O 'cidadão de bem' vive na expectativa de dias melhores, de um cenário mais vantajoso na economia, de uma sociedade mais civilizada. O problema é que chegar a este ponto de avanço civil também passa pelo respeito à pluralidade social que compõe a coletividade, incluindo aprender a conviver com o que não agrada a si mesmo. Apesar de importantes conquistas na área jurídica, que garante direitos simples para a maioria das pessoas, os transgêneros ainda encaram diversos desafios sociais.
A discriminação contra trans ou pessoas diferentes do padrão estabelecido não surge apenas por parte de héteros. Dentro do universo LGBTI+, muitos também 'viram o olho' para gays com trejeitos tidos como femininos, travestis e trans. É uma questão que parece ser intrínseca da sociedade e se revela nas mais diversas situações, independente de quem a expõe.
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Um exemplo cotidiano é ir a um show. Qualquer pessoa deveria conseguir aguardar na fila, apresentar o seu ingresso e entrar no espaço. Não é o que acontece. "No festival de inverno, quando a gente vai entrar lá tem duas filas, a masculina e a feminina. Enquanto eu aguardava na feminina, a policial chegou e fez 'me dê o documento'. Eu entreguei a ela e ela disse 'você é homem, não pode ficar aqui não'. Eu expliquei pra ela que eu sou uma trans e ela ficou dizendo 'não, aqui você não vai passar não, vá para o masculino'. Discutimos e eu fiquei na fila enquanto uma amiga interveio e conversou também com a policial. Foi uma confusão. São coisas que acontecem sempre", relata a transgênero Natasha Wonderfull.

No últimos anos, foram diversas conquistas. Ter o nome social em documentos e poder utilizar o banheiro de acordo com o gênero com o qual se identifica são as principais, segundo os indivíduos transgêneros. "Durante muito tempo, na militância, a gente conseguiu muitas coisas. O respeito e a cidadania das trans e travestis por todo o estado de Alagoas, mas, a maior conquista foi o nosso nome civil. Até hoje a gente sente dificuldade em ter no registro o nosso nome civil e até o uso do banheiro com o nosso nome social. A população ainda não está preparada para essas vitórias do movimento, mas estamos aí firmes e fortes", destaca Fabiola Silva, uma das fundadoras do Movimento das Travestis e Trans de Alagoas e representante do Provida, ambos projetos de apoio às causas LGBTI+.
COMISSÕES
Por causa do constante desafio social encarado pela comunidade, comissões como a de Direitos Humanos e Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero, ambas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ajudam a resguardar os direitos trans.
A representante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Anne Caroline, explica que são várias leis e decretos, tantos municipais quanto estaduais, que garantem os direitos. "Existe o Decreto n° 8547/2018 publicado no Diário oficial de Maceió do dia 9 fevereiro que garante o direito ao uso e tratamento pelo nome social de pessoas travestis e transexuais; tem a Lei Municipal nº. 6.413, de 29 de abril de 2015, que determina que pessoas travestis e transexuais podem usar o nome social, segundo sua livre escolha, em todas as unidades integrantes das secretarias municipais e órgãos da administração pública municipal, direta ou indireta; pontua-se também o Decreto Estadual 58.187, de 21 de março de 2018, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais e a Lei n° 4.667/97, que pune a discriminação à livre orientação sexual", esclarece a advogada.
CONSTITUIÇÃO

Antes mesmo dessas leis e decretos, há uma base fundamental de garantias para a comunidade LGBTI+: a Constituição Federal estabelece o direito à autoafirmação, que precede muitas questões, principalmente para trans.
É o que ressalta a Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero, representada pela advogada Raquel Pinto. "A Constituição destaca o direito à autoafirmação que se insere no capítulo dos direitos fundamentais e está diretamente ligada à dignidade da pessoa humana. Esse direito não pode ser restringido, muito menos reprimido ou violado. Portanto, o fato ocorrido com a travesti Lanna Hellen, por exemplo, deve ser repudiado ante a clara ofensa aos princípios existentes na nossa Constituinte".
Ela prossegue. "Quando a gente fala sobre direitos da população LGBTI+, estamos falando basicamente de direitos concedidos na nossa constituição, direitos que estão no capítulo dos direitos fundamentais e estão descritos no Art. 5º da Constituição Federal. Esses direitos vêm há muito tempo e estão todos postos na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, então, não se trata de nada novo".

Raquel defende que o respeito à diversidade sexual é uma das bases democráticas e que é um aspecto social que ainda precisa ser melhor entendido. "Não há democracia sem diversidade, e nós precisamos escutar todas as vozes em pé de igualdade. A OAB, enquanto guardiã da constituição, será sempre intransigente na defesa das minorias. A sociedade precisa reconhecer que somos diversos e, para coexistirmos, precisamos reaprender a viver em comunidade", finaliza.
Uma das mais recentes conquistas LGBTI+ foi a Portaria 202, que instituiu o Pacto Nacional de enfrentamento à violência LGBTfóbica. Ela regulamentou o Decreto Federal 9.122, de agosto de 2017, que levou em consideração as recomendações do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.