As pessoas com deficiência no hormônio do crescimento, popularmente conhecida como nanismo, estão inseridas numa condição rara, segundo a endocrinologia. Atualmente, a medicina oferece tratamento para que a deficiência no hormônio possa ser tratada ainda na infância. Porém, há portadores dessa rara condição que atingiram a fase adulta com a ausência do tratamento. E, contrariando percepções, conseguem passar por cima das limitações do dia-a-dia e do preconceito.
Aos 58 anos, Cícero do Nascimento mede 1m20 de altura. Nascido em Porto Calvo, interior de Alagoas, ele se mudou para Maceió aos 18 anos com o objeto de conseguir um emprego. Ele conta que, devido à deficiência, conquistar um trabalho foi sua maior dificuldade durante a vida. "Muitas empresas têm preconceito", afirmou.
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Durante os anos, Cícero também contou que já trabalhou como cobrador de ônibus e que já tentou exercer carreira política. Há seis meses, trabalha como funcionário em uma rede de farmácias da capital e assegura ser respeitado por todos os colegas de trabalho. Com os mais íntimos, ele assume receber piadas devido à baixa estatura, mas afirma que, por se tratarem de brincadeiras respeitosas, consegue recebê-las com tranquilidade e até achá-las engraçadas.
Já sobre as piadas de mau gosto que escutou durante a vida, ele afirma que não guarda mágoas e que, agora, apenas algumas pessoas, geralmente jovens, chegam a comentar algo preconceituoso em direção a ele quando passa na rua.
"Sempre encarei essas piadas com tranquilidade. Nunca me incomodei e até hoje não me incomodo. Na época que tirei minha carteira de habilitação, já chegaram até mim para perguntar se eu havia comprado e respondi, naquele momento, na brincadeira. Há colegas que eu sei que se incomodam e se incomodariam com esse tipo de piada, mas para mim nunca foi um problema", relatou.
Foi há oito anos que Cícero tirou sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Para conseguir o documento, ele conta que preferiu aprender antes a dirigir sozinho e com a ajuda de amigos. Na época, comprou um carro e, posteriormente, teve mais quatro veículos. Os dois últimos adaptados para que ficassem mais confortáveis para ele.
"Quando fiz auto escola, foi exigido a mim alguns documentos que comprovassem a minha deficiência para que eu pudesse utilizar meu veículo nas provas práticas. Quando comprovei, o processo para tirar a CNH foi tranquilo também, mas acredito que as auto escolas e o Detran (Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas) deveriam ter carros preparados para nós", apontou Cícero.
Outras dificuldades que ele revelou ter se deparado durante os anos foram em prateleiras de supermercado, nas quais tem dificuldades de alcançar os produtos, em balcões de algum órgão para assinar documentos e nos caixas eletrônicos dos bancos. Segundo ele, essa última dificuldade é a mais complicada porque sempre necessita da ajuda de um terceiro para conseguir gerenciar sua conta bancária ou sacar dinheiro.
Porém, apesar das dificuldades, Cícero sempre procurou superá-las e ser independente. Para conseguir cozinhar ou lavar louça, por exemplo, ele mesmo construiu um banquinho. E, em seu último carro, ajudou a confeccionar as adaptações.

Em casa, uma residência de cinco cômodos que não é adaptada, ele conta com a companhia de sua filha, uma adolescente de 17 anos. Mas afirma que consegue e prefere fazer tudo sozinho.
Quando perguntado sobre a origem de sua deficiência, Cícero não soube responder e contou que, nos tempos em que morava em Porto Calvo, a realidade era diferente da que vive hoje. Na época, ninguém da sua família tinha o costume de ir a médicos e, consequentemente, nem ele. Quando já estava adulto, não se preocupou em investigar sua deficiência.
Após seu nascimento, sua irmã mais nova também desenvolveu as mesmas características que ele, assim como, anos depois, o filho de um dos seus irmãos, seu sobrinho. Cícero afirma que, até onde conhece a história da família, foi o pioneiro em desenvolver a baixa estatura. E que os três são os únicos que possuem baixa estatura. Sobre a causa da deficiência de seus parentes, ele também não soube responder.
Vaga no mercado de trabalho é difícil
Aos 30 anos, Marielda da Silva também mede 1,20m de altura. Há oito anos, engravidou de seu único filho e, posteriormente, ele também foi detectado como portador da baixa estatura. Mãe e filho são os únicos da família com essa condição. Ainda na infância, Marielda, a mãe e seus dois irmãos se mudaram do interior de Pernambuco para Maceió. Ela contou que a decisão deveu-se ao objetivo da família de conseguir melhores oportunidades na capital de Alagoas.
