Ainda criança, o pequeno Mário Sérgio precisou enfrentar o racismo pela primeira vez. Na escola, bolsista e único negro da sala, ia de bicicleta enquanto os demais iam de carro. Com as mãos sujas de graxa porque "a corrente da bike sempre soltava", perdeu a conta de quantas vezes chegou chorando em casa dizendo não querer estudar em "escola de rico".
Mário Sérgio virou Marinho e, aos 34 anos, ainda precisa driblar o racismo. Atacante do Fortaleza, tornou-se voz ativa na luta antirracista e nunca se curvou ao preconceito. Em entrevista exclusiva ao ge para o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, o jogador iniciou a conversa com um protesto: "As pautas só começam quando está perto de chegar nesse dia".
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— Eu espero que, em um futuro bem próximo, a gente possa ter punição severa. Tem que ser preso e não sair nunca mais. Porque enquanto não tiver punição severa, vão dizer "ah, mas eu tenho amigo negro também". Todo mundo é bom nessas horas — disparou.
Marinho já perdeu a conta de quantas vezes precisou lidar com o racismo. Em um dos episódios, foi vítima de preconceito por um chefe de cozinha em um restaurante.
— Me ligaram para defender o cara, dizer que ele era gente boa, era amigo. Ali eu vi que não tinha amizade. Você, por ser meu amigo, a gente ter o mesmo tom de pele, você deveria ter confrontado ele. E você não o fez. E eu aprendi a me afastar de pessoas assim. Eu não posso abraçar pessoas racistas — decreta.
Ao ge, ele falou sobre as dificuldades da infância, relembrou episódios em que precisou peitar racistas e cobrou punições duras e certeiras para os criminosos.
O primeiro contato com o racismo
A infância em Penedo, interior de Alagoas, não foi fácil. De origens humildes, Marinho foi bolsista na escola. Enquanto ia de bicicleta, os coleguinhas iam de carro. Chorar em casa, nos braços da mãe, era rotina ao voltar do colégio após encarar o preconceito pelas primeiras vezes.
— Desde cedo a gente começa a passar por situações desagradáveis. Ah, fulano é bolsista porque não tem dinheiro para estudar. Ah, fulano mora num bairro tal porque é pobre. Aquilo era uma coisa que me tirava qualquer reação. Aquilo me entristecia — relembra.
Hoje, Marinho é casado com a esposa Francielle e tem uma filha de oito anos, Alícia. As condições são outras. Com mais recursos, o jogador pode dar à filha uma vida que não teve na infância.
Desde cedo, precisou conversar com a pequena sobre o tema. Para o atacante, a educação precisa começar dentro da própria casa.
Minha filha vai crescer sabendo a história do pai. E ela vai aprender para que nunca repita isso com ninguém. Uma vez, uma criança falou para a minha filha que o cabelo dela era feio. Ela tem o cabelo cacheadinho, ela é da minha cor. Eu disse para ela: "Filha, seu cabelo é lindo, não se preocupe com isso."
Em 2023, foram registrados 136 casos de injúria racial no futebol brasileiro — em 2022, foram 98. A maior parte dos incidentes ocorreu nos estádios — 104 no total. Depois aparecem os casos na internet (19) e em outros espaços (13).
— A gente precisa cuidar dessa nova geração. A rede social deixa tudo muito explícito. Temos que cuidar bem, educar bem. Eu falo que o mundo hoje em dia não vai ensinar nada legal. Na rede social, o tolo ganha voz. Essa geração que vem aí é para mudar o mundo. E a minha filha vai crescer tendo o ensinamento, a educação como base. O que o mundo vai ensinar para ela talvez não seja algo legal. Por isso que eu pego no pé dela para que ela tenha um entendimento daquilo que é verdadeiro — completa.