Rua Sá e Albuquerque, 450, Jaraguá. Nesse endereço, numa rua calçada principalmente por memórias festivas dos carnavais e noites quentes de outrora, Maceió ganhará, a partir do dia 1º de fevereiro de 2025, um teatro para chamar de seu — ou de nosso.
O Theatro Homerinho, que levou seis anos para abrir as portas, finalmente poderá receber o público e os artistas em dias e noites que prometem ser tão memoráveis quanto merece aquele bairro boêmio e histórico.
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Trata-se de um teatro particular, construído aos poucos e que, antes mesmo de abrir, enfrentou e venceu uma pandemia. A perspectiva da proprietária, a atriz alagoana Ivana Iza, é que o empreendimento impulsione a cena criativa local e abrace o público com uma programação consistente e exclusiva.
“Muita gente acha que o que estamos fazendo aqui é algo muito alternativo. Não entendem que estamos fazendo aqui um teatro real, com urdimentos, com equipamentos, mesa de som, luz, refletores, tudo de altíssimo nível, palco italiano, bambolina, cortina vermelha, camarins, cabine, a gente tem tudo aqui. É um negócio próspero, feito para movimentar tudo. Tem muito sonho aqui também, mas é um negócio sério”, adianta Ivana.
Urdimentos artesanais e dois camarins
Quando Ivana Iza entrou pela primeira vez no espaço que hoje é o Theatro Homerinho, falou em voz alta - como se o sagrado palco, batizado com o nome da pianista Selma Britto, já existisse e um espetáculo estivesse prestes a começar. E estava. A atriz, uma das maiores personalidades das artes dramáticas de Alagoas, conta que pediu licença e informou, em alto e bom som, do seu respeito pela ancestralidade daquele bairro e daquela casa. Disse que estava ali para construir um sonho capaz de fazer milhares de pessoas sonharem também: um novo teatro.
De lá para cá, seis anos se passaram. O que parecia a cena soturna de um filme de suspense virou um palco italiano com urdimentos artesanais, em um espaço climatizado, bem iluminado, com dois camarins, banheiros com acessibilidade, cabine técnica com equipamentos de última geração, uma arquibancada acolchoada, um café na entrada e uma fachada que salta aos olhos de quem passa por ali e parece ter saído de um cordel ou de um cartum.
A ideia de construir um teatro surgiu há quase duas décadas, mas só começou a ser posta em prática em 2019, quando o artista e professor Tainan Costa Canário, que até então era casado com Ivana Iza, foi pagar uma conta nas proximidades, viu aquele prédio e resolveu alugá-lo. Foi exatamente assim: ele passou por ali, conversou com o proprietário, alugou e em seguida fez uma chamada de vídeo para dizer à Ivana que aquele antigo sonho da atriz poderia começar a sair do papel.
“Eu não acho que demorou. Acho que o Homerinho abre as portas no tempo certo dele. Todos os percalços, a incredibilidade em relação ao nosso sucesso, tudo isso só nos fortaleceu. Quantas pessoas não desistiram dos seus negócios nos últimos seis anos, com a pandemia? Nós estamos aqui. Atravessamos aquilo tudo e estamos prestes a abrir as portas, em um grande carnaval que vai mudar tudo”, diz Ivana Iza.
Agora que está pronto, o Theatro Homerinho abre suas portas no dia 1º de fevereiro, às 17h, com uma celebração que vai além do seu espaço físico, irá abraçar o Jaraguá. A concentração da festa será na praça Dois Leões, de onde uma banda fanfarra guiará o público pelas ruas do bairro. Ivana Iza alerta: a inauguração terá como tema o teatro de revista, ou seja, quem se sentir à vontade já pode adiantar suas fantasias carnavalescas, vestir-se de brilho, lantejoulas e plumas, colorindo o cortejo que irá da praça à entrada do teatro.
Lá, artistas como Júnior Almeida, Kel Monalisa, Igbonan Rocha, Cris Braun, Llari, Flora, Telma César, Irina Costa, Elvira Barreto e muitos outros, além de mestres da cultura popular, atores e atrizes, irão se apresentar e atestar o nascimento do mais novo teatro da cidade.
