O filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau disse, ainda no século XVIII, que o homem é bom por natureza e que a sociedade é quem o corrompe. E tal raciocínio ainda pode ser empregado atualmente, com a violência já bem arraigada e atravessando classes sociais. Contudo, há quem ao menos tente seguir o caminho inverso. É o que garantem fazer os representantes das duas maiores torcidas organizadas de CSA e CRB, as "extintas" Mancha Azul e Comando Vermelho.
Como se sabe, elas foram alvos de ação do Ministério Público Estadual, que, em 2005, pediu a extinção das duas torcidas. Porém, ambas seguem ativas - no caso da primeira, ainda com a mesma denominação -, apesar de impedidas de acessar os estádios devidamente uniformizadas. A rival, por sua vez, tornou-se Comando Alvirrubro, mas a mudança também não surtiu efeito, já que os atos de violência se sucederam, levando a Justiça a decidir por torcida única nos jogos entre CSA e CRB,
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Ainda hoje, as organizadas seguem lembradas apenas pelos atos de violência, que ganham o país inteiro, com as capitais se transformando em palcos de guerra nos dias de clássico. No entanto, os responsáveis por Mancha e Comando garantem agir para desmistificar a tenebrosa imagem que se formou ao longo dos anos, a fim de que possam, sobretudo, ter mais controle sobre os associados.
Para tentar combater a pecha de "inimigas das famílias" nos estádios de futebol, as torcidas também desenvolvem, e com certa frequência, ações sociais diversas, numa tentativa de encobrir os gritos de guerra que, indiscutivelmente, incitam a violência. E foi para conhecer o "outro lado" das organizadas que aGazetawebouviu os presidentes de Mancha Azul e Comando Alvirrubro, que atribuem os episódios de violência a "pessoas infiltradas nas torcidas".

É o que afirma o líder da Comando Alvirrubro, Jeanderson Jorge. "O problema é que o que fica mais conhecido são os confrontos que envolvem pessoas infiltradas na nossa torcida. Tentamos, mas, muitas vezes, não conseguimos ter controle sobre isso", argumentou o torcedor regatiano, destacando as ações já realizadas pela torcida "em prol dos mais necessitados".
"Temos arrecadado e doado alimentos a instituições de caridade, realizando também mutirões para distribuição de sopa a pessoas desabrigadas, além das visitas que fazemos a abrigos de idosos", emendou Jeanderson.
Já o líder da Mancha Azul, Vanderli Araújo, compartilha da mesma opinião. "É muito difícil conhecermos todos os associados. Tentamos padronizar a filiação, por meio da identificação de todos os membros, algo que até foi acordado com a federação [Alagoana de Futebol], a fim de que houvesse mais segurança, mas a conversa não evoluiu", afirmou Vanderli, que, em defesa da organizada, recordou a realização de um evento beneficente, em dezembro passado, no CT Gustavo Paiva, no Mutange.
No ano passado, a FAF apresentou à Justiça local um modelo de cadastramento de todas as torcidas organizadas com atuação no estado, de modo a tentar suspender a decisão que proíbe a entrada de Mancha Azul e Comando Alvirrubro nos estádios. O cadastramento seria feito de forma integrada com tribunal, Ministério Público e Polícia Militar. Porém, a proposta - que buscava conferir mais transparência ao processo - não saiu do papel.
Segundo a promotora Sandra Malta - que assinou petição para requerer torcida única nas partidas entre CSA e CRB, válidas pelo Estadual 2017 -, a extinção das organizadas precisa ser considerada. "Conhecido como a maior paixão do brasileiro, o futebol passou também a carregar consigo uma pecha que vem lhe custando muito caro, qual seja: a violência nos estádios de futebol pelas torcidas organizadas", diz trecho da ação civil pública que também tomou por base ata de reunião entre clubes, federação, Tribunal de Justiça e Ministério Público, quando se acordou por torcida única.
"Torcida única não é solução"
Contudo, para a professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Leonéa Santiago, que é autora de estudo sobre o comportamento das torcidas em Alagoas, o problema da violência das torcidas não é algo apenas inerente às próprias. "As torcidas não estão isoladas do resto da sociedade. Hoje, todos vivem em um constante estado de fúria, que acaba sendo externada em situações do tipo, de modo que a impunidade é uma motivação maior para os delitos", afirma.
Em sua pesquisa, ela salienta, ainda, que o clássico com apenas uma torcida não é a solução para o fim da violência. "Esta não é a solução, pois, afeta o espetáculo, que é um fenômeno social global. Nós temos o exemplo da Inglaterra, onde os hooligans [vândalos, em português] conseguiram ser extintos dos estádios. E isso não aconteceu ao se colocar apenas uma torcida dentro do estádio. Portanto, esta realidade só será modificada por meio da educação".