
Os rios que cortam os municípios de Alagoas estão sofrendo com o descaso e a falta de iniciativas que possam salvar o que ainda resta de vida em suas águas e no entorno delas. Apesar de visivelmente degradados, é a partir da análise das águas que se pode constatar, de fato, o nível de contaminação e os perigos aos quais as pessoas que utilizam desses recursos hídricos estão expostas.
E um trabalho realizado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal), coordenado pelo professor Emerson Soares, do Centro de Ciências Agrárias (Ceca), vem fazendo o monitoramento das águas de alguns rios desde 2018. A situação é bastante preocupante. No Rio Traipu, em especial, as últimas análises realizadas detectaram a presença de metais pesados em quantidades muito acima do normal.
Leia também
São zinco, manganês, cobre e ferro que podem afetar diretamente a vida dos ribeirinhos que vivem às margens do Rio São Francisco, considerando que o Traipu é um afluente temporário do Velho Chico.
A primeira análise foi realizada há sete anos, na foz de vários rios, como o Ipanema, o Capiá e o Traipu. Em 2021, observou-se uma pequena elevação da quantidade de metais no Traipu. Mas foi em 2022 que a situação chamou mais atenção. Nesse ano, foram feitas duas coletas, sendo uma no mês de julho e outra em novembro, quando acontece a Expedição do São Francisco.
Em 2023, os níveis elevados de metais e nutrientes continuavam a se sobressair. Nesse período, foi feita uma coleta não só na foz, mas também em cerca de 15 quilômetros rio adentro, e os resultados das análises comprovaram que há algo de anormal acontecendo.
Além da presença dos metais pesados, também averiguamos os níveis de condutividade elétrica, que é quando os teores de sais aumentam. O Rio Traipu apresentou uma anormalidade. Os níveis de condutividade estavam altos e a salinidade também, com grandes quantidades de cálcio, magnésio, potássio, nitrito e nitrato. Precisamos entender o que está acontecendo"
O relatório da situação elaborado por ele traz algumas hipóteses que podem justificar o que tem ocorrido no Rio Traipu. Entre elas, está a possibilidade de que os rejeitos da Mineradora Vale Verde, em atividade no município de Craíbas, no Agreste de Alagoas, estejam sendo despejados no Rio Salgado, que deságua no Rio Traipu. “Se a atividade estiver impactando a região, com os rejeitos caindo no Rio Salgado, eles acabam seguindo para o Rio São Francisco”, diz o professor.
De acordo com ele, não foi feita nenhuma análise nas águas do Rio Salgado para verificação da quantidade de metais. “Para atacar essa hipótese, precisamos fazer um estudo mais aprofundado nos Rios Salgado e Traipu, abrangendo o percurso desde o montante, na região que fica antes da mineradora”, fala.
A reportagem entrou em contato com a Mineração Vale Verde e, por meio de nota, foi informada que o lançamento de efluentes provenientes de sua operação, bem como o processo de descarte dos rejeitos na Barragem Serrote, estão totalmente regularizados, conforme as licenças e outorgas emitidas e fiscalizadas pelos órgãos ambientais.
“Os resultados dos monitoramentos são encaminhados, por conseguinte, aos órgãos ambientais competentes. A MVV tem confiança em suas atividades, não havendo nenhuma irregularidade apontada. A empresa reitera que a segurança é seu principal valor, sempre respeitando o meio ambiente e as comunidades anfitriãs”, diz a nota.
Além desta hipótese ligada à mineradora, outras duas também foram levantadas como possíveis causas do problema: o processo de dissolvição das rochas que compõem o solo na região do Rio Traipu e que acaba lançando nutrientes no ambiente, e o aumento do nível de chuvas na calha desse afluente, de forma que o volume de água sai arrastando tudo o que vê pela frente, inclusive elementos contaminantes existentes no solo e provenientes, por exemplo, do uso de agrotóxicos.
Órgãos de controle foram acionados
Diante da situação encontrada por pesquisadores após análise das águas do Rio Traipu, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU), que são órgãos de controle, foram acionados, e os relatórios com detalhes das análises foram entregues, para que seja avaliado o que pode ser feito. Inicialmente, o objetivo é descobrir o que está ocasionando o problema para que, em seguida, seja buscada uma solução.
“Apresentamos a ideia do que tinha que ser feito e agora estamos na fase de desdobramento. Se os gestores municipais e os órgãos fiscalizadores quiserem um estudo, nós temos como fazer. Mas, por enquanto, apresentamos apenas as nossas ideias”, ressalta o professor Emerson.
Os perigos trazidos pela quantidade elevada de metais pesados e outros elementos na água que é utilizada pela população são muitos e vão desde complicações gastrointestinais, passando por problemas no fígado e até o risco de câncer. Nos municípios do interior do estado, é comum que a população, especialmente da zona rural utilize bastante, para consumo próprio, a água dos rios que cortam as cidades, o que preocupa os especialistas que têm ciência da quantidade de material inadequado - e invisível - presente nesses recursos hídricos.
Para os peixes, a mortandade é certa. No caso do Traipu, o professor Emerson destaca que ele praticamente já não tem vida, considerando que é um rio temporário, que está bastante degradado, e que passa grande parte do ano seco. Mas quando cheio, a água corre diretamente para o São Francisco, um dos mais importantes cursos de água do Brasil. Lá, os peixes estão se contaminando.
Além da grande carga de esgoto despejada diariamente no São Francisco, trazidos pelos afluentes que cortam as municípios, pesquisadores também encontraram, recentemente, 14 tipos de agrotóxicos nessas águas, dos quais três foram classificados como extremamente tóxicos, seis como altamente tóxicos e cinco como moderadamente tóxicos. O artigo que traz essas informações foi publicado recentemente em uma revista internacional.
“Em regra, a água do São Francisco é de ruim a muito ruim. Os níveis de microalgas tóxicas, por exemplo, são altíssimos. Em alguns pontos, chega a ser 100 vezes maior que o permitido pela Legislação. Mas tudo isso varia de acordo com o local e a vazão, e grande parte do rio tem uma condição melhor da água”, destaca Emerson Soares.
Em contato com o MPF, a reportagem foi informada que foram requeridos documentos à Ufal para serem juntados ao processo referente à existência de metais pesados no Rio Traipu, o que, segundo o órgão, ainda não tinha acontecido até a conclusão desta matéria. Além disso, também será realizada uma audiência em Arapiraca, na qual o problema deve ser abordado. Ainda de acordo com o MPF, não há data definida, até o momento, para que a audiência aconteça.