Em meio ao sol quente, às 3 horas da tarde, uma menina de 10 anos, com roupas sujas, descalça e mostrando descontentamento em seu rosto, não tem em mãos uma boneca ou outro brinquedo. Seu instrumento é um limpa vidros, que usa para limpar o para-brisa de um carro parado em um semáforo, na Avenida Leste Oeste, em Maceió.
"Sai daqui menina", diz um "freguês", enquanto outro se compadece da situação e a presenteia com uma moeda. Após receber o "pagamento", ela senta na calçada e espera mais uma vez o sinal ficar vermelho, para, novamente, limpar a vidraça do próximo veículo em troca de centavos. A menina, que já estava no local há cinco horas, pelo menos, é mais uma vítima do trabalho infantil e exploração de crianças, em Alagoas.
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De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 168 milhões de crianças no mundo realizam alguma atividade que corresponde ao trabalho, o que corresponde a 11% da população infantil. Desse número, 85 milhões desenvolvem atividades consideradas de risco. Alagoas também possui um dos piores índices de exploração do trabalho infantil no Brasil, segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Identificado apenas como Lucas, descontente com o que faz, o menino de nove anos vive como um adulto. Não estuda, só trabalha. O garoto diz que trabalha desde os cinco anos para ajudar em casa. Com as mãos encaliçadas de tanto pegar no pesado desde cedo, ele vende laranja nos semáforos e, ao terminar, passa para o segundo "emprego": limpar retrovisores dos veículos que param no semáforo.

"Venho sozinho e fico aqui de manhã e à tarde. Depois vou pra casa pra assistir televisão ou vou jogar bola no campinho. Nos finais de semana, eu vou à praia e ajudo lavar algum carro", admite a criança.
Sem trabalho, sem comida
Do outro lado da cidade, na Jatiúca, uma mãe senta à porta de um restaurante, em quanto os filhos pedem um "trocado" para os clientes do local. Ela argumenta que é uma necessidade familiar colocar as crianças para trabalhar desde cedo. "Somos do interior. Meu filho maior tem 14 anos, ele ajuda lavando carros. Nós não temos renda e todos precisam ajudar para podermos garantir nossa comida", ressaltou.
Exploração sexual
Em outro local, uma menina de 14 anos, de iniciais L.O.S., também limpa o vidro de veículos. Segundo ela, além de trabalhar na rua, já foi explorada sexualmente. "Não é fácil trabalhar assim. Eu queria mesmo era um emprego para ter uma vida melhor. Já teve homem que quando me deu o dinheiro, perguntou se eu queria ganhar mais entrando no carro e tendo relações sexuais com ele. Eu aceitei, pois o rapaz ofereceu uma boa quantia e eu precisava do dinheiro", desabafa.
Fiscalização

De acordo com o MPT, crianças são exploradas diariamente de variadas formas de trabalho em todo o estado. Desta forma, promoções de políticas públicas, além de ações tem sido realizadas para coibir e erradicar o trabalho infantil.
No início deste ano, uma ação realizada pelo MPT, na Praia do Francês, no município de Marechal Deodoro, flagrou crianças e adolescentes com aparência entre 8 a 12 anos vendendo alimentos aos turistas.
Na época, a procuradora Adir de Abreu informou que o município seria notificado a prestar esclarecimentos e adotar providências para impedir o trabalho infantil na localidade.
Caso as crianças fossem encontradas trabalhando novamente, o MPT poderá pedir na Justiça a responsabilização por parte do município, juntamente com o pagamento de indenização de danos morais.
Em junho deste ano, uma ação conjunta identificou crianças em situação de trabalho infantil no Mercado da Produção, em Maceió.
Cerca de 30 crianças foram identificadas pelos integrantes da Comissão Municipal de Erradicação do Trabalho Infantil e passaram o resto da manhã pintando, modelando e conversando com os profissionais da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas) envolvidos nas atividades de combate ao trabalho infantil. Os casos identificados foram enviados para avaliação do MPT.

Em outra ação do MPT, foram flagrados dois adolescentes trabalhando no lixão, em Atalaia, interior do Estado. Segundo órgão, os jovens fugiram quando viram a chegada da equipe.
O pai de um dos adolescentes informou que o jovem frequenta a escola, mas confessou que leva o filho para o local, a fim evitar a ociosidade. A mãe de outro disse que ele não quer estudar. Por isso, trabalha na coleta de resíduos.

A procuradora do Trabalho Rosemeire Lobo acompanhou a fiscalização e notificou o Conselho Tutelar de Atalaia a apresentar, dentro de um mês, um relatório informando sobre as atividades realizadas em favor da proteção de crianças e adolescentes no município.
Trabalho pode prejudicar desenvolvimento de crianças
Segundo o sociólogo Jonathan Hannay, o trabalho infantil pode causar impactos no desenvolvimento psicossocial da criança. "A atividade pode comprometer, especialmente, a capacidade de aprendizagem e as formas de se relacionar. O cérebro humano se desenvolve até os 25 anos de idade, então, qualquer coisa que afete esse processo pode ser impactante para o resto da vida", informou.
Ainda segundo Jonathan, a diversão é uma necessidade essencial para qualquer criança. "Brincar tem um papel muito importante, social e cognitivo no desenvolvimento da criança, além de não poder ter início, meio e fim mensurados", completou.