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Com quatro toneladas, acervo com raridades da música alagoana chega a Maceió

Memorialista Claudevan Melo traz a coleção na bagagem e busca apoio para proteger patrimônio histórico

“O mundo sempre precisou de loucos”, afirma o colecionador e memorialista alagoano Claudevan Melo, que retorna a Maceió após quase 50 anos vivendo em São Paulo-SP. Na bagagem de quatro toneladas, milhares de documentos, cinco mil discos de cera, além de outros de acetato e 78 rotações. Esses pedacinhos da história constituem o maior acervo histórico da música alagoana de todos os tempos e um dos mais preciosos do país.

Claudevan, 70, dedicou os últimos 46 anos ao garimpo. Em vez de pedras preciosas, discos, em vez de ouro, histórias. Ele se apaixonou por música ainda na juventude e encontrou no colecionismo uma maneira de abraçar sua paixão e, de quebra, recuperar o que Alagoas deixou se perder no tempo e, segundo ele, na ausência de políticas públicas direcionadas ao patrimônio histórico e cultural.

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“No decorrer do colecionismo, percebi que muitos artistas grandiosos de Alagoas são completamente desconhecidos pelos alagoanos. Você conhece Jararaca? Conhece Fon Fon? Conhece Misael Domingues? Peterpan? Thelma Soares?”, questiona, empolgado.

O material chegou ao estado em um caminhão, após cerca de dois anos de preparação. Claudevan levou todo esse período para embalar o material adequadamente e, praticamente sozinho, organizar esse tesouro. Nesse tempo, ele conta que tentou trazer o material “de maneira oficial”, mas não obteve respostas. De volta a Alagoas, a expectativa é encontrar maneiras de salvaguardar as raridades e compartilhar seu conteúdo.

“O acervo tem todas as partituras de compositores alagoanos fundamentais e que são muito importantes para a música alagoana e brasileira. A maioria é do século 19”, conta, informando que a coleção também traz discos, gramofones, radiolas, livros, gibis, revistas, fotografias, filmes e artigos pessoais. Tudo ligado ao universo musical alagoano e brasileiro.

Claudevan Melo diz que levou dois anos para embalar adequadamente as peças históricas
Claudevan Melo diz que levou dois anos para embalar adequadamente as peças históricas | Foto: Cortesia

São gravações raras, como a de maestro Fon Fon realizada na Inglaterra e na França entre 1948 e 1951. Exemplares únicos de partituras de Alfredo Leahy, Tertuliano, Sizino Barreiros, Tavares Figueiredo, Misael Domingues e Hekel Tavares. “Entre muitos outros. Adquiri todos os discos gravados no Brasil e nos EUA pela cantora Thelma Soares, que foi revelada por Vinicius de Moraes em 1962”, relata o colecionador.

De Hekel Tavares, que nasceu em Satuba, em 1986, Claudevan possui toda a obra conhecida, além de objetos pessoais adquiridos em leilões e doados pela família do lendário maestro alagoano, que é reverenciado na música erudita do Brasil e do mundo.

Do compositor Jararaca, nascido em Maceió, em 1896, o colecionador diz orgulhoso que também possui todas as gravações já conhecidas e explica que elas são peças únicas. “Antes, isso era comum, porque o disco era uma música apenas, o disco de cera”, afirma.

Trazer de volta o acervo alagoano deixa o colecionador satisfeito. Ele diz imaginar que a sociedade alagoana irá valorizar um trabalho que demorou 46 anos.

“Os alagoanos não são culpados por não conhecerem. Foram gerações consumindo apenas o que tocava no momento, sem terem acesso à própria história. Eu penso que o maior gênio nasceu sabendo absolutamente nada”, diz Claudevan, que diz acreditar que abrir o acervo ao público alagoano seria uma maneira de impactar as pessoas e fazê-las compartilhar as histórias por trás das peças.

“As pessoas sabem de Jesus sem ler a bíblia, muitas vezes sem sequer saber ler. Elas ouvem as suas histórias e se envolvem sem precisar ir até Jerusalém. Acredito que as academias têm sido menos eficientes em difundir as nossas histórias do que deveriam”, completa.

Peças raras estão no acervo particular, como exemplares únicos de discos gravados pelo alagoano Jararaca
Peças raras estão no acervo particular, como exemplares únicos de discos gravados pelo alagoano Jararaca | Foto: Reprodução

Entre as peças do acervo estão as composições de Benedito Silva, um dos compositores do hino de Alagoas. “Só se sabe que ele fez o hino. É como se depois dali ele não existisse. Mas ele escreveu muitas músicas. Bandas do Rio de Janeiro gravaram muitas músicas dele. Eu tenho isso”, conta, relatando em seguida o que o motivou a começar sua coleção.

