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Com dificuldades, lavadeiras artesanais resistem e mantêm tradição em Maceió

Mulheres, que trazem no corpo as marcas da labuta, utilizam antigo prédio abandonado para o trabalho, passado de geração em geração

Entre as quase ruínas do antigo Centro Social Urbano, um grupo de mulheres resiste levando adiante uma atividade hoje quase esquecida, mas salva no imaginário popular em suas muitas canções e escritos. São as lavadeiras do CSU - nome pelo qual ficou conhecido o complexo que fez história entre os moradores do bairro do Santo Eduardo, em Maceió, capital alagoana, algumas décadas atrás. Em meio ao esquecimento, elas perduram.

Só que, ao contrário do que cantaria o saudoso Luiz Melodia, são felizes: por lá, lavar roupa todo dia é sinônimo não de agonia, mas sim de prazer, como elas mesmas fazem questão de ressaltar a todo momento. E é sinônimo também de bastante trabalho duro, claro, numa labuta que vai de segunda a sábado - incluindo feriados -, em longas jornadas entre tanques e ferros de passar. Tudo isso em pé.

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Ao todo, 13 lavadeiras dividem o espaço, que, não fosse por elas, estaria completamente abandonado desde que o famoso CSU fechou as portas. Hoje com capim crescendo por todo lado, ele fora, outrora, o centro das atenções na comunidade, que se reunia em seu auditório para os concursos de quadrilha, gincanas e shows - como o do cantor José Augusto, que subiu ao palco montado ali.

Construído pelo Governo Federal em 1983, o centro sempre foi gerido pela administração estadual. Apesar de fechado, o prédio continua sob a responsabilidade do Estado, mas parte dele foi cedida para que as mulheres continuassem trabalhando. Nenhum aluguel é cobrado. Já as despesas, que englobam água, luz e um vigia, são arcadas por elas próprias com o dinheiro que arrumam nos "lavados".

Cada uma paga R$ 80 por mês. Energia e abastecimento ficam por volta de R$ 500 mensais e o segurança contratado para guardar o prédio no período noturno e evitar furtos recebe outros R$ 500. Os valores são recolhidos e administrados por Marta de Carvalho, autônoma na lavanderia comunitária já há 14 anos e uma espécie de líder entre as trabalhadoras do Santo Eduardo.

Para economizar recursos naturais e evitar que as contas fiquem no vermelho, as atividades são realizadas num revezamento - lavar e passar acontecem em dias alternados. Os serviços começam assim que a primeira das lavadeiras chega, por volta das 7h, e seguem até a noite. O edifício costuma ser fechado às 18h quando elas lavam as roupas e às 20h quando é a vez de passar ferro.

"Chego às 7h e em três dias saio mais cedo, às 17h30, enquanto nos outros só saio lá pras 19h30, 20h. São três dias lavando e três passando, o que é mais complicado, porque passar demora bem mais. A gente fica o dia inteirinho", afirma Isolda da Silva Alves, 50 anos e há 25 na profissão - desde que foi "recrutada" pela mãe, também lavadeira no mesmo lugar.


				
					Com dificuldades, lavadeiras artesanais resistem e mantêm tradição em Maceió
FOTO: José Feitosa

Isolda levou a filha, hoje com 25 anos, para trabalhar ali e segue o padrão estabelecido no espaço: o das famílias que labutam juntas, passando o ofício de geração em geração. Quase todas fazem parte dessa mesma condição. "Vim pra cá através da minha mãe. Ela adoeceu e precisou se ausentar, então fiquei no lugar dela. Desde então estou aqui e aqui criei meu filho, que já é um homem", aponta a companheira de jornada Rosângela Sales da Silva, 53.

Peça custa R$ 2 e dinheiro ganho é pouco

Apesar do apego familiar ao trabalho, ele paga pouco - muito pouco. Cada profissional costuma tirar entre R$ 600 e R$ 900 por mês lavando e passando roupa "pra fora", como elas chamam. O dinheiro escasso precisa ser complementado no sustento da casa. Lavadeira há duas décadas, Rosângela depende da ajuda do irmão, com quem ela mora, para deixar as contas em dia.

"Ganho R$ 700 por mês lavando roupa. Não dá pra viver bem, porque o custo de vida é muito alto, mas a gente vai se virando. Moro com meu irmão, que é doente e recebe benefício, e aí isso ajuda. Mas dá pra pagar nossas coisinhas. Antes ainda fazia faxina para complementar a renda, mas hoje já não tenho mais saúde para isso, fico cansada", ressalta.

No caso de Marta, a líder das mulheres, é o marido é quem auxilia com as despesas. Ela tira por volta de R$ 600 mensais trabalhando informalmente. Já ele é funcionário de um depósito de bebidas. "Com o emprego, ele consegue me ajudar. É um dinheiro contadinho. É recebendo e pagando o que deve. A gente fica sem nada na mão, mas vamos vivendo e agradecendo por pelo menos ter de onde tirar", afirma ela, que tem uma filha de 14 anos.

