
Mais do que uma classificação histórica. Muito mais! Um feito para um clube, um projeto, um país.
Para dimensionar a vitória que colocou o Al-Hilal no caminho do Fluminense nas quartas de final da Copa do Mundo de Clubes, é necessário falar da revolução que toma conta do futebol da Arábia Saudita há dois anos. E o ge foi atrás de uma das figuras centrais do clube de Riade para mergulhar na história: Esteve Calzada.
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CEO do Al-Hilal, o espanhol chegou ao futebol saudita com a experiência de quem participou da gestão do Barcelona multicampeão do fim da década de 2000 e ajudou na construção do Manchester City vencedor por mais de uma década, entre 2011 e 2023. Currículo que por si só tornaria especial a vitória por 4 a 3 sobre o time do amigo Pep Guardiola, mas que vai além em um passo importante na consolidação do projeto saudita:

- Sabemos a qualidade da nossa equipe e tínhamos muita vontade de enfrentar equipes de alto nível para confirmar qual é realmente o nosso potencial. É algo que não acontece muito poder jogar em duas semanas contra Real Madrid e Manchester City, além de equipes como Salzburg e Pachuca.
"Tratamos com satisfação, alegria, e também responsabilidade para representar o futebol saudita para que o mundo veja que a liga cresceu, tem muito bom nível, e que não viemos para trocar camisas. Viemos para competir por tudo que pudermos"
Em entrevista de 25 minutos ao ge, Calzada falou da relevância da mensagem passada pelo Al-Hilal a quem ainda via a Arábia Saudita somente como um paraíso financeiro no futebol e reforçou os planos de valorização da liga local como um todo até a Copa de 2034. Consciente da força de um "elenco europeu", não impôs limite ao sonho saudita nos Estados Unidos, mas projeta um sucesso que vai além do verão americano.
Com o Fluminense pela frente nesta sexta-feira, às 16h (de Brasília), no Camping World Stadium, em Orlando, valendo vaga na semifinal da Copa de Clubes, fez elogios ao grupo tricolor. O futuro ficou em segundo plano, mas a previsão é de grandes investimentos na próxima janela, e Messi é um dos nomes especulados.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Primeiro, que partida vocês fizeram contra o Manchester City! Como está a mentalidade e o orgulho por tudo o que foi feito? Acredito que é o maior feito da história do clube. Não em termos de resultados, já que disputaram uma final de Mundial e ganharam muitas Champions, mas por tudo o que representou para o mundo. Você surpreenderam o mundo do futebol. Como está a cabeça depois de tudo isso, o que vem à cabeça quando recordam?
É difícil dizer que é a mais importante, mas é seguramente o resultado mais importante da história recente. Obviamente, vimos isso com muita alegria e satisfação. No meu caso, foi emotivo porque trabalhei 12 anos no Manchester City, reencontrei com velhos amigos e tive que controlar a comemoração dos gols um pouco como um centroavante que marca um gol contra seu ex-clube e não comemora. Estava mais comedido, enquanto meus companheiros estavam exultantes. Mas, sim, foi vivido com máxima satisfação. E também vimos uma oportunidade de mostrar ao resto do mundo o nível do nosso futebol. Foi visto pelo mundo como uma surpresa a qualidade do nosso futebol, a qualidade dos nossos jogadores, e para gente não foi nenhuma surpresa. Sabemos a qualidade da nossa equipe e tínhamos muita vontade de enfrentar equipes de alto nível para confirmar qual é realmente o nosso potencial. É algo que não acontece muito poder jogar em duas semanas contra Real Madrid e Manchester City, além de equipes como Salzburg e Pachuca. Tratamos com satisfação, alegria, e também responsabilidade para representar o futebol saudita para que o mundo veja que a liga cresceu, tem muito bom nível, e que não viemos para trocar camisas. Viemos para competir por tudo que pudermos.
Você como alguém que já conhece o Guardiola há muito tempo, o Manchester City há muito tempo, foi alguém importante neste convencimento de que, sim, era possível. Até mesmo as equipes brasileiras quando saíram daqui, a dúvida era se seria possível competir ou não? Como alguém que já conhece tudo o que acontece nesses clubes, você foi importante neste convencimento mental de que teriam possibilidade e capacidade de fazer um jogo equilibrado e ganhar?
