Implantada pouco acima do nível do mar, Maceió tinha três edificações, entre elas uma capela. Jaraguá, por sua vez, está mais próxima das águas da enseada e já conta com seis casas de telha e dez de palha dispostas de maneira dispersas.
O que se tornaria Maceió, que completa 209 anos hoje (5), precede a data que conhecemos como a de sua fundação, em 1815, quando se separou da Vila de Alagoas (atualmente Marechal Deodoro). A elevação à condição de cidade aconteceu em 9 de dezembro de 1939, especialmente por conta do porto de Jaraguá.
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É por conta disso que a descoberta de uma carta náutica de 1757, no Arquivo Ultramarino, em Lisboa (Portugal), confere à capital alagoana uma segunda certidão de nascimento, por assim dizer. O título é “Planta e explicação daz enciadaz de Iaragôa e Pajusara”.
É uma gênese construída com recursos pictóricos, como desenhos, texturas e cores. O cartucho tem palavras conferindo explicações. É um guia para os navegantes vindo pela costa norte do Brasil em busca da enseada de Jaraguá e da Barra das Alagoas, um caminho hídrico para a vila de Alagoas, centro do poder administrativo da comarca situada na parte sul da capitania de Pernambuco.
A responsável por este reencontro de Maceió com parte de sua história desconhecida é a arquiteta Maria Verônica da Silva, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Ela tem a companhia das também professoras Cynthia Nunes da Rocha Fortes e Josemary Omena Passos Ferrare em artigo assinado em 2017. A primeira apresentação do mapa descoberto aconteceu na Gazeta de Alagoas, em 2002, em matéria assinada por Enio Lins sob o título “Maceió, vista de 1757”.
Conforme o artigo das professoras, a descoberta emociona, já que os pesquisadores estão acostumados com a ausência de imagens da Maceió colonial.
“Vale ressaltar que, apesar da ascendência política e econômica de Alagoas em pleno século XVIII como comarca da parte sul da Capitania de Pernambuco, o detalhamento cartográfico focaliza bem intensamente a nascente povoação de Maceió e seu porto”, pontuam.
Trecho da reportagem da Gazeta explica que os primeiros registros da cidade datavam do século 19, tendo como documentos referenciais a escritura de doação de terras a Manoel Antônio Duro (1611) e os registros sobre o patrimônio de Apolinário Fernandes Padilha, que em 1762 doa terrenos e edifica a capela de Nossa Senhora dos Prazeres.
O roteiro detalhado orienta os navegantes com segurança pelos meandros e arrecifes até as enseadas de Pajuçara e Jaraguá, evidenciando a predominância de Jaraguá. Isso se deve não apenas ao texto que descreve as condições e os trajetos para chegar à enseada com segurança, mas também ao registro do aglomerado urbano que a circunda. A segunda concentração de casas, menor, está situada em torno de uma capela, onde hoje se encontra a Praça Dom Pedro II.
O significado geográfico da palavra "Maceió" é "lagoeiro", referindo-se a uma área costeira formada pelas águas do mar durante grandes marés e também pelas águas da chuva (Aurélio Buarque de Holanda).
Na pesquisa, as professoras encontraram, no século XVIII, poucos exemplos que contemplam a parte meridional da capitania de Pernambuco.
Um dos mapas, intitulado “Carta topográfica onde se compreendem de que se compõe e apresenta ao governo de Pernambuco, oferecida ao Ilmo. e Exmo. Sr. Francisco Xavier de Mello Furtado, ao conselho de S. Maj. e Fidelíssima, ministro e secretário de estado da marinha e conquistas”, datado de 1766, não menciona Maceió; registra apenas a presença das vilas de Atalaia e Alagoas.
O mesmo ocorre no “Mapa tipográfico dos portos e Costa da Bahia de Todos os Santos, Olinda e Pernambuco”, de Nicolau Martinho, produzido em Lisboa em 1776. Este é um dos raros exemplares do século XVIII e também não apresenta o topônimo Maceió, além de não incluir representação gráfica de qualquer elemento edificado
“Em uma cópia manuscrita de 1874, que é um original sem data do “Mappa geográfico da capital da província de Pernambuco até o rio de São Francisco”, dado pelo Senhor José de Mendonça de Mattos Moreira, encontramos o topônimo “Maçaió”. Este mapa indica as matas que podem servir para a construção da marinha de guerra e mercantil, além dos terrenos próprios à agricultura”, afirma o artigo.
A referência a “Maçaió” se torna importante, continuam, porque acreditam que a versão original foi feita muitos anos antes da data de sua impressão, possivelmente em 1797.
“Esse ano marca a criação da Superintendência das Matas nas Alagoas, cujo cargo de Juiz Conservador das Matas foi ocupado pelo mesmo José de Mendonça de Mattos Moreira, que era Ouvidor-Geral da Comarca das Alagoas desde 1779 e autor desse mapa”, complementam.
A cartografia histórica estudada contemplava isoladamente, a representação das localidades de Jaraguá (1803) e Maceió (1820) — reconstituição da planta de José da Silva Pinto a partir de cópia feita por Carlos de Mornay em 1841.
“A planta-certidão de nascimento apresenta esses núcleos em continuidade, quase meio século antes, e marca uma nova visão que explicita uma trama única. Nela, pode-se observar a vinculação entre Jaraguá e Maceió, confirmando a alternativa sobre o surgimento simultâneo das duas localidades”, concluem as professoras.