
Há quem garanta que, na época da Segunda Guerra Mundial, quando havia uma pista de pouso para aviões no bairro Vergel do Lago, em Maceió, toaletes para soldados foram instalados na Rua 24 de Outubro, que, inevitavelmente, foi batizada pelo povo como Rua do Banheiro. Mas isso está no passado. Agora, quando se fala nesse logradouro, o que vem à mente é uma jovem de 24 anos, formada em Serviço Social, sem papas na língua e com uma lista de sonhos para realizar. O nome dela é Giovanna Marinho, mas pode chamar de Pitel.
A alagoana teve uma participação meteórica no Big Brother Brasil 2024, surpreendendo o público com sua inteligência e lucidez. A infância difícil, marcada pela fome e pela resistência da mãe — que ganhava R$ 1,50 por cada lata de sururu que vendia — moldou a personalidade da maceioense, que mostrou ao Brasil, não apenas uma jogadora, mas uma mulher protagonista da sua história, segura de si mesma e que se recusa a perpetuar a vulnerabilidade que cercava sua família há gerações.
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Da Rua do Banheiro para o mundo, Giovanna Pitel vive um dos mais cobiçados pós-BBBs: querida pelo público, com mais de 1,5 milhão de seguidores no Instagram, a assistente social toma fôlego para mergulhar de cabeça na carreira artística, terá seu próprio programa no canal Multishow, é desejada pela publicidade e, afirma, vai usar tudo isso para perseguir seus objetivos: comprar uma casa para a mãe, garantir uma velhice tranquila para a avó e uma vida digna para seus irmãos e sobrinhos.
Em entrevista exclusiva à Gazeta de Alagoas, Pitel detalha seus novos passos, revisita sua história, declara amor a Maceió e garante: não vai parar de surpreender. Confira a nossa conversa.
GAZETA DE ALAGOAS: Como era sua vida antes do BBB, no Vergel?
GIOVANA PITEL: Eu nasci e fui criada no Vergel. E foi uma vida normal, uma vida do Vergel. Passamos por várias nuances da vulnerabilidade, que, acredito, ser o normal para muita gente que vive naquele bairro e passa por fome, por pobreza, por miséria, dependendo da pesca, da limpeza do sururu. A minha história está totalmente ligada ao meu bairro, eu estudei ali, fiz minhas amizades lá, trabalhei em um supermercado grande da região, nunca tinha saído, até pouco tempo, daquele trecho Vergel-Centro, sabe?
Lá em casa, éramos cinco, antes éramos seis, mas uma das minhas irmãs não conseguiu crescer, justamente por causa da fome. Era todo mundo vivendo com um só salário mínimo e um aluguel pra pagar. Era difícil.
Mas você conseguiu estudar, se formou em Serviço Social. Sempre foi sua escolha, a educação fez diferença na sua vida?
Eu sempre quis estudar, sempre achei que era o que me salvaria, que era a única oportunidade que eu tinha de sair daquela situação. Serviço Social era o sonho da minha vó, ela que me incentivou. Estudei, estudei, mas não passei na universidade federal. Mas achei uma faculdade que cabia no bolso de uma assalariada, na época, e comecei a estudar.
Quando consegui, finalmente, mudar algo, foi quando consegui um emprego na minha área, que pagava o maior salário que eu já tinha visto na minha vida, dois mil e quinhentos reais.
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E quando surgiu a ideia de se inscrever no BBB?
Eu tava assistindo e pensei: será que essa é a minha chance? E foi. Me inscrevi pela primeira vez, não deu em nada. Não me frustrei porque não esperava. Mas aí, de 2023 para 2024, me chamaram.
De todo mundo que me cerca, ninguém recebe mais que um salário mínimo. Eu estava condicionada a pensar que essa também seria a minha vida. Então, me chamaram para o BBB quando eu tinha acabado de me formar e começar a ganhar o maior salário da minha vida. Pra mim, eu já tinha vencido. Então, fiquei pensando se largava tudo para ir para o Big Brother. Tanto que nem saí do emprego, já pensando que, se não desse certo, eu poderia voltar e implorar pelo meu emprego de volta.
