Uma das principais empresas financeiras do governo de Alagoas, a Desenvolve, criada para apoiar os micros e pequenos empreendedores, faz parte do projeto político do governador Renan Filho (MDB) para acomodar os aliados e evitar debandadas da base de apoio. Porém, os últimos indicados para o órgão enfrentaram problemas com o Banco Central do Brasil (BC), com a Justiça de Alagoas e do Paraná. O ex-presidente da Agência de Fomento, o antropólogo Jorge Vieira, por exemplo, teve o nome dele rejeitado pelo BC. O atual, José Humberto Maurício de Lira, enfrenta processos na Justiça de Alagoas e do Paraná, nas Fazendas Públicas Estadual e Nacional e acumula também a função de liquidante do Banco do Estado de Alagoas - o antigo Produban. O Banco Central, através de resolução, exige dos indicados intimidade e competência com gestão financeira e ser "ficha limpa".
A Desenvolve é agência de fomento de capital misto do governo estadual e vinculada à Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), também já esteve ligada à Secretaria de Planejamento (Sepland) e monitorada pelo Banco Central do Brasil. Para ser presidente da instituição, não basta apenas a indicação do governador. É preciso ter o aval do Banco Central. O presidente José Humberto Maurício de Lira poderá ter problemas para permanecer no cargo. Ele será investigado pela Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), para identificar o grau de envolvimento dele com dívidas que passam de R$ 4 milhões nas Fazendas Públicas nacional e estadual e de condomínio de imóvel no Estado do Paraná, que passa de R$ 90 mil.
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Para complicar a situação do titular da Desenvolve, a resolução nº 4.122, de agosto de 2012, em seus artigos 1º e 2º, veda a posse e o exercício de cargos de presidente em órgãos estatutários ou contratuais de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, a pessoa não habilitada ou que responda por protestos de títulos, cobranças judiciais, emissão de cheques sem fundo, inadimplência de obrigações e outras ocorrências ou circunstâncias análogas. O presidente da Desenvolve não pode também estar declarado falido ou insolvente, observa uma fonte do mercado financeiro, e atesta a Resolução do BC.
Não habilitado
O ex-presidente da instituição, o antropólogo Jorge Vieira, foi indicado para o cargo por Renan Filho (MDB) porque atendia a composição política. Isto ocorreu quando o governador se preparava para disputar a reeleição, no ano passado. Vieira é filiado ao PT, tem trânsito também no PV, além de forte influência em movimentos sociais porque é um antigo militante do movimento indigenista. A indicação dele não passou pelo aval do Banco Central do Brasil.
O antropólogo assumiu o cargo em março do ano passado, mas ficou só até outubro. O nome dele foi rejeitado por não atender a qualificação exigida na resolução 4.122 do BC, ou seja, não tem a formação econômica exigida para o cargo. "Eu presidi a Desenvolve, a representei institucionalmente em órgãos públicos e financeiros. Mas não autorizei liberação e nem movimentação financeira porque aguardava deliberação neste sentido do Banco Central", explicou Jorge Vieira, ao negar ter sido presidente de "fachada" do órgão e confirmar a rejeição do Banco Central do Brasil. Quem ficou responsável pela movimentação financeira na gestão de Vieira foi o diretor administrativo e financeiro da empresa, Flávio Dória, que permanece no cargo.

Justiça
O juiz Sérgio Bernardinetti, da 14ª Vara Civil de Curitiba, enviou para Alagoas a decisão de cumprimento de sentença onde é cobrado de José Humberto a quantia de R$ 94.763,39, referente ao condomínio do Edifício João Gabardo, em Curitiba (PR). Além disso, o nome dele aparece em certidões de dívidas ativas das Fazendas Estadual e Federal e que somam mais de R$ 4 milhões.
No período de 2013 e 2017, José Humberto era sócio de um supermercado na cidade de Penedo. O juiz da 1ª Vara de Penedo, Luciano Américo Galvão Filho, atendendo a cobrança da Fazenda Pública Estadual, condenou o supermercado a pagamento de dívida na ordem de R$ 2.119.047,38. Chama a atenção de membros do Ministério Público Estadual (MP) e do Poder Judiciário que o presidente da Desenvolve deixou a sociedade do supermercado e, em seguida, ficou apto para assumir o posto de liquidante do Banco do Estado de Alagoas - o antigo Produban.
