Em 22 de abril de 2019, quando era lembrado o descobrimento do Brasil, o mundo redescobriu o ilustrador alagoano Cristiano Suarez, que se viu envolvido em uma polêmica decorrente da polarização política no país. O ilustrador executou um trabalho para a banda americana Dead Kennedys e estampou uma família de palhaços armados e sangue escorrendo de uma comunidade periférica para divulgar a turnê brasileira do grupo punk californiano.
Os ?bozos? no pôster são referências à música Rambozo The Clown, sucesso da banda americana. E a frase "Eu adoro o cheiro de pobre morto pela manhã" pode ser compreendida como uma referência ao filme Apocalypse Now, ou melhor, à música Kill The Poor, obra-prima da banda para a qual Cristiano executou o serviço. Segundo o autor, o cartaz faz uma crítica explícita à classe média armamentista. Mas - não deu outra - a obra foi interpretada pelo grande público como uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
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O que se viu após a divulgação do cartaz, divulgado oficialmente pela produtora da banda americana, foi uma enxurrada de tuítes e uma invasão do público às redes sociais de Cristiano Suarez, que passou de 6 para 40 mil seguidores em poucas horas. A banda removeu o cartaz e a repercussão só aumentou, os fãs questionavam o ?espírito roqueiro da banda?, que já é questionado desde o final dos anos 1980, quando o vocalista e principal compositor Jello Biafra se retirou do grupo. A repercussão foi tão grande que, entre críticos e entusiastas, a banda americana preferiu cancelar a turnê brasileira, alegando preocupação com a segurança dos fãs.
SUAREZ

Aos 33 anos e natural de Palmeira dos Índios, Cristiano Suarez é um dos mais importantes ilustradores brasileiros. Formado em publicidade, ele viu a carreira começar a decolar em 2012, quando seu trabalho começou a chamar a atenção de grandes empresas. Em 2018, o artista alagoano apareceu na lista dos 200 melhores ilustradores do mundo, elaborada pela revista Lürzer's Archive, a principal do universo publicitário. A página dupla na importante revista exibia a campanha desenvolvida para o público do Oriente Médio da Absolut Vodka. Suarez já trabalhou para empresas em mais de 30 países, em diversos setores. O trabalho e as novidades do artista podem ser conferidos no Instagram (@cristianossuarez).
Reservado e um tanto tímido, Cristiano Suarez concedeu entrevista ao jornal Gazeta de Alagoas sobre o ano agitado que passou e a repercussão do trabalho para a Dead Kennedys. Ele também fez considerações sobre o cenário político atual e o papel dos artistas e do rock, além de comentar sobre o que realmente quis expressar com a ilustração. A entrevista completa pode ser conferida no jornal impresso, disponível para assinantes e em pontos de venda em Alagoas.
Gazeta de Alagoas - Um ano se passou desde aquele poster polêmico para a Dead Kennedys. O que mudou desde aquele momento, qual o saldo?
Cristiano Suarez - O que mais mudou o foi a minha visibilidade. Eu já tinha visibilidade em redes sociais, para trabalhos, oportunidades, mas naquele dia, foi dia 22 de abril do ano passado, no Instagram eu tinha 6 mil seguidores. No Facebook, 5 mil. No outro dia eu tinha 40 mil no instagram e 20 mil no Facebook. Eu não tinha Twitter, e mesmo assim meu nome ficou em primeiro lugar nos trend topics. Tive contato com pessoas e artistas que eu admirava, mas que eu não conhecia. Inclusive, tive contato com artistas famosos, da Globo, grandes bandas como Titãs, Capital Inicial, então o saldo positivo foi a visibilidade. Uma parcela mínima foi de pessoas que acabaram vestindo a carapuça.
Se arrepende de algo, tem alguma mágoa da banda, por ela ter negado que aprovou o cartaz ou algo assim?
Na primeira semana eu me arrependi muito. Mas eu não sabia do que me arrepender, porque se eu tivesse sido contratado novamente eu teria feito a mesma coisa. Meu arrependimento era mais pelo susto da visibilidade, fiquei ansioso, foi estranho. Eu não gostava muito daquele acesso à minha vida pessoal. Eu sempre deixei explícito meu trabalho, não a minha vida. E foi assustador ver meu nome nos trends, nas redes sociais, era um arrependimento que eu não sabia de quê.
Algum ressentimento relacionado à postura da banda?
