Arapiraca acumula em seu portfólio figuras como Marta Eugênia, professora e poetisa, apaixonada pelas letras e pela cidade onde nasceu. Ela descreve com entusiasmo o que faz da cidade um núcleo tão rico em produção cultural: “Arapiraca é uma cidade jovem, acolhedora e dinâmica. A influência da Feira Livre, do tempo intitulado Ouro Negro, e a mistura de pessoas vindas de outros lugares contribuem para essa pluralidade cultural. A cidade vai muito além da história convencional de Manoel André, fundador de Arapiraca; ela conta com as vozes das comunidades quilombolas e com uma diversidade que reflete na economia e na cultura”, conta Marta.
Além de poetisa, Marta Eugênia organiza a Feira Literária de Arapiraca (Fliara), um evento que fortalece a memória cultural da cidade. “As produções literárias falam dos patrimônios materiais e imateriais dessa cidade centenária. Algumas dessas obras foram apresentadas à sociedade na segunda edição da feira literária, a Fliara”, explica Marta.
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Quem também enaltece o papel da Feira de Arapiraca como um verdadeiro ímã cultural é Breno Airan, poeta, jornalista e músico. Breno retrocede à década de 1970, quando a Feira Livre era uma das maiores do Nordeste, e a cultura popular se misturava ao comércio local.
“O município tinha a Feira Livre de Arapiraca, considerada uma das maiores da região, e, no meio dessa feira, cantadores, emboladores, cordelistas e sanfoneiros ofereciam à população um outro tipo de alimento: a cultura popular. Não eram apenas os produtos nas bancas que alimentavam o nosso povo”, reflete Breno.
Além da feira, Breno lembra de como a cidade serviu de inspiração para um dos maiores nomes da música brasileira: Hermeto Pascoal. “Hermeto Pascoal, que nasceu em Lagoa da Canoa, quando ainda pertencia a Arapiraca, sempre destacou que a feira da cidade foi uma escola para ele, tanto para o ouvido quanto para o improviso”, afirma.
Outro nome marcante citado por Breno é o de Nelson Rosa, mestre do coco de roda que levou as tradições do samba de coco das destaladeiras de fumo de Arapiraca para os quatro cantos do Brasil. “Nelson Rosa, que era Patrimônio Vivo da Cultura Alagoana, formou um grupo na Vila Fernandes e rodou o Brasil, mostrando o coco de roda e as canções das destaladeiras de fumo. Ele levou a nossa cultura aonde poucos imaginariam que ela poderia chegar”, destaca.
Por vezes, o talento artístico é uma herança transmitida de geração em geração. Cícero Brito, artista plástico e pai do poeta Breno Airan, preparou uma exposição especial em homenagem ao centenário de Arapiraca. Suas obras refletem a memória arquitetônica da cidade, destacando monumentos que foram demolidos, mas que ele busca preservar em sua arte. “Muitos dos monumentos históricos de Arapiraca estão prestes a ser demolidos, ao invés de serem tombados. Eu os retrato em minhas obras para que a memória desses espaços não se perca”, lamenta Cícero.
Assim como Breno, Cícero também ressalta a importância do comércio do fumo para a economia e a cultura de Arapiraca, e faz um apelo para que mais espaços culturais sejam criados. “Arapiraca tem um celeiro de artistas plásticos e visuais de enorme talento, mas falta incentivo. Sempre peço ao prefeito Luciano Barbosa que construa uma galeria, pois nós temos espaços, mas carecemos de uma galeria de arte para expor esses trabalhos”, sugere.
A arte pública também tem seu espaço em Arapiraca, como demonstrado pelo escultor Albério Carvalho. Suas esculturas urbanas embelezam as ruas, como o globo localizado no Bosque das Arapiracas, criado em homenagem à passagem da tocha olímpica pela cidade. Outra obra sua pode ser encontrada na praça Luiz Pereira Lima. Albério, que também trabalha com realidade aumentada e virtual, vê nos artistas de Arapiraca verdadeiros guardiões da história local.
“Acredito que o trabalho dos artistas da nossa região é o que melhor representa os 100 anos de Arapiraca. É através da arte e da cultura que preservamos os símbolos e momentos mais importantes da nossa história, e é isso que vamos deixar como legado para o futuro”, reflete Albério.
A arte em Arapiraca não se limita às exposições e eventos que ocorrem dentro da cidade. Albério Carvalho, escultor e defensor da preservação do patrimônio histórico local, vê em suas criações uma forma de manter vivas as memórias da cidade. Ele, que trabalha com tecnologias como realidade virtual e aumentada, tem dedicado parte de sua obra à reprodução de edifícios e espaços que já não existem mais, imortalizando-os através da arte digital.
