Não é exagero afirmar que o Líbano, onde ocorreu nesta terça-feira (4) uma imensa explosão de causa ainda desconhecida, está imerso numa catástrofe econômica, resultado da convergência de má administração, corrupção e instabilidade política. Desde outubro, a lira desvalorizou 80%, provocando cenas de fome e desespero até então raras num país que até a década passada era considerado um oásis de prosperidade no Oriente Médio.
Produtos básicos sumiram das prateleiras e ressaltaram imagens de pessoas revirando o lixo em busca de alimentos. A pobreza é uma realidade nova para os libaneses: no início do ano, a previsão do Banco Mundial era de que pelo menos 50% da população ficariam pobres. O dólar sumiu do mercado negro; pensões, aposentadorias e poupanças derreteram. O sistema bancário paralisou.
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A devastação, que analistas comparam à hiperinflação e ao desabastecimento registrados na Venezuela, faz com que o número de suicídios, relacionados à crise econômica, venha aumentando e causando comoção no país. Recentemente, um homem que se matou no centro de Beirute deixou um bilhete com os dizeres: "Eu não sou um herege, mas a fome é uma heresia."
Na crise econômica mais severa desde o fim da guerra civil que arrasou o país de 1975 a 1990, falta eletricidade na maior parte do país. Os libaneses têm acesso à luz elétrica duas ou três horas por dia.
"Escrevo guiado apenas pela luz da tela e por uma vela, a falta de energia tem sido constante", descreveu o escritor Naji Bakhti em artigo publicado pelo jornal britânico "The Guardian".
Nesse contexto de recessão econômica desde 2019, a pandemia do novo coronavírus apenas mascarou o caos. O Líbano registrou 5 mil casos e 62 mortes. Com o fim da quarentena, novos protestos voltaram a refletir o país em frangalhos, com cortes salariais e demissões.
No ano passado, a onda de descontentamento levou à demissão do primeiro-ministro Saad Hariri, apoiado pelo Ocidente, e a sua substituição pelo acadêmico Hassan Diab, indicado pelas maiores facções muçulmanas xiitas, Hezbollah e Amal, e pelo Movimento Patriótico Livre (FPM), do presidente maronita, Michel Aoun.
A gota d?água para o fim do governo de unidade foi a proposta de novos impostos sobre cigarro, gasolina e de chamadas de voz pelo Whatsapp. O governo foi obrigado a recuar. Já no cargo, o premiê Diab iniciou as negociações com o FMI para o empréstimo de US$ 10 bilhões, mas elas foram suspensas.
Dois membros da equipe do governo renunciaram, aparentemente descontentes com a falta de compromisso do governo com as reformas exigidas pela instituição. Não por acaso, o chanceler Nassif Hitti deixou o cargo nesta segunda-feira com a seguinte advertência: o Líbano está seriamente ameaçado de tornar-se um Estado falido.