para iniciar ensaios clínicos nos Estados Unidos e recebeu
financiamento de 50 milhões de euros (R$311 mi) do Banco de
Investimentos Europeu para apoio da terapia no continente, com início
previsto na Alemanha e Itália.
No Brasil, a Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) determina a existência de dois tipos
de terapias celulares: a convencional, que consiste no uso de
células-tronco hematopoiéticas para transplante, passível de registro
para uso, e a terapia celular avançada, que inclui o uso de
células-tronco mesenquimais, como as descritas acima.
Não há, até o momento, nenhum registro aprovado pela agência de terapia celular avançada no país.
Pesquisadores
do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF), da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, têm estudado a terapia com células-tronco em
diversas doenças pulmonares, comparando MSCs de diferentes fontes e
diversas vias de administração.
Segundo
Patricia Rieken Macêdo Rocco, professora titular da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, chefe do laboratório de Investigação Pulmonar
do IBCCF, que coordena o estudo, a vantagem da terapia celular em
pacientes com Covid-19 é a ação anti-inflamatória, que traz benefício
não só às células lesionadas que revestem os pulmões, mas também àquelas
que revestem vasos sanguíneos com risco elevado de embolia ou
sangramento.
Além disso, diz Rocco, as células-tronco possuem
também ação antifibrótica. "Alguns pacientes têm ficado muito tempo em
ventilação mecânica, no mínimo duas semanas, e a ventilação mecânica
associada a um quadro inflamatório pulmonar pode levar à fibrose
pulmonar."
Rocco afirma ainda que outra ação da terapia celular é a
defesa contra bactérias. Em estudos realizados in vitro, foi observado
que bactérias não crescem quando cultivadas com células-tronco.
Como
pacientes internados com Covid-19 em UTI (Unidade de Terapia Intensiva)
por período prolongado podem desenvolver também quadro de pneumonia
bacteriana, a terapia celular poderia atuar impedindo o aparecimento
dessa infecção secundária.
O grupo liderado pela pesquisadora
brasileira já estudou o uso de células-tronco de medula óssea em
pacientes com enfisema pulmonar, asma e silicose, mas ainda não testaram
para Covid-19.
A médica disse que no país uma limitação para
estudos com terapias celulares avançadas é a regulamentação da Anvisa.
Segundo ela, a orientação da agência é de utilização do tratamento
apenas como uso compassivo.
No Brasil, existem diversos Centros de
Tecnologia Celular (CTC) que produzem células-tronco extremamente
confiáveis e de alta segurança, diz Rocco. A maior desvantagem da
terapia celular para tratamento em larga escala de doenças é o alto
custo. O paciente submetido ao tratamento no Brasil não gasta um
centavo, diz, mas o custo para os CTCs é de aproximadamente R$ 20 mil
por paciente.
Mesmo assim, o executivo da Pluristem acredita que a
terapia celular é aplicável no Brasil, onde os números de mortes por
Covid-19 crescem diariamente.
"Nós temos o produto disponível nas prateleiras, temos capacidade de
importar para qualquer país do mundo. As pessoas estão morrendo nos
hospitais, temos que agir agora. Se algum governante quiser usar nossas
células para tratamento [de Covid-19], estamos dispostos a ajudar",
afirma Yaky Yanay.