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HOME > notícias > CULTURA

Obra de Graciliano Ramos deve cair em domínio público

Morte do escritor alagoano completa 70 anos e neto defende mudança na lei dos direitos autorais

Além dos 70 anos da morte do escritor alagoano Graciliano Ramos, que faleceu em 20 de março de 1953, este ano marca o início da contagem regressiva para que a obra do Mestre Graça, uma das bibliografias mais importantes da literatura brasileira, caia em domínio público. A partir de janeiro de 2024, obras como “Vidas Secas” e “Angústia” poderão ser editadas por qualquer pessoa, assim como podem ganhar desdobramentos criativos.

Nascido em 27 de outubro de 1892, na cidade de Quebrangulo, no interior de Alagoas, Graciliano Ramos morreu aos 60 anos, vítima de um câncer no pulmão. Além de escritor, foi político. Chegou a ser prefeito da cidade de Palmeira dos Índios (AL), foi preso durante o governo Getúlio Vargas, em 1953, acusado de subversão, e era filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB).

Agora, após mais de 70 anos desde o falecimento do escritor, obras como “São Bernardo” e “Memórias do Cárcere” continuam surpreendendo leitores de todas as idades, que se deparam com uma escrita tão seca quanto criativa e redescobrem realidades nordestinas e brasileiras nos livros de Graciliano. E as histórias continuam atuais, defende Ricardo Ramos Filho, neto do quebrangulense.

“As obras de Graciliano Ramos seguem pertinentes para todas as gerações. Em relação ao Brasil descrito por ele, nada mudou. Continuamos enfrentando os mesmos problemas. E ele era um escritor que tratava do social, mas sem fazer discurso”, analisa o neto de Graciliano.

Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo e passou parte da infância em Viçosa, também em AL
Graciliano Ramos nasceu em Quebrangulo e passou parte da infância em Viçosa, também em AL | Foto: Reprodução

“Aqueles retirantes de Vidas Secas poderiam, por exemplo, ser os imigrantes sírios que vemos nos dias atuais, evidenciando que trata-se de uma história universal. Paulo Honório, o coronel de São Bernardo, é um coronel de qualquer lugar do mundo, em seu cerne. O ciúme que corrói, em Angústia, é um ciúme que existe em todos os lugares do mundo”, continua.

LUTO TRIPLO

Ontem, Ricardo Ramos Filho disse que enfrentou o peso de um luto triplo: “Pela mortes de Graciliano, em 20 de março de 1953; e de meu pai, em 20 de março de 1992. Será que partirei também em um 20 de março? Que medo!”, diz o escritor.

“O terceiro luto é porque a obra de velho Graça entrará em domínio público depois dos 70 anos de sua morte”, desabafa.

O neto de Graciliano Ramos é, assim como o pai e o avô, escritor. Ricardo Ramos Filho é, ainda, presidente da União Brasileira dos Escritores (UBE) e crítico ferrenho das leis que regem o direito autoral no Brasil, principalmente no que se refere ao domínio público.

“Meu terceiro luto é, principalmente, porque isso [ o fato de a obra cair em domínio público] traz um prejuízo grande para a família, porque há idosos que dependem disso para viver. Familiares de Graciliano Ramos que correm o risco de terminar a vida sem dignidade”, afirma.

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“Mas vejo também que o domínio público, como está posto, não é benéfico para ninguém. Os textos, mesmo protegidos, são pirateados há muito tempo na internet, qualquer um consegue ter acesso e ninguém nunca conseguiu lidar com isso. Com o fim dos direitos dos familiares, as editoras continuam recebendo o que conseguirem vender. E para o escritor, nada?”, questiona Ramos.

“Vejo que, caindo em domínio público, a integridade da obra de Graciliano Ramos corre um sério risco”, argumenta.

Ele continua: “Hoje em dia as pessoas estão vivendo mais. Por mim, esse direito iria para a casa dos 90 anos. Não vejo sentido”.

