Enclaves espanhóis cobiçados pelo Marrocos, as cidades portuárias de Ceuta e Melilla configuram as únicas fronteiras terrestres entre a União Europeia e a África, muito procuradas como rota de imigração. Oito mil pessoas -- que equivalem a 10% da população de Ceuta -- alcançaram num só dia, duas de suas praias, desencadeando a mais grave crise diplomática das últimas duas décadas entre Espanha e Marrocos.
Aparentemente, autoridades marroquinas fizeram vista grossa ao fluxo de migrantes e permitiram que eles cruzassem a fronteira em direção a Ceuta. Seria uma retaliação ao fato de a Espanha ter permitido que o líder da Frente Polisário, Brahim Gali, fosse hospitalizado secretamente no país, em abril, para tratamento da Covid-19.
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Considerado grupo terrorista por Rabat, o movimento revolucionário defende o direito à autodeterminação do Saara Ocidental, colonizado pela Espanha e anexado, em 1975, pelo Marrocos. Acertado pela ONU, o referendo pela soberania na região de 270 mil quilômetros quadrados, nunca foi realizado. Em novembro passado, depois de um longo período de trégua, as hostilidades recomeçaram, e Gali declarou estado de guerra na região.
A embaixadora marroquina Karima Benyaich confirmou o incômodo originado pela internação do líder da Frente Polisário, de 73 anos: “Existem atos que têm consequências e devem ser presumidos.” Logo depois, ela foi chamada de volta ao Marrocos, o que na linguagem diplomática equivale a um sinal de descontentamento.
Diante da maré humana que desembarcou em Ceuta, a Espanha enviou o Exército para apoiar a Guarda Civil e repatriou a metade dos refugiados, a toque de caixa, sem atender aos trâmites burocráticos. Ainda é incerto o destino de 1.500 crianças e menores de idade que estavam entre os grupos que chegaram a nado ou a pé.
A avalanche de imigrantes na segunda-feira -- a maioria formada por marroquinos -- foi superior à cifra dos que chegaram à Espanha no período de um ano. Somente depois do caos instaurado nas praias de Ceuta, as autoridades marroquinas fecharam as fronteiras e interromperam o êxodo de pessoas para o território espanhol.
Com 18 quilômetros quadrados, Ceuta desemboca no Estreito do Gibraltar. Melilla, com 200 quilômetros quadrados, fica a leste da costa mediterrânea do Marrocos. Os enclaves foram conquistados pelos reis católicos espanhóis a partir do fim do século XV. Tornaram-se alvo de tensão entre Espanha e Marrocos, por integrarem geograficamente o país africano.
Desde a década de 1990, estas minúsculas cidades têm autonomia semelhante a outras da Espanha e registram as maiores taxas de desemprego do país. Protegidas por cercas fortificadas de arame farpado, com seis metros de altura, funcionam como um ímã para imigrantes.
As cenas dramáticas protagonizadas pelos que se arriscam a escalá-las geralmente passam despercebidas. Mas não quando uma maré de 8 mil refugiados consegue alcançar, de uma só vez, o solo europeu.