A profissional lembra que nunca teve a carteira assinada, realidade de muitas outras por ali. Só sabe como o instrumento de proteção ao trabalhador funciona pela experiência do companheiro. "Nunca trabalhei 'fichada'. Foi sempre clandestina, aqui, numa barraquinha de lanche antes. Mas de ter a carteira assinada numa empresa, nunca tive", acrescenta. "A gente aqui não tem um salário certinho, depende que os patrões cheguem com as roupas para a gente ter nosso dinheirinho".


				
					Com dificuldades, lavadeiras artesanais resistem e mantêm tradição em Maceió
FOTO: José Feitosa

Lavar e passar cada peça sai a R$ 2 - exceto as mais pesadas, como colchas e redes, que possuem cobrança diferenciada. Quem quiser, também pode pagar mensalmente, em valores que vão de R$ 150 para uma pessoa a R$ 250 para uma família, tudo com direito a uma trouxa de roupa por semana. Outros preços podem ser praticados, dependendo das negociações feitas diretamente no local.

A clientela precisa levar os produtos de limpeza para que o serviço seja feito. Sabão em pó, amaciante, água sanitária ficam a cargo do patrão. Mas elas também dão um jeitinho para conquistar o empregador informal. "Pra ficar tudo cheirosinho, às vezes a gente compra do nosso bolso quando o patrão não traz. Isso também ajuda a ganhar mais clientes", destaca Cícera Machado da Cunha, de 52 anos.

Para não ter confusão, cada uma tem seu espaço: mesa própria, varal, ferro de passar, tudo separadinho. Quando a encomenda está pronta, o próprio cliente vai pegar. Mas, se a residência for nas proximidades do Centro Social Urbano, algumas delas fazem a entrega. Tudo é levado a pé e na cabeça. "Têm umas trouxinhas que são pesadas, outras são leves. Mas a gente já se acostumou".

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Clientela é antiga e fiel

O bom serviço é cansativo, mas compensa e mantém a clientela fiel. Em sua maior parte, são pessoas mais velhas, que preferem a tradição das lavadeiras à modernidade das lavanderias. Um dos motivos da escolha mora exatamente aí: no antigo CSU, tudo é lavado à mão. As máquinas não têm vez por lá e o cuidado é individualizado - no bom e velho tanque, não há sujeira que resista, apontam as profissionais.

O resultado é repassado no boca a boca e os lavados vão, assim, aumentando e se renovando. "Eles vão passando nosso trabalho para outras pessoas, indicando. Assim a gente vai pegando mais lavados. Tenho um lavado que já é de muito tempo. Comecei quando a filha da cliente estava com nove anos e agora ela está com 19. Já outros são mais recentes", aponta Cícera Machado.

Já Rosângela conta que a maioria de seus empregadores vem de longa data. "Meus patrões são todos antigos. Tenho cliente de mais de 20 anos. Novato quando chega é para lavar uma peça ou outra", ressalta ela, que lava roupa de juízes e promotores alagoanos. As deles, aliás, por serem peças sociais, costumam estar entre as mais complexas. "Camisa social é o mais difícil, principalmente para passar".


				
					Com dificuldades, lavadeiras artesanais resistem e mantêm tradição em Maceió
FOTO: José Feitosa

A média de clientes varia. Algumas têm sete ou oito. Outras chegam a dez ou mais. Os números sobem no período de inverno, já que as chuvas e o tempo ruim em meados do ano na capital de Alagoas dificultam a vida de quem mora em apartamento. Na lavanderia comunitária do Santo Eduardo, a falta de sol também atrapalha um pouco, mas o grupo já tem a prática e consegue tirar de letra.

"Às vezes a gente lava e tem que esperar pelo outro dia para colocar no varal, se o tempo melhorar. Tem que esperar o sol aparecer. Quando é uma roupa de cor, a gente estende do lado de dentro também. Mas no inverno o movimento melhora, porque quem mora em apartamento não consegue secar as roupas. Aqui é mais fácil", conta Rosângela.

Isolda da Silva, a que levou a filha para trabalhar com ela, lembra a responsabilidade carregada pelas lavadeiras. "Lidar com roupa dos outros é muita responsabilidade. Temos o maior cuidado de lavar e passar e devolver tudo do mesmo jeito", afirma. "Quando tem briga nas novelas o povo sempre manda arrumar um lavado de roupa. Tá pensando que é fácil? Se eu pudesse ia lá e dizia um bocado de coisa pra quem fala isso. É um trabalho difícil".

Dores pelo corpo fazem parte do cotidiano

As dificuldades, inclusive, começam na própria natureza do ofício das lavadeiras e não ficam restritas a carregar as trouxas na cabeça. Mãos na água o dia todo, muito tempo em pé, movimentos repetidos à exaustão. Tudo isso é uma realidade diária na lavanderia comunitária e se reflete na saúde das trabalhadoras. Isolda mesmo recorda que dia desses ficou doente e precisou até de uma injeção devido ao chamado "unheiro", uma infecção das dobras de tecido ao redor das unhas.

