A história de Douglas Sousa, pai do atacante do Real Madrid Endrick, com o Zumbi, time de União dos Palmares, está ancorada em tantas identidades que parece uma simbiose que estava prevista para acontecer, só esperando a batida certeira do relógio.
Nascido no dia 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, e letrado no movimento negro, Douglas conheceu a cidade por conta do futebol. O garoto Victor Silva se destacou pelo time alagoano na Copa São Paulo de Futebol Júnior e se tornou agenciado pela DSA, empresa em que o pai de Endrick é sócio.
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A curiosidade pelo projeto do Zumbi foi despertada e ele resolveu conhecer União dos Palmares. Hoje, já é dono de um terreno e tem até casa para passar seus dias na cidade. Sua missão se sobrepõe a somente o futebol. Ele auxilia o time na prospecção de mercado e gestão de carreira de alguns atletas.
À Gazeta, Douglas classificou a relação com o Zumbi como "uma parceria de vitórias e aprendizado".
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Gazeta: Como é hoje a sua relação com Alagoas?
Douglas Sousa: A minha relação com o estado de Alagoas como um todo acabou virando uma relação muito próxima. Já visitei União dos Palmares duas vezes depois que eu conheci. Pretendo visitar mais vezes. Me sinto um cidadão palmarino hoje. Conheci a cidade de perto, a cidade de Palmares, fui em algumas ruas, conheci algumas famílias. É um carinho que eu tenho por eles porque eu fui muito bem recebido. Eu tenho um pequeno terreno lá em União dos Palmares e até vou construir uma casinha para quando puder visitar ter onde ficar. Acabei me tornando, vamos dizer, de coração um palmarino. No que eu puder ajudar para contribuir com o crescimento das pessoas, é um grande prazer.
Qual é o seu papel no Zumbi?
Meu papel no clube é ajudar o clube a chegar no patamar que todos nós queremos. Queremos estar disputando a Série A do Alagoano e isso vai ser muito importante para o clube, para os atletas. Então, o nosso papel é formar jogadores, é formar cidadãos. É poder dar esperança a esses atletas que estão procurando um espaço no futebol. E também para mostrar ao Brasil, e se possível ao mundo, o futebol alagoano, onde são revelados jogadores aos montes. O povo alagoano é um povo aguerrido, que luta, que tem sangue de guerreiro. Acredito que estamos no caminho certo para mostrar isso ao Brasil.
Você faz aniversário no dia 20 de novembro e o clube homenageia Zumbi...
Sim, eu faço aniversário dia 20 de novembro, no Dia da Consciência Negra, que condiz também com a morte do Zumbi dos Palmares. Ir até a cidade, conhecer a cultura, conhecer a cidade, saber que o clube também carrega o nome Zumbi, fez com que o meu laço com o clube, com a cidade, fosse ainda maior. Eu acho que todo negro precisa conhecer um pouco da sua origem, um pouco da sua história. E, no meu caso, sinto que um pouco especial por ser negro e fazer aniversário justamente no dia 20 de novembro, no Dia da Consciência Negra e no dia da morte do Zumbi dos Palmares. Há um vínculo maior, um laço maior, entre a minha pessoa, o clube Zumbi e a cidade União dos Palmares.
Você tentou ser jogador de futebol e esse sonho se materializou no Endrick. A história de vocês se relaciona com a desses meninos do Zumbi?
Ah, eu tentei ser jogador de futebol, mas não consegui ser jogador. O meu pai também tentou. Meu pai tinha um talento muito grande, porém ele achava que o talento nas mãos, sendo pedreiro, era melhor do que o talento que Deus deu para ele, que era de jogar futebol. Depois eu tentei ser jogador, não consegui. Hoje meu filho conseguiu ser, depois da terceira geração da nossa família, está ele. Foi jogador do Palmeiras, hoje jogador do Real Madrid, jogador da seleção brasileira, conseguiu realizar o sonho da família. Vendo esses garotos do Zumbi, todos os sacrifícios que eles fazem, toda a dedicação deles, me faz lembrar um pouquinho a minha infância. Eu lembro que quando eu tinha 15 anos eu fiz uma loucura de sair de pé da cidade de Gama para São Paulo para tentar uma avaliação. Eu olho para esses garotos e vejo o quanto eles tentam, o quanto eles estão se esforçando. Hoje vemos no Brasil atletas de 18, 19, 20 anos, que têm esposa, têm filhos e não têm condições financeiras. Às vezes jogam por uma cesta básica, jogam pela ajuda de custo. Eu vejo o quanto eles querem dar algo melhor para os seus pais, para os filhos. E poder ajudar eles, poder dar esperança a eles de que eles podem, que eles são capazes, isso me faz sentir um pouquinho o gosto da vitória. Faz também relembrar um pouquinho toda a dificuldade que eu passei, que o meu filho passou. Se não for para formá-los como jogadores de futebol, mas que nós possamos criar homens e pais de família com dignidade e esperança não só para eles, como para os seus filhos, para as pessoas que lá estão acreditando neles.