"Minha história de violência começou aos 12 anos. A opção dos meus pais para eu continuar os estudos foi me colocar no internato na cidade vizinha. Em um dos eventos do colégio, eu fui arrastada para o banheiro masculino e estuprada, fui discriminada na cidade em que eu vivia e minhas amigas foram obrigadas a se afastar de mim", desabafou a jornalista Dulce Melo.
Depois de casada, a violência continuou na vida de Dulce Melo. Alguns anos depois da união com o atual ex-marido, eles passaram a ter uma relação difícil e ele tornou-se agressivo. "À noite, ele chegava embriagado, me acordava e me obrigava a ter relações sexuais, sob ameaça de morte. Eu cheguei a esconder os objetos cortantes da casa com medo dele me matar. Quando ouvia o barulho do carro chegando, tremia", afirmou a jornalista.
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Dulce desenvolveu síndrome do pânico e resolveu procurar ajuda quando sua vizinha decidiu se mudar porque temia vê-la morta. "Foi quando criei coragem e fui até a Delegacia da Mulher e denunciei. O juiz Paulo Zacarias assinou uma liminar que determinava que ele deveria ficar a 100 metros de distância de mim", relata, destacando que, com o trauma, passou a não conseguir exercer a contento a profissão e chegou a agredir um acusado de estupro.
O caso relatado acima é apenas um ocorrido no estado. Mas todos os dias surgem novos casos. Para se ter uma ideia, somente nos primeiros dois meses deste ano, a média de denúncias de violência contra a mulher recebida pelas polícias é de duas por dia. Foram mais de 160 casos de violência doméstica nesse período.
Mais impressionantes que os números, são as histórias das mulheres que são violentadas por seus companheiros e familiares, dentro de casa. Um caso que chocou a cidade de Viçosa, no interior de Alagoas, foi o assassinato da professora Angélica Ventura, no início deste mês de março. Ela foi morta a facadas pelo próprio marido, que está foragido. O motivo do crime? Ciúmes.
O que acontece com o agressor?
Em apenas uma semana, mais de 160 audiências relacionadas a violência contra a mulher foram realizadas no juizado no Centro de Maceió. AGazetawebacompanhou uma manhã de trabalho no juizado e conferiu de perto o processo em que a mulher fica cara a cara com o próprio agressor. Muitas vezes, ela comparece à audiência para dizer que tudo já está bem e que as agressões sofridas foram perdoadas. Em outros casos, no entanto, a mulher vítima de agressão se mantém firme e quer levar o processo até o fim.

De acordo com o juiz Paulo Zacarias, os processos envolvem, em sua maioria, lesão corporal e ameaça. "As mulheres estão mais encorajadas a continuar com o processo, a procurar a delegacia da mulher e a prestar as queixas", afirmou o juiz.
Entre as histórias conferidas de perto pela reportagem, está a de Paula Lima (nome fictício), administradora de empresas que foi agredida e ameaçada várias vezes pelo ex-marido. A gota d'água foi quando ela teve a casa invadida por ele.
"Quando comecei a ler as cartilhas disponibilizadas pelo juizado, percebi que a violência não era somente a física e sim, a emocional, percebi que fui violentada fisicamente", pontuou. Ela prestou a denúncia logo após ter a casa invadida pelo ex-companheiro, ser agredida e ameaçada.
Paula é uma das poucas mulheres que pretendem continuar com a denúncia, já que na maioria dos casos, as mulheres chegam querendo retirar a queixa, por medo, falta de punição ou pelos filhos. Ainda segundo o juiz Paulo Zacarias, a mulher que foi agredida não pode retirar a denúncia, "Crime de lesão corporal no âmbito doméstico, regido pela Lei Maria da Penha, é de ação pública incondicionada e não há como a vítima voltar atrás", destaca.
Medidas protetivas
Na primeira quinzena de março, a Secretaria da Mulher do Estado de Alagoas lançou o Patrulha Maria da Penha, que já acontece em alguns estados brasileiros, com o objetivo de acabar com a impunidade. Está previsto que o grupo faça visitas, acompanhe as medidas preventivas e faça visitas periódicas. Se flagrar descumprimento das regras, vai cobrar que o Juizado específico tome medidas mais enérgicas.
Segundo a superintendente da Secretaria Estadual da Mulher e dos Direitos Humanos, Anne Caroline, o órgão desenvolve, periodicamente, campanhas de incentivo à denúncia, faz campanhas contra a cultura machista e a naturalização de jargões como "Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". "Nosso trabalho é dizer não. Em briga de marido e mulher se mete sim. Pra gente, é fantástico o número de denúncias aumentar para quebrar o ciclo de violência e, caso possível, evitar o feminicídio".

Como denunciar?
A denúncia de violência doméstica pode ser feita em qualquer delegacia, com o registro de um boletim de ocorrência, ou pela Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180). A denúncia é anônima e gratuita, disponível 24 horas, em todo o país. Em Maceió, a Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Mulher 1 (DEDDM1), localizada na Rua Boa Vista, número 443, no Centro de Maceió, e coordenada pela delegada Paula Mercês, abrange toda parte baixa da cidade (Ponta Verde, Jatiúca, Mangabeiras, Vergel do Lago, Cambona, Farol, dentre outros), e atende as ocorrências policiais somente até a Avenida Rotary.
Já as mulheres que moram a partir da Avenida Rotary precisam procurar a Delegacia de Defesa da Mulher 2 (DEDDM2), localizada na Rua Antonio de Souza Braga, número 270, no Salvador Lyra, para registrar as ocorrências.