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Mulheres comemoram sanção de Lei que assegura integridade a vítimas em processos por crimes sexuais

Advogadas defendem medidas associadas para promover mudanças estruturais que garantam equidade ao sistema de Justiça

Em 2020, a divulgação de imagens de uma audiência virtual chamou atenção pela superexposição a que foi submetida, pelo advogado do acusado de estupro de vulnerável, a modelo Mariana Ferrer. Na ocasião, foram expostas imagens desvinculadas do contexto da audiência para tentar atribuir culpa à modelo pelo crime em que figurava como vítima. Um ano depois, foi sancionada, na última segunda-feira (22), a Lei que leva o nome da modelo e assegura proteção à integridade física e psicológica às partes no curso de um julgamento por crime sexual.

A sanção da lei foi recebida com aplausos por mulheres que passaram por situações de revitimização e por advogadas que defendem a aplicação de mecanismos práticos associados à Lei para a efetivação de mudanças estruturais no sistema de Justiça.

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De autoria da deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), com relatoria da senadora Simone Tebet (PMDB-MT), o PL 5.096/2020 foi apresentado à Câmara dos Deputados em novembro do ano passado e aprovado pelo Senado no último dia 27 de outubro. A Lei, que promove alterações an Código Penal e no Código de Processo Penal, foi proposta em reação à conduta do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho durante a audiência que resultou na absolvição do acusado.

Para a advogada Anne Caroline Fidélis, que é ex-superintendente de Políticas para as Mulheres em Alagoas, a Lei Mariana Ferrer valida o direito à dignidade de vítimas de crimes sexuais, comumente desrespeitadas, revitimizadas e expostas a julgamento machista.

“A Lei traz a possibilidade de efetividade da Justiça por meio da superação de desigualdades de gênero que muitas vezes se expressam no Judiciário ao longo das instruções processuais, revitimizando mulheres, colocando-as no lugar de rés ao invés de vítimas, ainda que sejam indiscutivelmente as vítimas do crime”, comenta.

Segundo a advogada, a prática não é incomum. “O sistema de justiça é formado por pessoas e pessoas ainda são reprodutoras de machismos e violências de gênero, ainda que ocupem posições importantes nas estruturas jurídicas”, informa Anne Caroline.

Que o diga a universitária Janiele Rocha, de 25 anos, que após ter sido abusada enquanto dormia, ouviu da juíza, durante o julgamento, que o ato, tipificado como estupro, seria manifestação de amor.

“Esta Lei pode mudar, mesmo que pouco, as abordagens errôneas que estes fazem contra as vítimas. Eu pude sentir na pele e no psicológico o quanto essas abordagens grotescas podem fazer mal e causar danos muitas vezes irreversíveis para nós. Na primeira audiência que daria continuidade ao meu caso, a juíza fez a insinuação de que o acusado teria tocado no meu corpo enquanto eu estava dormindo porque ele estaria apaixonado por mim. Ela me fez esta pergunta que, para uma mulher com o psicológico mais abalado poderia causar mais danos, como causou em mim. Justificar um crime cometido como forma de ‘amor’ foi de longe a pior frase que ela poderia falar aquele dia’, lamenta.

A insinuação, feita para atenuar a culpa do réu, não foi o único excesso de que foi vítima Janiele, no curso do processo. “Tive o advogado fazendo insinuações de que eu poderia dizer quanto em dinheiro eu queria para que o caso fosse fechado e encerrado. Então, acredito que esta Lei pode contribuir para que estas situações diminuam e principalmente, que elas não aconteçam mais e que as vítimas sintam mais conforto e segurança para fazerem denúncias e estarem nas audiências”, defende a estudante.

A advogada Anne Caroline concorda com a relevância da Lei e a considera fundamental para assegurar direitos e garantias. “Ainda que não seja um instrumento de mudança que solitariamente resolva o problema, é um meio importante e estratégico de visibilização, reflexão e punição”, comenta.

No entanto, defende a necessidade de instrumentos educativos associados para mudar práticas enraizadas não apenas no Judiciário, mas em toda a sociedade. “Só a lei não basta. É fundamental que a lei esteja associada a medidas internas no Judiciário e outros entes associados, assim como que existam políticas públicas de conscientização social acerca dos malefícios do machismo e da violência de gênero”, propõe.