“Quando eu saí daqui, eu sabia que existia Luiz Gonzaga e Trio Nordestino. Eu achava que isso era o mundo. E ponto. Ponto mesmo”, diz. “Um filho de um colega de trabalho, ao saber que eu era de Alagoas, me perguntou logo se eu conhecia Hekel Tavares. Eu disse que não. Ele me mostrou e eu fiquei - meu Deus, como eu não conhecia uma coisa dessas? E isso me motivou a conhecer”, continua, emendando com mais uma história de colecionador.

“O nosso pianista Misael é um dos mais importantes da música brasileira. Em um dado momento, em 1959, um maestro soube que a Casa Prealle e Cia estava realizando a venda de seu acervo, no Recife. Ele adquiriu um lote e viu que lá tinha uma série de partituras com a escrita muito bem feita, criteriosa e afrancesada. Era assim que os músicos do passado redigiram as partituras de suas valsas e polcas. Ele levou para o Rio de Janeiro. Eram as partituras de Misael, o alagoano”, relata Claudevan.

“Em 1978, Sonia Maria Vieira gravou Misael pela primeira vez. E não parou mais de gravá-lo. Não acho necessário que gostem de Misael. Mas acho que as pessoas têm o direito de saber que tivemos um pianista dessa magnitude. E toda a sua obra está no acervo”, defende.

“TEMO PELO ACERVO PORQUE O HOMEM NÃO É PERENE”

Enquanto não encontra soluções para proteger coleção, material está encaixotado em casa de quatro cômodos
Enquanto não encontra soluções para proteger coleção, material está encaixotado em casa de quatro cômodos | Foto: Cortesia

Em busca de uma maneira de salvaguardar o acervo e difundi-lo para as novas gerações, Claudevan diz que aguarda iniciativas dos governos ou da Universidade Federal de Alagoas. Aberto a propostas para levar o conhecimento acumulado adiante, ele só descarta uma possibilidade: a doação.

“Espero reconhecimento da sociedade, por meio dos órgãos competentes. Já ouvi, antes mesmo de chegar, muitas formas de transformar o acervo em digital, de difundir seu conteúdo. E estou aberto a todas elas, exceto doar”, afirma.

É que para ele, doar seria desfazer-se facilmente de um trabalho árduo ao qual dedicou a vida.

Trazer o acervo para Alagoas era um sonho antigo, que ele realizou ao decidir ficar mais próximo de sua mãe, de 95 anos. Agora, as quatro toneladas de peças históricas estão alojadas em uma casa de quatro cômodos, bem próxima de onde reside sua progenitora.

“Por enquanto está tudo encaixotado. Vou organizando aos poucos. Caso não consiga nenhum apoio para catalogar e digitalizar esse acervo, ele seguirá como uma coleção particular e faremos exposições pontuais”, explica, enfatizando que o acervo não será doado.

“Aprendi, no meu tempo de vida, que doações não são valorizadas. Tem só a folia do dia da doação e mais nada. Não será doado porque me custou grande parte da minha vida. Eu aguardo que um governo, uma universidade, faça algum projeto, alguma coisa. Só não aceito que o acervo vá para um lugar público pra guardar”, ressalta Claudevan.

“Além disso, a doação pela doação é um perigo. Temo pelo acervo porque o homem não é perene. É praxe do político brasileiro trabalhar para destruir o que o outro fez. Então, preciso da garantia”, completa o colecionador, que continua.

“Dessa maneira, nunca seremos um povo evoluído. É preciso um projeto de educação a longo prazo”, completa.

De acordo com Claudevan, é preciso que os governos incluam o patrimônio histórico em seus planos de trabalho.

“Há muito pouco espaço nos projetos de governo para patrimônio. São muitos shows, festas, milhões de seguidores, mas as palavras arquivo, patrimônio, acervo, tudo isso é relegado”, afirma, para em seguida defender o acervo.

“Eu já ajudei muitos músicos com xerox de partituras raras. Muitos desses compositores, pianistas daqui, são muito gravados e reconhecidos lá fora. No Brasil e no exterior”, diz, orgulhoso.

Imagem ilustrativa da imagem Com quatro toneladas, acervo com raridades da música alagoana chega a Maceió
| Foto: Cortesia

“Assessoro pianistas de diversas localidades. Um deles, inclusive, se apresenta em Moscou nos próximos dias, com músicas raríssimas de Misael”, complementa.

“Então, eu questiono: por que não aqui?”, diz.

“O acervo tem gravações únicas de músicas que são poesias de poetas alagoanos que foram musicadas. Nomes como Jorge de Lima e Judas Isgorogota, que é um grande poeta alagoano reconhecido no mundo inteiro e pouco conhecido aqui”, explica o colecionador.

“É de uma riqueza que não posso descrever. Dizem que o mundo sempre precisou de loucos. Eu sou louco por conhecimento”, finaliza Claudevan.

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