Outro fato que deverá ser analisado pelo MP é que, apesar de ter bens avaliados em R$ 1,5 milhão, como carros e entre outros, ele se declarou "pobre" num dos processos para não pagar as custas advocatícias. O fato chegou a provocar risos em alguns advogados e promotores de Justiça das áreas da Fazenda Pública, Civil e de Direito do Consumidor.
Ao contrário do ex-presidente da Desenvolve, que é jornalista, antropólogo, professor e militante de movimentos sociais, o atual titular da empresa é íntimo do mercado financeiro. O currículo de José Humberto aparece na página da instituição como graduado em Administração de Empresas, FAE, Curitiba. Pós-graduado em Executivo de Finanças, IBMEC. MBA em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria, FGV- Maceió. Com qualificação nas áreas de Gestão Pública e Aspectos Jurídicos da Cobrança, com mais de 39 anos de atuação na área financeira. Aposentado pela Caixa Econômica Federal como diretor, atuou como coordenador do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo orientado - PNMPO no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em Brasília (DF), e é liquidante do Banco do Estado de Alagoas.
Condenações e cobranças contra presidente da Desenvolve serão investigadas

Em documentos expedidos pela Procuradoria Geral do Estado (PGE), o nome do atual presidente da Desenvolve, José Humberto Maurício de Lira, aparece na certidão da Dívida Ativa (nº 0002226-1/2017); também na condenação da 1ª Vara de Penedo em favor da Execução Fiscal (nº0701049-612017.8.02.0049) de R$ 2.119.047,38; entre outros processos, como cobrança de dívida de condomínio em Curitiba, no valor de mais de R$ 94 mil. O procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça, ao visualizar tais documentos com o nome do titular da agência de fomento do estado disse que "o MP abrirá investigação para identificar se há alguma incompatibilidade entre o exercício da função de presidente da Desenvolve e os fatos noticiados em documentos expedidos pela Justiça de Alagoas, Paraná e PGE".
Hoje não é mais preciso haver provocação por pessoas ou instituições para que funcionários públicos em cargos com pré-requisitos sejam investigados. O titular do MP confirmou isto e explicou que "a investigação do Ministério Público será para saber se o exercício do cargo (no caso de presidente da Desenvolve) está sendo ocupado por alguém, supostamente, incompatível com a regulamentação do Banco Central do Brasil".
O procurador-geral de Justiça observa, porém, que, neste momento, vai verificar se existem ou não infringências à resolução do Banco Central. "Esta verificação será de forma bastante objetiva", afirma Alfredo Gaspar de Mendonça.
Banco Central monitora agências de fomento
A maioria dos promotores de Justiça de Alagoas, inclusivem os que atuam na área da Fazenda Pública Estadual, é unânime em afirmar que as instituições financeiras e de fomento, subordinadas de alguma forma ao Banco Central do Brasil, estão sujeitas às regras, regulamentos e resoluções da instituição que controle o sistema financeiro nacional. O envolvimento de gestores dessas instituições com pendências judiciais, como as do presidente da agência de fomento Desenvolve, José Humberto Maurício de Lira, chama a atenção de alguns representantes do MP. Um deles é o professor e ex-procurador geral de Justiça, o promotor Coaracy da Mata Fonseca, que, atualmente, atua na Vara da Fazenda Pública Estadual.
Ao ser questionado se havia impedimento para o titular da Desenvolve ocupar o cargo para o qual foi indicado pelo governo, o promotor de Justiça explicou que a questão pode ser analisada por dois princípios. "Pelo princípio da moralidade, que é extremamente aberto e poderá ficar fechado mediante documentos que apontam débitos com a Fazenda Pública, condenações judiciais, cobranças, entre outros que mostram que o cidadão aparece como descumpridor das normas previstas pelo Banco central do Brasil". Salientou, porém, que alguns documentos apontam para condenação de primeira instância.