Na juventude, durante um passeio pelo centro da cidade, Marielda foi abordada e convidada para representar Alagoas através do esporte voltado a deficientes físicos. Com o convite, ela viu uma oportunidade diferente para ingressar no esporte e foi através do arremesso de peso e do lançamento de discos que ela conquistou medalhas em competições em outros estados como Ceará, Paraná e Distrito Federal.
O sonho de conquistar mais medalhas foi interrompido com a descoberta da gravidez e, para ter uma renda fixa, passou a trabalhar com serviços gerais. Assim como Cícero, Marielda afirma que a maior dificuldade em sua vida foi ter uma oportunidade no mercado de trabalho. Longe do esporte, ela encontrou resistência de muitas empresas até conseguir ser contratada.
Fora essa dificuldade, ela conta que não se incomoda com os demais obstáculos durante a vida e afirma que, devido a sua experiência, hoje dá conselhos ao filho para que ele possa superar as dificuldades e o preconceito.
"Quando engravidei, eu pedi a Deus para que meu filho nascesse igual a mim. Eu queria isso porque eu sonho com o dia que ele siga também a carreira do esporte. Quando as pessoas ficam olhando para ele na rua ou quando fazem algum comentário, ele se incomoda, fica com vergonha, mas eu digo a ele que ele deve ser forte assim como eu fui e sou até hoje".
Sobre o diagnóstico de sua condição e de seu filho, que também tem nanismo, Marielda contou que a sua deficiência foi detectada ainda quando sua mãe estava grávida e que o mesmo aconteceu com o seu filho. Tanto no caso dela, quanto no caso da criança, não houve tratamento médico.
Quando perguntada pela reportagem se ela pensava em procurar um acompanhamento médico para seu filho, ela falou que não era de seu interesse e que a baixa estatura não causa nenhum prejuízo a nenhum dos dois.

Pais devem ficar atentos ao crescimento dos filhos
A endocrinologista Thaís Mendonça explica que, dentro das subdivisões da baixa estatura, existe o nanismo hipofisário. Essa deficiência, segundo a médica, é de origem genética e causa a falta do hormônio do crescimento, o GH (do inglês growth hormone). Ela conta que essa deficiência é rara e que a maioria dos pacientes que a procuram é diagnosticada com baixa estatura, não de origem hormonal, mas, devido ao padrão familiar. E que essa altura, muitas vezes, não chega a ser abaixo da curva do crescimento, um dos métodos de diagnóstico utilizados pelos endocrinologistas e pediatras.
De acordo com ela, outros fatores que podem indicar uma baixa estatura ainda na infância são a desnutrição, doenças cardíacas, doenças gástricas, asma e o uso intensivo de corticoides. Além disso, a endocrinologista aponta que problemas na tireoide e a síndrome de down também podem causar baixa estatura.
"Na maioria dos casos, quando não se trata de problemas hormonais, nós orientamos os pais, mudamos a alimentação dos filhos e eles crescem normalmente de acordo com a altura padrão da família. Mas, quando nós detectamos a falta de hormônio do crescimento, o tratamento passa a ser através do uso diário de injeções de hormônio. Esse tratamento dura por anos, mas o resultado é garantido", afirma.
A médica conta que, atualmente, o tratamento com hormônio do crescimento é fornecido gratuitamente pela Farmácia de Medicamentos Excepcionais (Farmex), abastecida pelo governo federal. A medicação só é liberada para aqueles que forem diagnosticados com a carência do hormônio do crescimento.
"Tem pacientes meus que não possuem a falta do hormônio mas, mesmo assim, têm baixa estatura e os pais desejam fazer uso do hormônio. Nesses casos, eles custeiam a medicação que custa entre R$1.200 a R$ 1.500 mensais", diz.
O tratamento com o hormônio só é eficaz se a criança não estiver na puberdade. Com a chegada desse período, os espaços que os ossos poderiam utilizar para crescer são preenchidos com os ossos sem crescimento.
A médica Thaís Mendonça alerta aos pais para prestar atenção ao crescimento dos filhos. A preocupação é quando a criança cresce menos do que 0,5cm por ano, quando tem uma estimativa de altura muito diferente da dos pais e quando a criança entra na puberdade muito cedo.
Um cálculo utilizado na medicina para descobrir a tendência de altura que os filhos terão quando adulto consta, para meninos, na soma da altura da mãe + 13cm + a altura do pai. O resultado da soma divide por dois e o resultado da divisão é a estimativa de altura com margem de erro de 5cm para mais ou para menos. Já para as meninas, soma-se a altura do pai - 13cm + a altura da mãe e divide o resultado por dois. O resultado da divisão é a estimativa com mesma margem de erro dos meninos.
Esse cálculo ajuda os pais a compreender que, se a tendência de altura do filho for baixa, não há problema. E que, numa forma geral, nenhuma altura é anormal. Porém, a altura abaixo de 1m50cm na fase adulta pode ser considerada abaixo da média.