Sim. No meu caso, é mais uma questão de ajudar em tudo o que posso, e temos que estar convencido das nossas possibilidades. É um trabalho de mentalização dos jogadores, do treinador, do diretor esportivo, do presidente, que tem um papel muito ativo. De todo modo, em um torneio como esse, motivar para jogadores em um torneio como esse não é difícil. Que motivação maior pode ter um jogador do que enfrentar as maiores equipes do mundo, que todo mundo veja, e o trabalho do jogador é a nível tático, dos jogadores a nível físico... Até por estarmos em fim de temporada, as pernas estão mais curtas e isso é uma grande diferente que estavam dando, por exemplo, aos clubes brasileiros, que estão em metade de temporada. O aspecto físico é muito importante.
O quanto que é ainda mais grandioso tudo o que aconteceu por ser depois de uma temporada sem conquistar grandes troféus e em que os rivais terem vencido. Al-Ahli ganhou a Champions da Ásia, o Ittihad ganhou os torneios locais... Vocês esperavam muito da temporada, trocaram agora de treinador. Quanto que é importante para passar a mensagem ao mundo e também aos torcedores de que, sim, seguimos sendo a maior equipe saudita?
Com certeza seguimos como o maior clube saudita. Seja por termos mais torcedores, com diferença de quase metade dos torcedores sauditas. Mas isso também nos dá responsabilidade porque os torcedores querem que ganhemos sempre. A verdade é que na temporada passada ganhamos uma Supercopa em um formato com quatro equipes, o que nos dá ainda mais mérito, mas ficamos em segundo na liga, na semifinal da Champions, e claramente não era o nosso objetivo. Agora, podemos terminar a temporada com uma boa participação neste Mundial de Clubes com novo formato. Em um cenário onde o mundo todo está vendo, e isso é uma boa oportunidade para terminar a temporada com boas sensações e nos preparar para a seguinte.
Imagino que seja o momento mais alto deste projeto do Al-Hilal depois de tudo o que foi transformado, mas o que é possível esperar mais desta equipe? Quão distante é possível chegar, não somente nesta competição, mas por tudo o que o clube tem escrito nos últimos anos e pelo menos até 2034, quando os olhos do mundo estarão na Arábia?
É um clube que pode chegar muito longe e por isso viemos de fora com ambição e conhecimento de equipes importantes, além do conhecimento e a experiência local liderada por nosso presidente, Fahad bin Nafel, que tem ideias muito clara, conseguiu grandes conquistas e trabalha para ganhar todos os troféus. A última temporada não foi muito vencedora nas competições, mas a anterior foi um sucesso extraordinário, com o recorde de vitórias consecutivas. Ganhamos todos os troféus locais: liga, Copa do Rei e Supercopa. A ambição é máxima. Neste Mundial, jogamos todos os jogos com a esperança de ganhar. Foi assim com o Manchester City, onde não éramos favoritos, mas saímos para vencer. O mesmo vai acontecer contra o Fluminense, que vai ser uma partida tão ou mais difícil, por terem chegado onde chegar e por terem vencido a Inter de Milão.

Aqui no Brasil, falamos que o Al-Hilal se transformou em uma equipe europeia fora da Europa. É asiática, mas se parece muito com uma equipe da Europa pelo elenco e pela capacidade de investimento. Concorda com isso? Podemos dizer também que é o time que mais se aproxima dos europeus fora da Europa?
Não sei se é o time que mais se aproxima, mas se for ver jogador por jogador, todos os jogadores internacionais jogaram na Europa e com sucesso em grandes ligas. A experiência que se busca quando trazemos para Arábia é para competir, dar resultados e ajudar que o futebol e os jogadores sauditas possam aprender. Tudo isso está funcionando. Se olharmos nome por nome, temos um sotaque muito europeu com jogadores muito bem selecionados, e não aqueles que estão em últimos anos de carreira. São jogadores que estão em alto nível, com vontade de ganhar, em forma, com 20 e tantos anos, e que foram bem escolhidos. Se olharmos nome por nome, é um time com muito potencial. Estamos satisfeitos por mostrar isso ao mundo. Outra coisa que está melhorando é o produto local para que seja visto em mais lugares, que seja visto em todo o mundo, e não necessitemos de uma competição como a Copa do Mundo de Clubes para que vejam nossa capacidade. A gente que quiser pode ver todas as semanas que são partidas competitivas e que há jogadores de grande nível chegando na nossa liga.
Não faz muito tempo, e se falava que os jogadores iam para Arábia porque pagava muito bem, mas que o nível de competição não era como das grandes ligas. Acredita que tudo o que o Hilal fez é importante não somente para o clube, mas como vão ver a SPL, como o mundo vai ver na abertura da próxima janela que há disputas em um nível como nas grandes ligas europeias?