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E como você definiria esses três meses no BBB?
Uma loucura muito grande. Eu poderia passar horas comentando e não ia conseguir descrever os sentimentos que nos perpassam lá dentro. Eu já tentei muito, mas não dá, nada chega perto do que é viver aquilo. São coisas surreais e gigantescas. Você acorda bem, de noite tá brigando, de tarde tá pulando na piscina com quem você brigou no dia anterior.
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Lá dentro, deu tempo de pensar em uma estratégia de jogo, a saudade de casa apertava, como era?
Eu sou alguém de pequenas metas. Às vezes, as coisas demoram tanto pra acontecer na vida da gente que não sentimos que elas pertencem a nós. Aconteceu isso comigo lá dentro. Minha primeira meta era me livrar de paredões e, assim, fui ficando. Fiquei 90 dias praticamente.
Eu evitava pensar neles aqui fora, mas eu sabia que estava lá por eles. Quando eu não saí com o prêmio, as pessoas me perguntaram o que eu ia fazer, onde eu ia morar, o que eu ia fazer da minha vida. E a minha resposta continua sendo a mesma, eu vou fazer o que é melhor para a minha família. Se o melhor para a minha família for trabalhar em São Paulo, no Rio, onde for, é isso que eu vou fazer. Meu propósito maior sempre foram eles. E eu não tô falando de muito dinheiro não, sabe? Eu tô falando de uma casa para minha mãe, tô falando de ela não precisar mais trabalhar como zeladora de prédio, porque é um trabalho muito pesado e o corpo dela já tá dando sinais de que ela não aguenta mais.
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E você está no caminho certo para alcançar isso? Como tem sido o pós-BBB?
Acredito que sim, estou trilhando esse caminho. O pós-programa me trouxe muitas surpresas positivas. Quando eu saí, com 82% dos votos, eu pensei: me lasquei. Vou ter que andar escoltada. Mas me deparei com várias pessoas que gostam de mim. Eu esperava que a vida voltasse ao normal, eu ia voltar pra Maceió, correr atrás do meu emprego e continuar. Eu nunca imaginei e nem almejei, lá dentro ou aqui fora, viver de arte. Porque assim, pra mim, TV é arte, publicidade e propaganda é arte, apresentar um programa é arte. É tudo muito artístico.
Saí, tinha 800 mil seguidores. Eu só pensava no que eu iria falar para esse povo todo. Nunca me imaginei trabalhando com isso.
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E agora você vai ter um programa de TV. Já está acostumada com essa ideia?
Pois é, aí me é dado um programa de TV. Eu nunca apresentei nada na vida. Meu Deus, o que tá acontecendo? Eu ficava me perguntando isso.
Mas, da mesma forma que me preparei para outras coisas, estou me preparando para que isso dê certo, para que o mundo da internet dê certo, para que eu tenha um propósito para a vida das pessoas que me seguem. Não quero que esses números sejam números vazios, quero oferecer algo às pessoas.
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A Fernanda, que foi sua parceira no jogo, te acompanha neste novo desafio que é o programa no Multishow. Ela segue sendo uma parceira aqui fora? Como está essa amizade?
A gente tá num processo de se reconhecer de novo, se reconectar. No BBB, só tínhamos uma a outra. Nossa conexão é muito grande lá dentro. Já aqui fora, é como se precisássemos nos reconhecer, como se fosse outra vida, com um pouco mais de conexão e intimidade. Mas aqui a gente precisa conhecer uma a família da outra, ela precisa conhecer minhas crianças, meus sobrinhos, a gente precisa fortalecer a amizade. Mas agora, o contexto é a vida. Lá dentro, nossos problemas eram os do programa, aqui, são os do dia a dia. Ninguém tá preocupado mais com paredão ou prova do líder que vai ter à noite, e sim com criança que fica doente, é menino para levar para escola, carro para organizar, entrevistas, a rotina. Agora, a gente pode perguntar como foi o dia uma da outra. Estamos nesse pé, nos conhecendo nesse contexto novo e fortalecendo nossa amizade.