UM NOVO DIA PARA A ARTE ALAGOANA
“Eu sempre quis abrir um teatro. E a minha motivação é, em primeiro lugar, o público. Sem público não tem artista e isso é o que nos move. Em segundo lugar, claro, a cena. A gente tem um hiato que me incomoda na produção artística local. Temos poucos espaços: ou são muito caros ou não atendem às necessidades dos artistas. Ou estão sucateados ou mal equipados, aí você tem que alugar equipamentos por fora para poder se apresentar. É essa a realidade que queremos mudar”, afirma Ivana Iza.
Ao longo dos anos, além da atriz de sucesso que levou mais de 50 mil pessoas ao teatro em Alagoas, Ivana Iza foi uma voz importante na luta por pautas mais acessíveis nos teatros públicos e por uma cena na qual os artistas não tivessem que se apresentar apenas uma vez por ano. Até o momento, no entanto, essa realidade mudou muito pouco. Para ela, o problema, no entanto, não está apenas no desinteresse por arte.
“Eu acredito piamente no público e na sua vontade de consumir coisas novas na cidade. Esse não é o problema. É muito poderoso, mas triste também, quando você pensa que só existe um único artista em cena, fazendo coisas, produzindo com consistência, que é o Christiano Marinho - que precisa ser louvado por isso. Mas como pode uma cidade inteira ter um único artista? Precisamos que nossos colegas artistas despertem e voltem a produzir, precisamos ir atrás dessas pessoas. Elas existem, mas estão mal apoiadas, desestimuladas, solitárias”, diz Ivana, elencando alguns dos desafios que o Homerinho tem pela frente.
“‘Eu me afastei dos palcos para construir um. Fui dirigir cinema, fui escrever teatro, fui dirigir teatro para outras pessoas. E acho que isso foi bom, inclusive, enquanto atriz. Agora, está na hora de voltar. Com o Homerinho, espero fazer com que esse movimento artístico volte a respirar com mais facilidade. Depois de tudo que a gente passou, pandemia, perdas, crises, inclusive as existenciais, que a gente consiga realizar as coisas. Eu acho que sou a prova de que isso é possível. Eu já fui a prova disso quando fiz meus espetáculos, quando fui para São Paulo, quando fiz isso e aquilo. Mas realizar isso aqui reforça que há poder em todas as pessoas. A gente precisa acreditar que essa força existe e se unir a pessoas que têm a mesma vontade. Foi isso que fizemos aqui e o resultado é este teatro lindo, prestes a ser aberto. Vamos inaugurar um novo dia para a arte alagoana”, continua Ivana.
Theatro Homerinho: o sonho coletivo que transforma a arte em Alagoas
Com um investimento de R$ 1,3 milhão, o Theatro Homerinho nasce como fruto de persistência e coletividade. “Eu costumo dizer que sou bandeira de mim mesma. Mas, se eu sou uma bandeira, sou carregada por muita gente. Aqui tem o esforço de muitas pessoas, não apenas o meu e do Tainan. São pessoas que nos deram as mãos, que incentivaram, que apoiaram financeiramente, que acreditaram que o Theatro Homerinho é um negócio sério, com capacidade para existir plenamente”, afirma Ivana Iza.
O modelo de negócio do teatro prevê uma programação diversificada, selecionada por artistas e especialistas. No primeiro ano, não haverá temporadas fixas, para que mais pessoas possam ocupar o espaço. Além disso, o Homerinho funcionará como sala de cinema, receberá eventos e abrigará cursos permanentes. “Nosso intuito é criar uma dinâmica que atenda a todas as vertentes artísticas”, explica Ivana.
Para garantir isso, o local contará com a curadoria do Grupo Gajuru, que, juntamente com a administração do teatro, selecionará atrações locais e nacionais. Quem se interessar em realizar eventos ou espetáculos no local, deverá entrar no site do Homerinho e enviar uma proposta. Na sequência, a curadoria entrará em contato para o alinhamento.
O local conta com capacidade para até 130 pessoas. Na frente do palco há um espaço com cadeiras removíveis, que podem ser retiradas para a realização de eventos dançantes, por exemplo.