Sem nenhuma dúvida, é uma grande oportunidade para trazer jogadores de nível, a começa pelo treinador que trouxemos: Simone Inzaghi. É uma prova muito clara da nossa ambição, o futebol que estamos desempenhando todo mundo está vendo e isso deixa tranquilo quem quiser ir para a Arábia. Outro ponto significativo que mostra que nossa liga não é pequena é que os jogadores que chegaram ao nosso time sendo convocados para suas seleções não deixaram de ser chamados. Bounou segue com Marrocos, Koulibaly em Senegal, Milinkovic Savic na Sérvia, Cancelo e Ruben Neves em Portugal, e isso é uma amostra clara que os treinadores de seleções não acham que é um passo atrás ou menor. Inclusive, não sei se já viu entrevistas de jogadores que falaram que é preciso que fique claro que é uma liga potente e que no GPS mostra que correr mais km na Arábia do que nas equipes anteriores.
Pode ser uma mensagem para Carlo Ancelotti, né? Acho que de todos esses, os brasileiros são os que mais sofrem com essa visão de que a competitividade não é a mesma. Temos o exemplo de Marcos Leonardo, Malcom, Renan Lodi e outros que nunca tiveram oportunidade desde que chegaram na Arábia. Aqui no Brasil tem um pouco de preconceito. Então, é uma mensagem que pode ajudar os brasileiros.
Claro, claro. É um nível que todos estão vendo. O Marcos Leonardo marcou dois gols no Manchester City. Nosso clube sempre teve uma proximidade muito grande desde os tempos de Rivelino. Seja Brasil ou Portugal, sempre gostamos desse "sotaque", trouxemos muitos jogadores daí. Há uma conexão especial, temos muitos seguidores do Brasil. Obviamente, tivemos também o Neymar e o Al-Hilal um bom caminho para os jogadores brasileiros por tudo o que estamos fazendo e acima de tudo porque eles se falam entre si. Se você liga para um jogador que quer no Al-Hilal, eles vão ligar para alguém do nosso elenco, falar com Lodi, Malcom, Kaio, Marcos Leonardo, e vão falar coisas positivas. Estamos otimistas com tudo o que já cresceu a liga, a nossa equipe e ao que pode crescer no futuro.
A relação com o Brasil também existe a nível de competição. A vitória que colocou o Hilal mais longe em uma competição internacional foi contra o Flamengo, em 2023, com a classificação para a final contra o Real Madrid. Agora, vai jogar contra o rival do Flamengo no Rio, que é o Fluminense. O que espera desta partida? Quanto o Fluminense também te surpreendeu pelo que fez diante da Inter de Milão ou não? Espera uma partida como protagonista ou equilibrada?
Vamos ver. São equipes de ligas que são se enfrentam com frequências. São equipes que ganharam de equipes teoricamente superiores. Vi o Fluminense contra a Inter de Milão e fiquei encantado. Claro que a Inter poderia marcar algum gol, mas o marcado poderia ter mais volumoso. Vi um time forte, sólido desde trás, com grandes jogadores, físico muito bom e vamos encarar esse jogo com muito respeito, muito conscientes de nossas responsabilidades, mas sabendo que vai ser um jogo muito difícil.
Este Mundial teve feitos grandes de equipes que ganharam de europeus. Botafogo x PSG, Flamengo x Chelsea, Fluminense x Inter de Milão e Al-Hilal x Manchester City. Pela história da partida, por tudo o que aconteceu, pela virada, acredita que o maior feito foi do Al-Hilal?
No mínimo, a percepção que tenho é de que foi como foi feita a cobertura pela imprensa internacional. Foi a maior surpresa por muitos motivos. Para nós, não é tanto por estarmos conscientes de nosso futebol e potencial. Mas coincidia que vinha de uma vitória fácil do City com a Juventus, com a participação de grandíssimos jogadores, quando jogaram contra nós as substituições eram por jogadores melhores ou mais conhecidos. Mas com humildade, com trabalho, o que vimos foi um jogo com muita intensidade, alternativas para fazer gol, e uma pena que foi em um horário de madrugada na outra parte do mundo. O bonito é que o jogo com o Fluminense vai ser em um bom horário. Talvez, não para os jogadores por ser mais calor, mas esperamos dar um bom espetáculo e, sim, o que vimos na mídia é que nosso resultado foi destacado como a maior surpresa. É preciso ter em mente que fomos para o jogo com muitos desfalques de titulares imprescindíveis. A começa pelo capitão Al Dawsari, por nosso centroavante Mitrovic, que não jogou o torneio, por nosso zagueiro... Isso é o bonito do futebol. Qualquer um pode ganhar de qualquer um.
