Língua desenvolvida a partir do tupinambá, o Nheengatu era o dialeto falado ao longo de todo o vale amazônico até a fronteira com o Peru, a Colômbia e a Venezuela. Era, ainda, a língua geral compilada pelos jesuítas no século XVII, para que portugueses e índios pudessem se entender - pelo menos no que diz respeito à linguagem. É, agora, o nome do novo CD de Titãs.
O título fala por si só: é a vontade clara e expressa do grupo paulista de retornar às raízes. E é exatamente isso que a banda, que chega neste sábado (23) para um show no festival Maceió Verão, na Praça Multieventos, Pajuçara, conseguiu com o álbum, lançado em meados de 2014. É sangue correndo mais uma vez nas veias. É a paixão pelo rock elevada à máxima potência novamente. É exatamente aquilo que os fãs mais gostam.
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O peso de voltar a ser Titãs - depois dos não tão marcantes Sacos Plásticos (2009) e Como Vocês Estão (2003) - aparece logo na primeira faixa, Fardado. A letra, que surgiu a partir de uma fotografia tirada em um dos protestos realizados Brasil afora no ano 2013, ecooa o coro que se ouvia nas ruas: "Você também é explorado / Fardado". Como conta Tony Beloto, em entrevista à Gazetaweb, a ideia era retransmitir a mensagem.
"Vimos a foto e achamos que ela proporcionava uma reflexão interessante sobre a polícia: você também é explorado. Polícia e manifestantes vítimas de um mesmo sistema", opina o guitarrista do grupo, que acrescenta: as canções de Nheengatu foram mesmo inspiradas no momento atual pelo qual passa o País. "Estávamos pensando no Brasil, ousando encarar temas que bandas e compositores de MPB normalmente não encaram, como pedofilia, violência contra a mulher, racismo, homofobia etc".
Os temas aparecem ao longo de diversas faixas, como Mensageiro da Desgraça, República dos Bananas, Baião de Dois, Chegada ao Brasil e Cadáver Sobre Cadáver ("No meio do tiroteio/ No seio da calmaria/ Morrem na guerra ou na paz/ De fome ou de anorexia/ Morrem os outros ou os seus/ A foice não se sacia/ Morre o homem, morre Deus/ O luto não alivia", cantam eles).
Para Tony, o disco é a síntese um "momento especial" dos integrantes do grupo. "Tem sido um momento muito especial da nossa carreira, ao mesmo tempo uma consagração e um renascimento. Decidimos fazer um disco de rock pesado com elementos brasileiros. Tanto na música quanto nos temas das letras. Foi um trabalho pensado, conceitual, e por isso remete ao Cabeça Dinossauro", conta.
E é tudo isso que a banda traz a Maceió neste sábado - a noite terá abertura de Xique Baratinho e Big Jones. O show promete ser o mesmo que eles têm levado a outras cidades do Brasil, com direito à trupe mascarada, como no clipe de Fardado. O público, conta o vocalista, tem aprovado a novidade. "A reação do público é de espanto e prazer estético. Maceió não perde por esperar?".
Segundo ele, a capital alagoana pode aguardar Titãs no seu melhor: agressivo, ousado, inovador e "até, por que não, lírico". No comando do grupo há mais de 30 anos, ele destaca que manter a jovialidade não é tão difícil assim. E usa a letra da música Comida, do álbum "Jesus não tem dentes no país dos banguelas", de 1987. "É preciso desejo, necessidade, vontade", diz.
A maturidade alcançada depois de tantas décadas, expõe Tony Beloto, é um bom sentimento para um artista. Mas não que eles sejam maduros - pelo menos é o que o músico acredita. Para ele, a trupe continua em uma "aventura arriscada". Aventura, aliás, que vem trocando personagens ao longo do tempo: atualmente, além de Tony, continuam na viagem Paulo Miklos, Branco Mello e Sérgio Britto.
Mas já estiveram nela nomes como Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis, Ciro Pessoa e André Jung. O vocalista destaca que as saídas afetaram o conjunto, mas a essência permaneceu. "Claro que nos afetou de várias formas, mas a essência da banda se manteve preservada, e isso é um enigma até para nós mesmos", explica. "Continuamos caóticos, é da nossa natureza", completa.
Caos que os fãs esperam ver hoje no palco do Maceió Verão. A programação do festival começa às 17h.