“Todo o espaço é adaptável e moderno, capaz de atender as mais diversas demandas. Quer lançar seu livro, realizar um evento, apresentar um espetáculo ou um show? O Homerinho é capaz de atender. Neste primeiro momento, estamos focados em trazer o público, então, em breve, divulgaremos nossos primeiros espetáculos, já em fevereiro, para que as pessoas venham, conheçam e indiquem o local”, continua a empresária.
No dia 6 de setembro do ano passado, a atriz Vera Holtz visitou as obras do Theatro Homerinho. Em um vídeo publicado nas redes sociais, uma das damas do teatro nacional se mostrou impressionada com a caixa cênica e disse que o empreendimento não deve nada aos teatros Brasil afora.
‘ESTÁ ENTREGUE’
A pandemia está cinco anos no passado, a ressaca daquele isolamento também se encaminha para seu fim. O público já lota salas de teatro em outros estados do país e essa arte milenar exibe mais uma vez a sua força. Para Ivana Iza, isso nunca foi uma dúvida, e o gosto do público pela experiência presencial também voltará em Alagoas. “A tecnologia é maravilhosa, ela encurta tantos caminhos e nos faz realizar muito além do que imaginamos. Mas nada pode substituir o poder de uma sala de teatro, o calor dos aplausos, a emoção, o olho no olho. Acredito no teatro porque acredito na humanidade”, afirma.
Ela analisa que o Theatro Homerinho nasce no momento certo e diz sentir orgulho da trajetória até aqui. A inauguração no dia 1º chega como uma coroação dos seus quase 30 anos de carreira artística.
“Eu me sinto, e sempre foi assim, uma pessoa muito poderosa. Eu sempre me achei muito poderosa nos meus desejos, nos meus anseios, no que eu me proponho a fazer. Porque as minhas realizações sempre estão cercadas de uma dignidade que eu prezo desde que nasci, entendeu? Cada texto ensaiado e apresentado, cada cenário montado, cada figurino, este teatro, tudo foi feito pensando em colocar neles o que eu tenho em mim”, afirma a atriz, que continua.
“Tudo para mim ainda está em um lugar surreal. Eu penso que abriremos no dia 1º e parece que nem é verdade. Mas agora é real, é concreto, é o dia da realização da potência máxima, talvez, do que eu podia oferecer para este planeta. Eu fiz uma filha, a Cora, e hoje a gente constrói algo que não é pra mim, é uma força coletiva, que não tem só eu, tem tanta gente e é pra tanta gente”, finaliza.
O Theatro Homerinho foi idealizado por Ivana Iza e Tainan Costa Canário. Ricardo Costa é colaborador do espaço. O cenotécnico é Daniel Babu. A arquiteta responsável é Thays Gabrielly. Os arquitetos Henrique Gomes e Ariane Pitta também colaboraram. A Associação Cultural Gajuru é o grupo residente do espaço e auxiliará na curadoria. A responsável técnica pela finalização da obra é a Caya Engenharia. O local conta com o patrocínio do Curso Passarinho, Casa das Tintas, Miracor, Macelog e Apoio Security. Além do apoio cultural da Secult, do Sebrae Alagoas, da Agência Cilibrina e da Artwork Publicidade.
O HOMENAGEADO
O nome do novo teatro é uma referência ao dramaturgo, professor de artes dramáticas, diretor teatral e personalidade da cultura alagoana Homero Cavalcante. Integrante da Associação Teatral das Alagoas, Homero foi aprendiz de Linda Mascarenhas e, como docente da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), formou gerações de artistas no estado.
“E é claro que fico muito lisonjeado, muito feliz com essa homenagem à minha pessoa, dando meu nome de carinho, do jeito que ela me trata: Homerinho. É uma materialização desse carinho. Agora, entendo que é uma metáfora, pois junto ao meu nome estão os nomes de outros artistas muito anteriores a nós e que convivem com ela”, diz Homero.
Para o professor, o novo teatro servirá como impulso para mudar a cena alagoana, que assumirá definitivamente sua posição de cadeia produtiva.
“E também será importante para as companhias itinerantes que aportarem aqui. Ou seja, o Theatro Homerinho é importante para a cidade e para o Brasil. É um momento muito interessante e peculiar. E é importante que as pessoas reconheçam o valor dessa iniciativa da Ivana e do Tainan. Que venha o Theatro Homerinho, seus espetáculos, oficinas, as rodas de conversa”.
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