As prováveis medidas protecionistas do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciadas ainda durante a campanha eleitoral, não devem afetar as exportações alagoanas para o país norte-americano, estimam especialistas.
Os EUA são os terceiros maiores compradores de produtos locais – a maioria, açúcar e melaço –, atrás apenas do Canadá e da China. De janeiro a outubro deste ano, as vendas das empresas de Alagoas para o país renderam US$ 66,2 milhões, o equivalente a 9,7% do total exportado pelo estado para outros países (US$ 681,3 milhões). Os dados são do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
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Durante a campanha, o então candidato do Partido Republicano declarou uma série de potenciais medidas que visam promover o protecionismo comercial, aumentar o sentimento de nacionalismo e expulsar do país imigrantes ilegais. No campo comercial, Trump prometeu impor sobretaxas de 10% a 20% sobre todas as importações. Para produtos originários da China, a taxação chegaria a 60%.
Para o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas (Sindaçúcar-AL), Pedro Robério de Melo Nogueira, as exportações de açúcar feitas pelas usinas alagoanas para os EUA ocorrem dentro de cotas isentas de tarifas, o que deverá continuar acontecendo.
O economista Fábio Leão reforça a fala de Robério, ressaltando que a vitória de Trump não deve ser motivo de preocupação para a economia local. Ele explica que as exportações de açúcar já são reguladas por cotas definidas pelo governo americano. Pela segunda vez na temporada 2023/24 (outubro a setembro), as usinas de açúcar da região Norte-Nordeste receberam uma demanda complementar vinda dos Estados Unidos.
Segundo ele, o rateio de uma cota de 24,65 mil toneladas foi formalizado em portaria publicada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) no início do ano. O novo volume se soma à cota preferencial de 147,54 mil toneladas, dividida em setembro do ano passado, e à primeira cota adicional, de 49,73 mil toneladas, divulgada em janeiro. Assim, no total, 221,92 mil toneladas de açúcar poderão ser exportadas com incentivos tarifários.
Considerando as três portarias já publicadas, Alagoas deve ser responsável por 46,2% dos envios, com 102,55 mil toneladas divididas entre 15 usinas do estado. Em seguida, Pernambuco atenderá 30,1% do total, com 66,71 mil toneladas da commodity sendo exportadas por meio de 11 unidades, segundo informações do Mapa.
Fábio Leão acredita que as promessas anunciadas por Trump ainda em campanha são medidas que podem pressionar a inflação nos EUA e promover o encarecimento dos preços domésticos. “Tudo isso tem um limite, e mesmo uma economia tão forte como a americana não suporta inflação elevada por muito tempo”, ressalta.
E completa: “Tanto é assim que o banco central americano (Fed) acabou de cortar as taxas de juros em 0,25%, colocando a taxa entre 4,5% e 4,75% ao ano. O Banco Central do Brasil, por sua vez, elevou a taxa básica de juros da economia em 0,5%, empurrando a Selic para 11,25% ao ano”.
COMMODITIES
Fábio Leão lembra que, assim como Alagoas, a balança comercial do Brasil com os EUA é focada em commodities e produtos primários, como soja, café, carne bovina e frutas, mas também conta com produtos industriais e insumos importantes para a economia americana.
“Apenas com a citação desses poucos produtos da nossa balança comercial, percebe-se a dificuldade de substituir um novo fornecedor para a economia americana, e da mesma forma, seria muito difícil para o Brasil encontrar novos mercados para direcionar esses produtos no caso de uma redução da demanda americana por motivos protecionistas ou de sobretaxa”, salienta.
Ele reforça ainda que cada commodity tem características diferentes na elasticidade-preço da demanda. “Produtos inelásticos, por exemplo, não reduzem a demanda mesmo com aumentos de preços. Portanto, os produtos sobretaxados aumentarão de preço para o mercado americano, pressionando sua inflação doméstica e impactando a taxa de juros”, ressalta. “O governo americano não tem capacidade de substituir todos os produtos de todos os seus parceiros comerciais ou mesmo suportar uma pressão inflacionária que as sobretaxas podem causar”, acrescenta.
“É por isso que muitas declarações populistas de campanha não podem ser implantadas em sua inteireza na realidade das relações comerciais. Outro ponto importante é que as relações comerciais entre os países são reguladas por contratos e regras de comércio em organizações internacionais multilaterais. Essas regras não podem ser quebradas unilateralmente sem grandes prejuízos para o tabuleiro diplomático mundial”, conclui.