"Fui parar no hospital para tomar injeção e ainda estou com o dedo meio ruim. A gente se acostuma, mas sabemos que no futuro vamos ter muitos problemas, principalmente nos ossos, porque é o dia todinho na água ou em pé passando ferro. As pernas da gente doem, criam varizes, as juntas ficam doídas, mas é assim mesmo para sobreviver".

Ela revela que, para driblar as dores, todo mundo ali já anda preparado: ter remédios sempre à disposição é ordem entre as mulheres do Santo Eduardo. "A gente sempre anda com remédio na bolsa. Todo mundo tem sempre um remédio, porque é muita dor nos ossos. Não tem o que fazer pra prevenir. O que podemos fazer é pagar INSS, porque vamos precisar mais pra frente. Me aperto, mas pago todo mês meus R$ 104", continua.

Marta de Carvalho reconhece a importância da aposentadoria, mas relata não ter condições de pagar os carnês. Falta dinheiro para isso. "É pra eu pagar, mas não pago, não. Fica apertado", ressalta. "Pra gente fica ruim também que os patrões só pagam pela roupa, não dão nada por fora pra contribuir, pra ajudar no INSS. A gente tem que pagar por conta própria. E só recebe se lavar roupa. Se adoecer, não ganha nada".

Não há muitos dados relativos à saúde das lavadeiras - como os grupos são informais, fica difícil saber até quantas delas estão espalhadas pelo Brasil. Um estudo realizado em 2016 pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, porém, estudou as trabalhadoras da outra ponta do País, em Caicó, no Rio Grande do Norte. Os distúrbios na mão e no punho foram os mais prevalentes.

O dado pode parecer chocante, mas, de acordo com a pesquisa, pelo menos 95,6% delas relatou possuir problemas em ambas as regiões. A segunda área mais afetada foi a do cotovelo, com 62,2%, seguida pela do pescoço/região cervical, chegando aos 53,3%. Ombros, braços, antebraços, lombar, quadril e membros inferiores também apareceram entre as queixas. Praticamente o corpo todo dói.


				
					Com dificuldades, lavadeiras artesanais resistem e mantêm tradição em Maceió
FOTO: José Feitosa

Mas as dificuldades não param aí. Outro desgosto das trabalhadoras é o próprio prédio onde estão instaladas. A vontade delas era arrumar o lugar, mas os escassos ganhos mensais não permitem que isso seja feito, principalmente tendo que quitar as despesas já regulares - elas lembram que, antigamente, energia elétrica e água eram pagos pelo poder público, mas o "benefício" foi cortado. O mato alto que toma conta do terreno também incomoda.

Segundo a Prefeitura de Maceió, a possibilidade do envio de uma equipe para a capinação precisa ser estudada pela Superintendência de Limpeza Urbana (Slum), já que, no cadastro imobiliário municipal, o local consta como propriedade do Governo do Estado. De acordo com a gestão, não há mais lavanderias públicas sob a responsabilidade da administração da capital. A reportagem não encontrou outros grupos organizados de lavadeiras na cidade.

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"A gente não ajeita o prédio porque nosso dinheiro é pouco, não dá. Temos nossas contas pra pagar, muitas aqui pagam aluguel. Aqui pra mim é como uma família, é praticamente a casa da gente. A gente fica mais aqui do que em casa, por isso queríamos deixar tudo bonitinho", expõe Isolda, que, apesar de tudo, se diz feliz no papel de lavadeira. "Criei meus dois filhos aqui, agora estou criando meus netos. Aqui é muito bom de trabalhar".

A opinião é compartilhada por Marta. "A gente faz também por amor. Tem gente que odeia lavar roupa, mas a gente gosta. Agora realmente é cansativo, quando chega à noite estamos 'moídas', como diz o povo. Mas acho que também é como se fosse um dom. Na cozinha eu sou um desastre, não sei cozinhar bem. Mas já pra lavar e passar roupa? Faço bem e faço o que gosto", acrescenta a líder.

Ao que parece, nem mesmo as dificuldades desanimam a trupe, que carrega, consigo, todo o peso de uma tradição surgida ainda no tempo do Império, quando mulheres pobres e escravas se dividiam para cuidar das roupas dos senhores e sinhás. As primeiras faziam o serviço em troca de um pagamento modesto. As segundas, nem isso.

Aos poucos, com o fim da escravidão, o ofício que era feito na beira dos rios foi se transformando até chegar à atualidade. Hoje está quase extinto. Nem isso desanima mulheres como Isolda Alves. "Todo trabalho tem problema, mas gosto muito daqui. Quando vou dormir peço a Deus que não feche essa porta. Dinheiro esforçado está difícil e aqui ganhamos nosso dinheiro honesto. Chegamos de manhã e vamos embora de noite, mas vamos dormir tranquilas", sentencia ela.


				
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FOTO: José Feitosa
  • Trabalho é feito de maneira artesanal e sem o uso de maquinários
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