Sobre a Dead Kennedys, é uma banda que eu gosto desde que eu tinha 14 anos e morava em Palmeira dos Índios. Só em fazer o cartaz para eles, para mim, foi um grande prazer. É uma banda que eu era fã. Na verdade, eu ainda sou fã. Tudo isso faz parte do show business. Eu não guardo mágoa da banda. Eu entendo que existem muitas questões burocráticas relacionadas aos empresários e tudo mais. Mas, acho que foi uma atitude covarde. Eles tentaram se retratar, fizeram alguns posts dizendo que apoiavam a ideia da arte e tudo, mas, entendo que tem essa questão de show business. Como artista, eu levei muito em consideração o conceito da arte. Na questão ideológica da banda, a banda não é mais a mesma. Na questão ideológica, a banda acabou em 1987, quando o mentor da banda, o Jello Biafra, saiu. E essa questão ideológica, artística, do feeling mesmo acabou em 1987. E isso só me fez ter certeza que a banda não é mais Dead Kennedys. Do que adianta cantar o que eles cantam se eles não têm atitude? Como eu disse, não tenho mágoa, o fato só me fez ter mais admiração pelo Jello Biafra, que é o vocalista original e compositor das letras. Inclusive, ele fez elogios depois de tudo isso, postou uma matéria endossando a arte e disse que a arte tem tudo a ver com as coisas que ele escrevia.
Vamos imaginar que nada daquilo aconteceu e você recebeu a solicitação para o cartaz da DK hoje. Faria o mesmo cartaz?
Se hoje a Dead Kennedys me procurasse para fazer o cartaz eu faria a mesma coisa e talvez mais ácido ainda. Até porque a acidez do meu trabalho foi apurada nesse último ano. Mas faria sim, faria a mesma coisa.
Como você lidou com a repercussão? Houve um ensaio de achincalhamento, certo?
Recebi muito apoio, apoio de pessoas e bandas que eu admirava quando era adolescente. Bandas punk mesmo, conhecidas no underground e que me apoiaram, tipo Ratos de Porão, Garotos Podres? São bandas punks que eu escutava quando era adolescente e que são bandas com influência em Dead Kennedys. E essas bandas ficaram do meu lado, digamos assim, porque entenderam a sacada da minha ideia. Essa repercussão me assustou, mas 98% eu diria que foi uma visibilidade positiva. Somente os outros 2% foi de pessoas que vestiram a carapuça da arte. Por eu ser uma pessoa que tem ansiedade, que faço terapia e tudo mais, o ansioso acaba absorvendo mais a negatividade. Os 2% eu acabei absorvendo. O que mais recebi foi ataque xenófobo por ser nordestino. Hoje, por estar com a cabeça no lugar, por ter feito outras críticas, entendo que eu não deveria ter absorvido esses 2% de negatividade.
Você acredita que as reações indicam que você acertou na provocação?
Com certeza eu acertei nas provocações. Mas eu quero deixar bem claro que as provocações que eu fiz no cartaz, eu fiz moldada num público-alvo, era uma criação publicitária. Eu fiz isso, não visando atingir todas as pessoas, fiz a arte visando atingir os fãs da banda. No desenho tem muitas referências que a maioria das pessoas não entenderam. Tem referências às músicas da banda, como Kill The Poor [matar os pobres em tradução livre] ou Religious Vomit, em que eles criticam os radicais religiosos. Veja, não era uma crítica ao cristianismo de maneira geral. Até porque eu tenho uma família inteira cristã e que não me enche o saco, apesar de eu não ser. Eu estava visando o público-alvo, os fãs da banda e acabou que saiu dessa bolha dos fãs e foi parar no povão.
Mas a crítica existia na arte...
...Sim. De toda forma, a crítica que eu desenhei foi sim visando essa galera que vestiu a carapuça, porque a crítica ali é à classe média armamentista, que se acha milionária, mas que não é milionária. Foi aos devotos do estilo de vida americano, relacionado a armas - por sinal muito brega, muito cafona esse estilo de vida. Eles juntam dinheiro o ano inteiro para ir para Miami, para comprar umas camisas da Hollister, e se acham ricas, acham que tem o direito de ter uma arma porque se acham superiores aos pobres. Eles não dão nem ?bom dia? ao porteiro. É uma crítica a isso, que é tudo muito clichê, muito comum no Brasil. Tem uma alfinetada no presidente, mas não é diretamente ao presidente. A crítica foi principalmente a esse estereótipo aí, que, inclusive, também apoiou outros presidentes no passado.