Alertou também que existe uma resolução do Banco Central do Brasil que dispõe de requisitos para quem vai ocupar determinadas funções em instituições financeiras reguladas pelo próprio BC, como, por exemplo , a agência de fomento do estado. Porém, ressalta que é preciso observar se a Desenvolve se enquadra nas orientações do BC. "Em caso positivo, a instituição deve obedecer a resolução do Banco Central do Brasil".
Se houver contra-argumentação de que a Resolução do BC não é aplicável à instituição, que é ligada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur), o procurador Coaracy Fonseca destacou que cabe ao Ministério Público Estadual questionar o funcionamento da instituição e os instrumentos de regulamentação em vigor.
"Pobreza"
Em um dos processos que tramita na justiça, o presidente da Desenvolve anexou "Declaração de Insuficiência de Recursos" (comumente conhecido como 'atestado de pobreza') com o objetivo de não pagar as custas processuais, em caso de condenação. O documento é assinado pelo próprio José Humberto. O promotor de Justiça estranhou o recurso, já que as declarações de "pobreza" atestam que o declarante não possui bens e não tem condições de bancar as custas. "O presidente da Desenvolve é liquidante do Produban, atua como funcionário público, tem um determinado padrão diferente de uma pessoa pobre", frisou Coaracy Fonseca.
O representante do MP explicou também que a Defensoria Pública Estadual (órgão do estado que dispõe de advogados para atender pessoas pobres) tem regras próprias, inclusive para atuar com declarações de pobreza. Ao ver a declaração do presidente da Desenvolve, ele considerou que "esta aqui [a declaração de insuficiência de recursos] está totalmente fora de qualquer regramento. Neste caso específico não existe dúvida de que o declarante está fora do serviço da Defensoria".
O professor Coaracy Fonseca ensina que, como o processo se trata de uma pessoa com recursos, não caberia anexar a declaração nos autos do processo. "Todo esse conjunto de fatores pode ser investigado sim, pelo Ministério Público. Existe uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito da declaração de insuficiência de recursos no âmbito da Defensoria Pública, que difere totalmente do caso em pauta".
Como o cargo de diretor da Desenvolve se trata de ato do governador, ele deverá ser analisado pelo procurador-geral de Justiça, no caso, Alfredo Gaspar de Mendonça. Do contrário, se o ato for da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo ou de outras pastas do Executivo, a demanda será avaliada por um dos procuradores da Fazenda Estadual. Isto também será analisado pelo procurador-chefe do MP.

O que é a agência de fomento
A Desenvolve é a Agência de Fomento de Alagoas. A empresa de economia mista está ligada ao governo do Estado, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo. A pasta já esteve subordinada à Secretaria de Planejamento. Criada pela lei estadual nº 6.488, de 16 de junho de 2006, consta em sua página que, até 2015, beneficiou mais de 10 mil alagoanos com microcréditos que somam mais de R$ 20 milhões. Seu objetivo é torna-se uma agência sustentável, formuladora de políticas públicas e parceira na construção de soluções de desenvolvimento.
A empresa é supervisionada e regulada pelo Banco Central do Brasil. Suas ações estão voltadas para a promoção do desenvolvimento, com forte ênfase nas camadas mais pobres da sociedade, a chamada base da pirâmide. Tem característica que a diferencia das demais agências de fomento do país, porque não objetiva ser apenas voltada para o crédito, mas visa montar estratégias de desenvolvimento para projetos que tenham a função de formalizar e organizar os pequenos e médios empreendedores, para a geração de emprego, renda e promover a sustentabilidade.
A atuação da Agência de Fomento é baseada na preparação das empresas e organizações produtivas para que possam acessar o mercado de maneira planejada, adequação de seus produtos à legislação, organização interna e de maneira sustentável. A empresa trabalha em parceria com organismos internacionais, como a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID), o Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID/Fumin), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e outras entidades internacionais e nacionais, como o Banco Mundial, OCB, Sebrae e BNDES.