“Tenho trabalhado com patrimônios históricos que já desapareceram. Utilizo a tecnologia para recriá-los em plataformas digitais, permitindo que as novas gerações conheçam esses símbolos que um dia foram tão importantes para Arapiraca”, explica Albério.
A proposta de Albério vai além da preservação: ele acredita que os artistas têm um papel fundamental como guardiões da história. “Acredito muito que os trabalhos dos artistas locais são o que temos de mais forte para representar o nosso tempo. É a arte que vai contar a história de Arapiraca no futuro, pois ela preserva de forma real e verdadeira os símbolos de cada momento”, reflete.
O cinema também tem desempenhado um papel fundamental na preservação e contação dessas histórias. O cineasta e coordenador do Navi (Núcleo do Audiovisual de Arapiraca), Wagno Godez, faz uma breve análise do cenário audiovisual da cidade, comparando-o a um jovem em busca de seu lugar no mundo. “Arapiraca, em seus cem anos, é como um jovem que está descobrindo seu lugar. O cinema da cidade é assim: procura contar histórias inspiradas no cotidiano local, no jeito de viver e pensar da sua gente”, observa Wagno.
Ele complementa afirmando que o audiovisual é uma forma poderosa de preservar a cultura de um povo, permitindo que as histórias da cidade sejam contadas de maneira original e autêntica. “Os filmes produzidos aqui têm a essência da nossa cultura. Eles carregam nosso ponto de vista sobre o mundo, e isso é essencial para garantir que a nossa história seja sempre contada e lembrada”, reflete o cineasta.
A relevância do cinema em Arapiraca foi reforçada em 2024, durante a terceira edição do Festival de Cinema de Arapiraca, realizada no CineSystem. O evento exibiu filmes locais e estaduais que destacaram a produção audiovisual da cidade, incluindo as obras de Wagno Godez. Breno Airan, que também esteve presente no festival, compartilha a emoção de ver o cinema arapiraquense brilhar em uma tela de grande proporção.
“Ver os filmes de Arapiraca em um telão é uma emoção indescritível. Películas como ‘O Canto’, de Isadora Magalhães e Izabela Vitória, e ‘Besta-Fera’, de Wagno Godez, são símbolos desse novo momento do audiovisual local. Esses filmes têm sido premiados em festivais pelo Brasil e são marcadores-chave da nossa cultura cinematográfica”, comenta Breno.
Essa efervescência cultural não se limita ao cinema. Arapiraca também tem uma rica tradição musical, e artistas locais têm feito história. Janu Leite, músico nascido e criado na cidade, reflete sobre a cena musical arapiraquense, destacando tanto nomes antigos quanto as novas gerações que continuam a reinventar a música local.
“A música autoral de Arapiraca sempre foi muito eclética, diversa. Desde os tempos de Hermeto Pascoal até as bandas de rock mais contemporâneas, sempre tivemos uma cena musical pulsante. Bandas como Mopho e Casa da Mata mostram que nosso regionalismo pode ser explorado em qualquer estilo”, reflete Janu.
Ele também fala sobre suas próprias criações e o quanto elas estão intrinsecamente ligadas à cidade. “Desde meu primeiro trabalho, sempre coloquei Arapiraca nas minhas músicas. Algumas delas falam de ruas, de bairros, de pessoas da cidade. ‘Teu Sorriso’, que gravei com as destaladeiras de fumo, tem sido usado em trilhas de documentários e filmes. Arapiraca está presente em cada acorde”, afirma o músico.
A diversidade cultural de Arapiraca também é destacada pela historiadora Ana Karlla Messias, que enxerga a cidade como um caldeirão de influências e estéticas que transcendem as fronteiras do Agreste alagoano. “Arapiraca é um lugar onde o campo e a cidade se misturam. Somos um ‘entre’ — entre o Sertão e o Litoral, entre o rural e o urbano. Essa identidade híbrida é o que marca nossa estética. Hoje, a cidade se alimenta da diversidade trazida pela feira, pelas influências de outros municípios e até de outros estados”, reflete Ana Karlla.
Ela aponta que, apesar de a feira não ter mais o tamanho de outrora, sua força ainda ressoa nas manifestações culturais. “A feira sempre foi um espaço onde culturas se encontravam. Hoje, temos festivais de rock acontecendo na mesma praça onde, dias depois, se toca forró. A diversidade cultural de Arapiraca é uma das suas maiores riquezas, e estamos em um processo de nos reconhecer cada vez mais através dessa pluralidade”, explica a historiadora.
A proposta de Ana Karlla para os próximos 100 anos de Arapiraca é a construção de uma identidade ainda mais forte, enraizada na diversidade e na pluralidade. “Arapiraca está em um processo de compreensão de sua própria identidade. Somos uma cidade diversa e única, e precisamos reconhecer isso. Nossa história está sendo construída a partir dessa diversidade cultural, e o futuro nos reserva uma maior potencialização dessa identidade”, conclui.