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E diante de tudo isso, tá sendo possível viver a família, seu relacionamento, o coração tá bem?
Eu tô em paz. Eu sentia muita saudade da minha família durante o programa. Quando eu saí, eu disse pra mim mesma que ia segurar a saudade para ir trabalhar e conquistar o melhor pra gente. Nossa conexão é no WhatsApp. Eu sempre fui a cabeça da casa, a que resolvia as coisas. Eles sentiram muita falta disso, mas conseguiram se reorganizar. Mas eu tô sempre ali supervisionando, querendo saber o que está acontecendo com eles. A gente encontrou novas formas de nos aproximar, mesmo de longe.
Meu relacionamento tá bem. Weslley tem me acompanhado em tudo que é possível nessa nova realidade. Eu tô em paz com isso, porque eu consegui encontrar uma dinâmica que funcionasse no meu relacionamento, até para que nada disso pese na minha nova vida, nem que a minha nova vida pese na vida deles. Estamos todos em paz.
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Como você se definiria hoje?
Como alguém que está buscando mudar a vida da minha família. Essa era a busca quando eu comecei a estudar, foi isso que eu busquei quando aceitei um trabalho na minha área que pagava o maior salário que eu vi na vida. E é isso que eu busco aqui fora. Toda a minha história se resume nessa busca, em fazer o que é melhor para eles. Eu sou a busca pelo melhor para os meus. Eu quero um plano de saúde para as minhas crianças, eu quero uma moradia para a minha mãe, quero que ela pare de trabalhar pesado sabendo que aquele teto é dela. Eu quero pagar uma boa educação para as crianças, quero que minha avó tenha uma velhice mais descansada, o que é algo quase impossível para quem vive onde eu vivi a vida inteira, porque a vulnerabilidade não permite que você descanse nunca, nem na velhice.

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E depois disso, o que você quer fazer?
Depois de tudo que eu falei, da escola para as crianças, da casa pra minha mãe, das condições pra minha mãe parar de trabalhar tanto, eu quero muito poder viajar. Quero conhecer novas culturas, novos lugares. Quero acrescentar outras histórias nessa minha história.
Quando eu me sentir livre desses sonhos, tenho o sonho de conhecer um bocado de gente, quero que muitas culturas me completem e quero um pouquinho de cada canto desse mundo gigantesco comigo. Esse é o meu sonho, o sonho da Pitel. Quero conhecer cada cantinho do meu Nordeste e depois sair pelo Brasil, de Norte a Sul, para depois ir para o mundo e descobri-lo.
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E, para finalizar, como você define sua relação com Maceió?
A minha cidade é a minha história. Você olha para o meu bairro, para a minha cidade e ele conta quem eu sou. Ali, eu nasci, cresci, é a minha terra. É no pôr do sol de Maceió, uma das coisas mais lindas que existem no mundo, que eu me enxergo. É na Lagoa Mundaú, que por um bom tempo significou sustento, que eu me vejo. As crianças brincando na rua, na Rua do Banheiro, onde eu ficava na porta, no sereno com minhas amigas, só conversando, fazendo bolo de terra, aquilo é a extensão de mim. Eu quero carregar minha terra comigo.
Quando eu estive com o nosso prefeito, JHC, ele falou que eu mostrava saber muito sobre a cidade, que eu falava como alguém que sabia como as coisas funcionam. E eu disse pra ele que essa é a minha vida, essa foi a minha vida, uma vida real. Como eu não conheceria a renda de filé, como eu não conheceria a Rota do Mar, que conectou a parte alta às praias e deu acesso facilitou o acesso das periferias a essas áreas? Como eu não conheceria a reforma da Lagoa e como aquelas mudanças estruturais ali na região mudaram a vida de tanta gente? Como eu não conheceria o dano que uma empresa privada causou a tantas pessoas e famílias com o afundamento do solo? A minha cidade é a minha história, com suas belezas e problemas. A gente sabe que nada é bom toda hora. Nem todo dia é um dia bom. Mas precisamos reconhecer a beleza das coisas. Precisamos compreender e reconhecer quando as coisas estão melhorando.