Advogada e presidente do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM), Paula Lopes acrescenta que além das leis e de práticas educativas, é necessário fortalecer mecanismos de proteção. “Nossa esperança de mudança está justamente na educação e na reeducação através da Lei e de políticas públicas que garantam apoio às vítimas, lei para coibir o agressor, reeducação para que não se repita e educação para que não mais exista”, reflete.

Tais medidas, explicam as advogadas, têm a finalidade de prevenir a revitimização secundária das mulheres vítimas de crimes sexuais, que são expostas, por práticas inadequadas de condução processual, a tipos diversos de violências institucionais quando em busca de reparação.

Imagem ilustrativa da imagem Mulheres comemoram sanção de Lei que assegura integridade a vítimas em processos por crimes sexuais

O caso Mariana Ferrer, conhecido por ter evidenciado a revitimização sofrida pela vítima de crime sexual durante a audiência, só evidencia um quadro antigo, cultural e machista que pinta as mulheres vítimas de violência sexual como culpadas pela própria violência sofrida. Não faz tanto tempo (apenas em 2018) que condutas como ‘passar a mão, beijo forçado e condutas veementes de toque e lascívia’ foram descritos pelo legislador como estupro”, explica Paula Lopes.

Cansei de ver e ouvir mulheres chorando porque foram vítimas de algum tipo de assédio e importunação, tiveram seus corpos violados de alguma forma e sua integridade física afetada, e não foram contempladas pela justiça por falta de provas, pela conduta ‘ilibada’ social do acusado, pela prescrição do juizado (de apenas 2 anos para crimes de menor potencial), ou pela própria desistência porque não é fácil encarar um processo assim”, destaca a advogada.

É assim que se sente a esteticista Tánia Lessa, de 35 anos. “Eu fui vítima de violência sexual e levei a queixa adiante, pra que o processo criminal fosse instaurado. O abusador foi um médico (ortopedista) renomado. Durante o abuso ele deixou provas do crime, mas as provas não foram coletadas no exame do IML.

O médico tentou me intimidar, pessoas que trabalhavam no local onde eu fui atendida por ele questionaram indiretamente a minha reputação, por ele ser uma pessoa ‘idônea’. Após quase 7 anos, da data do fato, aconteceu finalmente a audiência para o julgamento do acusado. No processo e na audiência eu senti como se eu estivesse sendo julgada. As perguntas eram no sentido de desmerecer a minha pessoa. O objetivo era encontrar algo que pudesse colocar minha honra abaixo da dele. Como se ele fosse superior, ou mais importante do que eu”.

Além de eventual constrangimento e violência psicológica, enumera a advogada Anne Caroline, durante a tramitação de demandas judiciais, são observadas outras práticas que submetem as mulheres a situações de violência psicológica.

A morosidade, ainda que sejam demandas voltadas às necessidades básicas das mulheres e seus filhos; a revitimização de vítimas de crimes que acabam sendo obrigadas a se deparar com o agressor ou contar a mesma história que lhe fere várias vezes; ter seus relatos sempre questionados; ouvir frases que questionam em que medida elas mesmas provocaram sua vitimização, entre outros absurdos decorrentes das estruturas machistas”, pontua Anne Caroline Fidélis.

Questionada sobre a necessidade de criação de uma lei para assegurar o que, presumivelmente, deveria ser um pressuposto do sistema de garantias legais, a advogada Paula Lopes pontua:

A nova Lei deve existir pelo mesmo motivo que precisamos antes criar uma Lei que coibisse a violência doméstica 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), uma Lei para tipificar a morte de mulheres por ser mulher 13.104/2015 (Lei do feminicídio); uma lei para especificar crimes sexuais 13.718/2018 e tantas outras, que traduzem o que a sociedade, na prática, não está controlando: a liberdade e os direitos dos corpos e da vida das mulheres”, pondera. “Quando nós, mulheres, vemos, no caso Mari Ferrer, o ‘suposto’ estuprador ser absolvido, todas nós perdemos junto a ela, pois existe uma violência simbólica e estrutural por trás dessa decisão que diz em nosso subconsciente: ‘a vítima foi exposta e não teve direitos garantidos’. Essa decisão é uma lição machista que não queremos mais ouvir!”, pontua Paula Lopes.

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