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Letras de Alagoas

UM “CAMBALEANTE” REENCONTRO

Este texto foi escrito há muitos anos! Mas a atualidade da arte do autor nele focalizado, Chico Buarque, apesar de ser um lugar-comum, evidencia-se mais neste momento, por ele ter finalmente recebido merecidamente o Prêmio Camões de Literatura, o que justifica tal apresentação extemporânea. Eis o texto:

Há alguns meses ganhei um presente de um grande amigo: o último CD de Chico Buarque e Edu Lobo: CAMBAIO, de 2001. Embora tardiamente, não há como calar o prazer de ouvir a música desses dois poetas.

No dicionário, CAMBAIO quer dizer “de pernas fracas, trôpego”. No CD de Chico Buarque e Edu Lobo, na canção que lhe dá nome, encontramos os versos: “Eu quero uma moça que me deixe zarolho/Procuro moça que me deixe cambaio”. Mas não é exatamente assim que as coisas acontecem ao ouvirmos esse disco. Numa inversão de papéis entre o cantor e o ouvinte, não é o poeta que fica cambaio: nós é que nos rendemos, cambaios, trôpegos, inertes ante a beleza musical e poética das canções ali reunidas. São elas que nos deixam cambaios.

Pode ser saudosismo, nostalgia ou qualquer outro tipo de lembranças, não importa. O que importa é a sensação de reencontro que sentimos com essas canções: reencontro com o lirismo forte, o erotismo tão simples e óbvio – por isso tão comovente – da poesia de Chico, aliados à musicalidade inconfundível de Edu Lobo. Certamente, em músicas de tal quilate, fica difícil separar o músico do poeta. Parece tão visceral a relação entre a letra e a música que é impossível vê-las em separado. Não quero dizer que os últimos discos de Chico tivessem perdido essas características, mas, certamente, sua criatividade havia tomado, em certos momentos, outras faces.

O que vemos em CAMBAIO, porém, é a volta do poeta-leitor da alma brasileira, sem que isso signifique depreciar a capacidade do povo para a beleza, a qual pode, sim, andar par a par com a crítica social, como na faixa Ode aos ratos. A própria escolha do termo “cambaio”, expressão bem nordestina e popular, para dar nome a uma peça de teatro e ao CD é um traço da brasilidade deste poeta, numa época em que se valorizam tanto os títulos “importados” de alguma língua estrangeira. É a volta do poeta-amante, com seu erotismo limítrofe entre a ingenuidade e a luxúria, como em Cantiga de acordar, cantada pelos dois autores junto com Zizi Possi, cujas metáforas permitem as leituras mais variadas, como quando Chico inverte a linguagem popular para dizer que “há que pôr o chão nos pés”.

No entanto, o que mais ressalta nas canções, e que justifica minha alusão a “reencontro”, é rever – e com a mesma sensibilidade e lirismo de algum tempo atrás – o poeta que, mais que qualquer outro, sabe ler e expressar a alma feminina. E, o que é essencial, com uma poeticidade que transcende a linguagem. A canção Lábia é um significativo exemplo disso. Nela encontramos versos como:

Mas nem uma mulher em chamas

Cede o beijo assim de antemão

Há sempre um tempo, um batimento

Um clima que a seduz

E eis que nada mais se diz

Os olhos se reviram para trás

E os lábios fazem jus.”

Como não ver nesses versos a mulher atual, livre para viver plenamente sua sexualidade/sensualidade, que não precisa se esconder no estereótipo da mulher comportada e passiva, mas que conserva sua característica de fêmea a ser seduzida, porém não mais como um defeito, mas como uma característica a ser mantida, uma forma sutil de conquista, da qual não precisa abrir mão para ser “moderna”? A mulher que não mais “permite” um beijo, mas que, consciente de sua igualdade perante o outro, o “cede”, desde que haja “clima” para isso! (Diferente de uma outra mulher da canção Com açúcar e com afeto, sempre pronta a perdoar, “esquentar o prato” e “abrir os braços” para o seu amor, sem perguntas – mas igualmente percebida pela sensibilidade do poeta.) Para Chico, lábia é um “dom de mulher/ que os homens têm”. Ou seja, algo tão decantado como arma masculina, para o poeta é apenas um dom feminino que os homens aprenderam a usar!

Enfim, CAMBAIO é, antes de tudo, a possibilidade do reencontro com a beleza, a poesia, a autenticidade da canção brasileira, que não se reduz a rótulos ou modismos. Há no disco uma canção de Edu Lobo – Quase memória –, apenas musicada, cuja beleza melódica comove até quase as lágrimas. (Não seria sintomático o título desta canção, que consta no disco ter sido inspirado em obra homônima de Carlos Heitor Cony?)

Certamente que outros grandes poetas existem no cenário musical brasileiro. Mas ouvir outra vez as vozes de Chico e Edu, em canções de inquestionável poeticidade, sermos tomados pela sonoridade dos arranjos de algumas delas, onde predominam instrumentos pouco comuns na música popular, como o fagote, o oboé e a harpa, é, sem dúvida, uma experiência que nos deixa cambaios de felicidade.

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