Filho e irmão de músicos, cantor, compositor e multi-instrumentista de Alagoas faz show especial em Maceió e em Traipu; ele recorda sua trajetória musical, marcada pela vida interiorana, o improviso e a vontade de mudar o mundo
Olha o som na cabeça / Feito as ondas do mar / Vai tocando sem parar / A Rádio Cabeça está no ar. — Às margens do Rio São Francisco ele cantou, não um hino à independência do Brasil, mas à sua própria. Basílio Seh, alagoano de corpo e alma, celebra duas décadas de carreira musical dentro e fora do palco. Com letras que instigam a reflexão do ouvinte e onomatopeias inspiradas, Basílio, filho e irmão de músicos, traz destaque à cena da MBP em Alagoas.
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Segundo sua certidão de nascimento, ele nasceu em Tacaratu, município de Pernambuco. Mas, assim como outras questões, há argumentos suficientes para questionar sua naturalidade. Com apenas alguns dias de vida, logo se mudou para o interior alagoano, para a cidade ribeirinha Traipu. E foi em Alagoas que, com apenas 12 anos, aprendeu a tocar trompete. Basílio, aos 14 anos, chegou a integrar a Filarmônica Lira Traipuense que, à época, tinha seu tio como maestro. Em 1981, Basílio foi estudar em Maceió, e passou a conhecer os artistas que o influenciaram, como Djavan e Hermeto Pascoal.
A família Basílio, guardiã das tradições musicais, proporcionou a Basílio um berço de melodias. Seu pai, José Basílio, deslizava entre os acordes do trombone na Lira Traipuense, enquanto seus tios, Pedro, Antônio e Manuel, também compartilhavam o dom da música. Foi sob essa influência que Basílio, aos doze anos, deu seus primeiros passos musicais, guiado pelos ensinamentos de Nelson Souza, discípulo do tio Antônio.
EU SOU DE LÁ, ALAGOAS!
As águas do São Francisco banharam e abençoaram Basílio Seh, inundando-o de uma conexão profunda com a essência ribeirinha. Inspirado por mestres como Djavan, Hermeto Pascoal e Egberto Gismonti, Basílio oficialmente ingressou na carreira fonográfica em 2003, aos 40 anos, lançando seu álbum de estreia, “Oco do Mundo”, que chamou muita atenção da crítica e, principalmente, dos alagoanos.
Em Oco do Mundo, música homônima ao álbum, Basílio conta sua história na cidade interiorana e ribeirinha, conta também a influência paterna de José Basílio, seu pai, que resultou numa paixão desenfreada pela música, além da “agonia” em querer expressar sua arte em outros municípios e estados além da pequena cidade. A música, revela, foi o que tornou Basílio quem é hoje. E ele canta: “Música é o que eu escolhi / Eu sou de lá, Alagoas”.
Sua infância em Traipu foi marcante, tanto que, até hoje, Basílio expressa sentimentos do passado em suas produções atuais, como em Urubuano. “Então, com os meus colegas, brincávamos de canoa de pena, pinhão, rouba bandeira etc., e tinha um local chamado de Morro do Urubu, onde íamos brincar mocinho e bandido [...] à época, não fazia ideia da representatividade do urubu para a música, mas uma vez, estudante de música e músico, voltei ao morro para observá-lo. Aí tudo aconteceu, passei a olhar o animal como signo musical, ou seja, seu voo me mostrou uma performance musical que até me fez valer dela”.
Outro ponto impossível de ser ignorado é a utilização de improvisos vocais e onomatopeias, como a música Lá Vai o Trem e o Cão Correndo Atrás que, segundo o artista, já foi muito criticada. “Lá vai o trem e o cão correndo atrás é outra música que gera certa polêmica, pelo fato de ser silábica. As pessoas costumam entender música pela letra [e] esta música surgiu de uma pesquisa para captar o som do trem vindo e passando. Observei que havia um cão latindo toda vez que o trem passava. Esta música é um registro de uma situação interessante, a qual pude presenciar”.
Já sobre o improviso, o cantor comenta que entra até em suas aulas: “O improviso vocal não é comum entre os cantores, esse recurso é utilizado por quem domina a técnica da improvisação. A esse respeito, desenvolvi uma técnica, a qual costumo chamar de aquecimento em voo livre. Sempre que faço alguma oficina, a utilizo com base.”
Músico, multi-instrumentalista e com grande capacidade de produção, ele não se limitou apenas à criação musical. Como educador, regeu orquestras em instituições de ensino público, como o Complexo de Ensino Público de Alagoas (CEPA) e a Orquestra Nuno Pimentel, em Viçosa. Basílio conta ainda que alguns de seus alunos, hoje, são músicos profissionais: “Muitos daqueles garotos são músicos profissionais hoje. Não apenas músicos, como também da cadeia produtiva da música”.
Ao longo de duas décadas de trajetória, Basílio Seh deixou sua marca em diversos projetos e festivais, colaborando com outros artistas como Chico César e Hermeto Pascoal, participando de shows memoráveis e deixando sua influência nas trilhas sonoras de documentários como em 1912 O Quebra Xangô. E com mais de 40 músicas publicadas, a mais solicitada por seus fãs é Marieta e Eu. A canção faz referência à obra Romeu e Julieta, do dramaturgo inglês William Shakespeare.
Basílio possui um legado que transcende as notas musicais e vai além do palco e das salas de aula, impactando diretamente na cultura musical alagoana. Suas músicas possuem como base a sua vida, o que acontece ao seu redor e o que se passa na cabeça dele e de seus iguais, como no álbum “Rádio na Cabeça”, em que o artista revela ser “um programa interno que nós mesmos ouvimos”.
E assim eu vou ligado em mim/ Cantando até alguém, enfim / Me chamar e então a sintonia cai / Desligo o rádio e volto ao normal /