Na quinta-feira passada (29), a Gazeta tentou obter mais informações a respeito da Agência de Fomento. A assessoria de comunicação do órgão informou o seguinte: "Boa tarde, Arnaldo! Respondendo à sua solicitação quanto ao agendamento de uma entrevista com o presidente da Desenvolve, recebemos da Secretaria de Comunicação do Estado de Alagoas a orientação para que não concedamos entrevista e nem encaminhemos release no momento".
Antes da proibição da Secom, a nossa reportagem foi informada pela assessoria que o presidente da instituição, José Humberto Maurício de Lira, estava viajando e, só quando retornasse, concederia entrevista.
Regulamento do BC impõe regras duras para comandar a Desenvolve
De acordo com o anexo II da Resolução do Banco Central do Brasil nº 4. 122, de 2 de agosto de 2012, em seu artigo 2º, onde define que "são condições para o exercício referido no artigo 1º, além de outras exigidas pela legislação e pela regulamentação em vigor", para o exercício do cargo de presidente da Desenvolve é necessário: "I - ter reputação ilibada; II - ser residente no País, nos casos de diretor de sócio-administrador e de conselho fiscal; III - não estar impedido por lei especial, nem condenado por crimes falimentar, de sonegação fiscal, de preservação; de corrupção ativa ou passiva, de concussão, de peculato, contra a economia popular, a fé pública, a propriedade ou o Sistema Financeiro Nacional, ou condenado a pena criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos".
De acordo com a Resolução do BC, o gestor de instituição financeira não pode responder, nem qualquer empresa da qual seja controlador ou administrador, a protesto de títulos, cobranças judiciais, emissão de cheques sem fundos, inadimplemento de obrigações ou circunstância análogas; não estar declarado falido ou insolvente.
Impeditivos
O titular da Desenvolve ficou sócio do supermercado em Penedo de 2013 a 2017 e a referida empresa não possui certidão negativa na Receita Federal, indo ele de encontro com o inciso V do artigo 2º da Resolução 4122/2012 do Banco Central. Além disso responde processo de Execução Fiscal na Justiça Federal, responde a processo de Execução Fiscal na Justiça Estadual de Alagoas orçado em R$ 2.119.047,38.
Ele deixou o supermercado em 2017. A empresa hoje aparece como uma das mais endividadas (deve cerca de R$ 4 milhões executados pelas Fazendas Estadual e Nacional). A estratégia foi para ficar "apto" para assumir a função de liquidante do Banco do Estado de Alagoas - antigo Produban.
A última certidão que saiu da empresa positiva com efeito negativo foi em 4 de março de 2013. Desta data até hoje não foi emitida certidão e os débitos com a Receita Federal totalizam hoje R$ 1.825.592,99. Estes somam débitos previdenciários e não previdenciários. O presidente da Desenvolve José Humberto Maurício de Lira deixou a sociedade do supermercado em 27 de outubro de 2017, respondendo assim pelo débito ou parte deles.
A Execução Fiscal na Justiça Federal consta no processo nº 0810721-28.2018, que tramita na 5ª Vara Federal Exequente da Fazenda Nacional. Já a Execução Fiscal tramita na Justiça Estadual de Alagoas sob o número 0701049-61.2017.08.020049.
Para complicar ainda mais a pessoa física, José Humberto Maurício de Lira tem a certidão da Fazenda Estadual positiva, o que vai de encontro ao inciso V do artigo 2º da Resolução do Banco Central do Brasil. Fato que gera impeditivo legal para ocupar o cargo de presidente da Desenvolve.
Consta também na lista de devedores da Fazenda Estadual que um estabelecimento - um armazém, aberto em 2012 e com capital social de R$ 40 mil onde José Humberto aparece como sócio - também não tem CND da Receita Federal e acumula débito de R$ 292.719,88 com a Fazenda Nacional. O débito é outro fato que o impede de exercer o cargo. Sem contar com a execução Cível na Justiça do Pará, conforme consta no processo ativo com penhora nº 0000578-47.1997.8.16.0001 - Pessoa Física.