Uma imagem que rodou o mundo e viralizou no Brasil é a da festa no vestiário e quando o presidente anuncia que vai pagar uma premiação muito gorda aos jogadores. Não sei se chamou tanta a atenção na Arábia, mas aqui, sim. É algo normal ou só em jogos muito especiais?
Acredito que a forma de celebrar demonstra que é uma vitória em particular com muitas conotações. Pela dimensão, pelo presidente ser uma pessoa muito envolvida com o clube, que oferece tudo, que trabalha muitos anos, conseguiu muitos títulos e quando termina uma temporada sem ganhar, nós, da gestão, temos que suportar mais críticas. No fim das contas, estávamos felizes por sabermos o que sofremos, por ser um reconhecimento ao trabalho, pela aposta pessoal em Simone Inzaghi... Saem as emoções e entendo ficar dessa forma por saber o que sofre e o que entrega ao clube. Sei o quanto ama esta equipe e merece celebrar da melhor maneira possível. Tomara que possamos comemorar mais coisas, apesar desta vez ser contra uma equipe do seu país (risos).
Quando chega ao vestiário e diz que vai pagar não sei quantos milhões, é algo que já estava combinado ou é algo que decide na hora e diz que vai ser pago porque é merecido?
São coisas que ficam internamente para equipe e para o vestiário. O que está claro é que temos uma grande comunhão no vestiário entre jogadores, diretores, presidente... Trabalhamos como uma grande família e tentamos, principalmente no meu caso como executivo, que funcionem as finanças para seguirmos apostando nos melhores jogadores possíveis.
Falando sobre janela e pelo que pode fazer mais o Al-Hilal, podemos dizer que o começo do projeto saudita o mundo via que o Nassr tinha uma grande estrela, que era o Cristiano, o Ittihad tinha uma grande estrela, que é Benzema, mas o Hilal teve uma grande estrela que não jogou, que foi Neymar, e teve que fazer um time muito coletivo. Podemos esperar que para próxima janela este posto de grande estrela será ocupado? Como vocês observam as ações de mercado? Se falou muito de Osimhen, Çalhanoglu, Theo Hernanez, Bruno Fernandes... Como você vê a próxima janela para que o Hilal vá ainda mais distante?
Acho que agora não importante, não é? Agora importante focar no jogo com o Fluminense. Temos um elenco que confiamos, não fizemos contratação internacional para o torneio porque pensamos que temos o melhor time possível e confiamos. Quando acabar o torneio, os jogadores vão de férias e teremos tempo de analisar a situação de cada um, como enfrentaremos a janela de verão.

Ainda neste tema, o torcedor do futebol mundial pode sonhar em ter em breve um encontro de Cristiano e Messi como rivais novamente? O Al-Hilal mira Messi como uma boa opção?
Insisto que agora não é hora de tocar neste tipo de tema. Afinal, o que é verdade é que se vê na mídia com grandes jogadores a nível de rumores se vinculam com o Al-Hilal. Isso demonstra o potencial que tem o clube e quem escreve acredita que pode dar certo. Eu não posso dizer que seja (verdade) ou que possamos comentar. É algo que agora não nos importante. O que importa é focar na partida, apoiar a equipe e não falar sobre jogadores que não estão conosco.
Para finalizar, que tipo de mensagem poderia passar para os torcedores do Brasil. O Al-Hilal já é um clube mundial por tudo que já fez, mas para os torcedores que não acreditavam tanto no futebol saudita? Uma mensagem para que vejam com outros olhos e que há um projeto muito seguro e bem estruturado até o Mundial de 2034? Um mensagem como estrangeiro que está na Arábia.
A primeira mensagem como estrangeiro que está na Arábia é que estamos falando de um país que nos recebeu como se estivéssemos em casa. Um país com grande hospitalidade, grandes cidades, grande estrutura... É um país onde se vive muito bem, se trabalha muito bem. É a primeira mensagem como quem veio de fora e se sente em casa. A nível futebolístico, convido a todos que vejam nossas partidas não somente no Mundial, mas também na Liga. No caso do Brasil, sempre tivemos muitos brasileiros na Saudi Pro League e também treinadores. Convidamos a ver nossas partidas, siga nossa liga, veja nossos conteúdos em redes sociais... Temos mais de 40 milhões de seguidores, que é um número muito importante. Temos a ambição de captar seguidores além do Oriente Médio. Acho que temos essas armas pelos jogadores, pelo tipo de futebol, pelo trabalho que fazemos e estamos demonstrando com o crescimento mesmo quando Neymar saiu do clube. Isso demonstra que estamos nos conectando com novas audiências e vamos nos esforçar para ter os melhores jogadores, jogar um bom futebol e trazer bons conteúdos.