O neto de Graciliano Ramos pleiteia que, antes de a obra do alagoano cair em domínio público, uma alteração na lei beneficie não apenas os próprios familiares, mas herdeiros de outros grandes escritores e artistas com mais idade.

“Conheço diversos escritores que terminam a vida vivendo pela bondade dos amigos. Terminam a vida sem dignidade. Não vou citar nomes, mas teve um escritor que faleceu e precisou da ajuda de amigos para que sua cremação fosse feita”, revela Ricardo Ramos

“Penso que a lei poderia ser alterada, porque não traz benefícios a ninguém, nem aos leitores”, reitera.

Neto de Graciliano, Ricardo Ramos Filho também é escritor
Neto de Graciliano, Ricardo Ramos Filho também é escritor | Foto: Reprodução

O temor do neto, que apesar de herdeiro abriu mão, há anos, do lucro proveniente das obras de Graciliano Ramos, é que o domínio público facilite uma “deturpação” da obra de Graciliano Ramos, que tratava a síntese e a precisão como valores da sua literatura.

“Além disso, penso que uma nova lei poderia criar uma instituição, a exemplo da Casa dos Artistas, que recebesse escritores no fim da vida. Onde eles tivessem comida, um quarto para dormir, e pudessem terminar seus dias com a dignidade que merecem. Seria a Casa do Escritor. A nova lei poderia garantir 5% dos lucros das vendas de todos os livros em domínio público para um fundo que contemplasse essa ideia”, propõe Ricardo.

ENTENDA O DOMÍNIO PÚBLICO

Milla Pasan é advogada, consultora em economia criativa, propriedade intelectual e inovação. Especialista na área, ela defende benefícios da lei que rege o direito autoral e regulamenta o domínio público das obras de autores falecidos há mais de 70 anos. Além disso, é uma leitora assídua de Graciliano Ramos.

“Quando falamos que a obra cai em domínio público, significa que passaram os prazos de proteção para usufruto dos direitos patrimoniais dos familiares. Isso quer dizer que a obra poderá ser explorada por todos, mas também não quer dizer que vai virar uma bagunça”, aponta a advogada.

Pasan explica que a preocupação dos familiares de Graciliano Ramos com a integridade da obra é válida, mas diz que a lei em vigor, vigente desde 1998, assegura a preservação da obra.

“Existe o direito patrimonial, que é esse relacionado aos sucessores doi autor, mas também há o direito autoral moral, que continua, é para sempre, e não é negociável. Além dos herdeiros, o Estado passa a ter responsabilidades com essa obra em domínio público, podendo, por exemplo, se opor à modificações que, porventura, prejudiquem a reputação do autor”, detalha.

Milla Pasan é advogada especializada e doutoranda em Propriedade Intelectual
Milla Pasan é advogada especializada e doutoranda em Propriedade Intelectual | Foto: Reprodução/Instagram

Em 2018, familiares de Graciliano Ramos assinaram um acordo com a única editora autorizada a editar a obra do alagoano, a Editora Record, com vigência até 2029. No entanto, apesar do contrato, Milla Pasan explica que, pela atual legislação, a partir de janeiro de 2024, qualquer pessoa poderá publicar obras de Graciliano.

“A partir do trabalho de Graciliano eu posso ter obras derivadas. Como foi o caso de O Pequeno Príncipe, que quando caiu em domínio público, várias editoras publicaram versões do clássico, além dos produtos que foram lançados ligados à obra: copos, sandálias e perfumes. Há toda uma movimentação mercadológica a partir de uma obra que cai em domínio público”, diz.

“Os herdeiros fizeram usufruto da parte patrimonial por 70 anos. É entender que aquilo ainda está amparado e deixar que as obras sigam esse percurso previsto pela lei. As pessoas poderão ter acesso facilitado às obras. Digamos que a Imprensa Oficial Graciliano Ramos faça um acordo com o Governo de Alagoas e publique todas as obras de Graciliano em um formato interessante para estudantes da rede pública. Isso é um dos benefícios da lei do domínio público. Até então, publicar Graciliano era uma exclusividade, mas, agora, será uma possibilidade para todos”, finaliza a especialista.

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