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Como uma empresa britânica sufocou o desenvolvimento de Delmiro Gouveia

Cidade era referência industrial brasileira e exportava tecidos para toda a América Latina

No início do processo de industrialização do Brasil uma cidade do interior de Alagoas sediou um uma das maiores fábricas de linha de costura da América Latina. Criada pelo empresário Delmiro Gouveia, a marca Estrela, contava com uma estrutura industrial inovadora, com fábricas, estrada e até uma usina hidrelétrica para fornecer energia à produção.

Durante o século passado, a Estrela chegou a liderar o mercado brasileiro, o que chamou atenção da concorrente inglesa Machine Cotton, que iniciou uma tentativa exaustiva de boicote à marca. Os empresários ingleses começaram a registrar a marca Estrela nos países vizinhos, o que dificultou a exportação da marca alagoana, e começou a cobrar tarifas, além de pressionar os comerciantes para que não comprassem produtos fabricados no nordeste brasileiro.

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Quando Delmiro Gouveia foi assassinado, em circunstâncias até hoje misteriosas, a Machine Cotton iniciou o processo de destruição da industria da cidade, comprando todo o parque fabril e jogando as máquinas no rio São Francisco.

O boicote acabou regredindo o desenvolvimento industrial em Alagoas, impactando todo o nordeste e preservando a desigualdade social da região.

Para especialistas ouvidos pelo Portal TAB "Esse episódio, simbolicamente, significa a morte das fábricas no interior do Nordeste", disse Edvaldo Nascimento, doutor em história da educação pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

Quem foi Delmiro Gouveia

Considerado um dos principais empreendedores do século 20 no Brasil, Delmiro Gouveia teve uma infância relativamente pobre em Sobral, município do Ceará. Nascido em 1866, perdeu o pai na Guerra do Paraguai e sua mãe, desamparada, mudou-se a Pernambuco.

Lá, casou-se novamente mas faleceu quando Gouveia tinha apenas 15 anos.

O jovem trabalhou em diversos lugares até começar a intermediar o comércio de couro, que vinha do sertão nordestino.

Com os negócios indo bem e tendo proximidade à elite local, Gouveia passou a fechar contratos com o poder público para realizar obras em Pernambuco. Algumas desavenças acerca de contratos, porém, fizeram com que o empresário apoiasse a oposição local. Segundo Edvaldo Nascimento, o empreendedor, então, passou a entrar em confronto com a oligarquia política que comandava Pernambuco na época, simbolizada pelo senador e então vice-presidente da República, Francisco de Assis Rosa e Silva.

A fim de resolver as desavenças, Gouveia vai ao Rio de Janeiro procurar Rosa e Silva, mas, após uma discussão, o empresário agride o político. Com receio das consequências, Delmiro Gouveia se muda para Alagoas, onde contava com o apoio de Euclides Malta -- governador alagoano da época e também opositor do grupo de Rosa e Silva.

O nascimento da indústria nordestina

Delmiro chega a cidade do interior de Alagoas e compra terra para voltar a comercializar couro, mas logo começa a produzir linhas de crochê.

Para abastecer a nova indústria, Gouveia inicia a construção da primeira hidrelétrica do Nordeste, finalizada em 1914. Além da fábrica e da usina de energia elétrica, o industrial também construiu cerca de 520 km de estradas para escoar a produção e uma vila de casas para os cerca de 800 dos 2000 funcionários, com esgoto e luz elétrica. De acordo com o livro "Pioneiros & Empreendedores", de Jacques Marcovitch, a produção da Estrela alcançava 216 mil carretéis ? além de produzir linhas para costura, bordado, crochê e malharia. Médicos, dentistas e professores, contratados pela empresa, davam assistência às famílias dos funcionários na região, comandada a punho de ferro por Gouveia.

Com a Primeira Guerra Mundial, a inglesa Machine Cotton ? que era líder do mercado até então ? perdeu espaço devido às dificuldades enfrentadas no translado das linhas pelos oceanos. A Estrela começou, então, a estabelecer escritórios em diversos países. Assim, tomou boa parte do mercado dos ingleses, principalmente no Brasil e na América Latina como todo.

A ascensão da Estrela, no entanto, incomodou o alto escalão da Machine Cotton, que começou a combater o crescimento da indústria brasileira. A companhia inglesa passou a boicotar comerciantes que comprassem as linhas da Estrela e também derrubou os preços ao limite, afetando a concorrência, praticando dumping. Além disso, a companhia inglesa também registrou o nome Estrela em países como Argentina e Uruguai. A medida obrigou Gouveia a comercializar seus produtos com o nome de Linhas Barrilejo.

Em meio a pressão econômica, os ingleses tentaram, ainda, comprar a fábrica de Delmiro Gouveia por diversas vezes. Uma certo dia, em uma das visitas dos ingleses, o brasileiro teria destratado os executivos da concorrente e dito que seria ele quem compraria a fábrica da Machine Cotton.

Morte de Gouveia e fim da Estrela no Nordeste

Em 1917, com o crescimento da Estrela a todo vapor, Delmiro Gouveia é assassinado a tiros, aos 54 anos. Três pessoas foram presas na época ? e desavenças pessoais, como a perda do emprego por um dos assassinos, foram apontados como os motivos do crime. Dos três presos, dois morreram logo depois, assassinados na prisão. Em 1982, foi pedido a revisão do processo criminal em que o Tribunal de Justiça diz que dois desses autores materiais não tiveram participação no crime. Até hoje, no entanto, historiadores que estudam a vida e obra de Gouveia ainda desconfiam da versão.

"Alguns historiadores defendem a tese que a Machine Cotton estaria por trás da morte, e isso foi difundido no imaginário popular. Uns dizem que as motivações foram conjugais, outras falam sobre conspirações políticas, mas ninguém sabe ao certo", diz Marcovitch.

Após a morte de Gouveia, os filhos passaram a comandar a indústria. Mas, nos bastidores da política, os ingleses também mexeram suas peças no tabuleiro. Com a eleição de Washignton Luís para a presidência alguns anos depois, que comandava uma política liberal, o Brasil passa por uma abertura comercial e acaba cedendo à pressão dos ingleses para abolir tarifas de linhas importadas.

"Com [o presidente] Washington Luiz, o embaixador da Inglaterra da época conseguiu pressionar o presidente a revogar especificamente a taxação sobre linhas importadas. Assim, a Estrela entrou em crise", conta Nascimento. Os filhos acabam por vender a fábrica para outra empresa que, logo depois, repassa a companhia para a Machine Cotton. Os gestores ingleses optam por não produzir mais linhas no interior de Alagoas. O maquinário da indústria é levado até o cânion de Paulo Afonso e jogado nas águas do rio São Francisco, a modo de nunca mais ser utilizado pela indústria local.

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