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Centenário de Clarice Lispector evidencia influência e atualidade da escritora

Pesquisadores, leitores e artistas comentam histórias e falam sobre as nuances da autora 'quase alagoana'

"Ninguém escreve como Clarice. Clarice não escreve como ninguém". A afirmação de Alceu Amoroso Lima está na orelha do livro "O Lustre",  de 1946. Para os milhares de leitores da 'bruxa', não importa quanto tempo passe, a afirmação continua sendo verdadeira. Os 100 anos do nascimento de Clarice Lispector, celebrados no dia 10 de dezembro, encheu as redes sociais de trechos, lembranças e histórias de leitores apaixonados por uma das mais emblemáticas e complexas escritoras da literatura brasileira. Dada a narrativas aparentemente inocentes, desde o romance de estreia, Perto do Coração Selvagem, de 1943, até os dias de hoje - mesmo com frases soltas lançadas em tuites - o que Clarice sabe mesmo fazer é surpreender leitores.

"A primeira vez que eu li Clarice eu fiquei alguns minutos calado, pensando no que eu tinha lido. Eu já devo ter me deparado com um texto dela quando era mais jovem, porém nunca havia me conectado com algo escrito como ocorreu naquele dia em que eu li o conto O Ovo e a galinha", relata o universitário Thiago dos Santos, de 28 anos.

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Fã da escritora, ele diz que busca reler o conto mencionado de vez em quando, com a finalidade de recriar as impressões que teve na primeira vez que leu.

"Eu não gosto muito da ideia de ler como obrigação e tals. Eu gosto de ler pra me divertir. Mas quando eu leio Clarice, é diferente. Porque ela consegue ser entretenimento de altíssima qualidade e me faz sentir muitas coisas, mesmo que eu não entenda muita coisa, com histórias que parecem apenas relatos mornos, digamos assim", diz.

Clarice, a mulher, se definia como uma dona de casa que escrevia livros e que vivia entre a máquina de escrever, as tarefas domésticas e os filhos para criar. Essa imagem - pode parecer - pouco se conecta com a magnitude da obra da escritora que construiu personagens tão assustadores e simples, como Macabéa.

"Depois eu li A Hora da Estrela e fiquei com uma sensação ainda mais estranha. Fui procurar quem era a mulher que escreveu aquilo tudo. Quando assisti uma entrevista dela fiquei chocado, porque vi uma mulher simples e assustadora, igual às histórias que criava. Foi quando entendi que a Clarice escreve sobre nós, é uma danada", completa o universitário.

Doutora em literatura, a professora Susana Souto, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), diz que os livros clariceanos abordam questões atemporais e que continuam em aberto, o que pode explicar a contínua renovação do interesse pelas obras da nova centenária.

"A obra de Clarice, como toda grande obra, está continuamente provocando novas leituras. Isso ocorre, principalmente, por seu caráter de abertura, de inconclusividade. São textos, contos, romances, crônicas, que não nos dão respostas fechadas, mas sim nos propõem questões sempre complexas e abertas sobre a finitude, o amor, a solidão, e, principalmente, a própria linguagem e suas possibilidades", diz a professora, que baseou sua pesquisa de mestrado na obra de Clarice Lispector.

"A solidão, por exemplo, é uma experiência vivida por todos nós, em diferentes idades e que nos constitui como sujeitos. Somos seres incompletos e seres finitos, então, vivemos essa experiência da solidão e de suas múltiplas faces. Mais agora, talvez, por conta do isolamento com a pandemia de Covid-19. A literatura, a música, o cinema, e todas as formas de arte, foram e são muito importantes para atravessarmos esse isolamento, não só porque preenchemos o nosso tempo com essas obras, mas porque elas também nos ajudam a entender, a atribuir sentido ao que estamos vivendo", completa.

A escrita hermética e cercada por experimentações linguísticas, com enredos difíceis e sem regras de pontuação, é uma outra característica que atrai, para além dos leitores comuns, pesquisadores e entusiastas da linguagem.

"Clarice diz, em uma crônica, que, para ler a sua obra, é preciso ter uma inteligência sensível ou uma sensibilidade inteligente. Esse texto que se faz nesse lugar, ou uma espécie de intervalo, entre pensar e sentir, em que o primeiro não esmaga o segundo, acredito, atrai muitas leitoras e muitos leitores, em tempos diferentes. Ela é muito lida aqui e também fora do país; é a escritora brasileira mais traduzida", evidencia Susana Souto.

A professora também lembra do primeiro contato que teve com a obra de Clarice Lispector, quando tinha 14 anos.

"Viajei com a família de uma amiga, para o interior de Sergipe, em uma festa de São João. No segundo dia, em que estava lá, adoeci e tive que ficar em casa. A dona da casa me indicou Laços de Família, um livro de Clarice que ela amava. Eu já gostava muito de ler, mas não havia lido Clarice. Fiquei encantada. Senti, algo que é comum na experiência de leitoras que amam Clarice, que ela traduzia o que eu sentia, que eu gostaria de ter escrito aquilo. Muita coisa eu não entendia, mas sentia muita vontade de entender", conta.

"O texto me desafiava e eu segui lendo e relendo Clarice. Inclusive, Laços de família foi um dos livros que analisei em minha dissertação de mestrado, feita na USP, muitos anos depois", finaliza Susana Souto.

QUASE ALAGOANA

Nascida Chaya (ou Haya, para alguns) Pinkhasovna Lispector, em Chechelnyk, na Ucrânia, Clarice Lisector chegou ao Brasil ainda bebê, em 1922, com sua família que fugia da perseguição aos judeus após a guerra-civil  de 1917.

Os Lispector chegaram a Maceió, onde Clarice passou parte da infância. Depois, mudaram para Recife e para o Rio de Janeiro, em 1935, cidade em que se estabeleceram definitivamente.

No Brasil, os membros da família aportuguesaram os nomes. O pai Pinkhas ou Pinkhouss passou a ser Pedro, e a mãe Marian ou Mania transformou-se em Marieta. Das filhas, Leah virou Elisa; Tcharna, Tânia; e Chaya, Clarice.

A obra mencionada pelo leitor Thiago dos Santos, A Hora da Estrela, é uma das mais reveladoras quanto à relação de Clarice com Alagoas. O romance é protagonizado pela alagoana Macabéa.

A escritora publicou 18 livros, entre romances, contos e crônicas, e faleceu em 9 de dezembro de 1977, aos 56 anos, um dia antes do seu aniversário. Clarice se declarava brasileira, nordestina e pernambucana, é considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Kafka.

CLARICE EM CENA

Outro leitor que sentiu-se desafiado a investigar as possibilidades dos universos criados por Clarice Lispector foi o ator e diretor Anderson Vieira, do grupo alagoano de teatro Claricena. O grupo aproveitou o dia do centenário para lançar mais um trabalho e estreou, no dia 10, a websérie "Sobreviver é a salvação pois parece que viver não existe".

Assim como todas as produções do Claricena, o texto da série, exibida exclusivamente no Instagram, é original, mas baseado nas incursões do grupo em obras da bruxa Lispector.

"Minha primeira leitura de Clarice foi na faculdade, no curso de teatro. Eu li Perto do Coração Selvagem e não conseguia entender, mas me sentia completamente atraído por aquele universo. Começava ali a vontade de pesquisar e materializar o universo de Clarice", conta Vieira. "Ler Clarice me movia, mas me confundia. Clarice me dava prazer na leitura, mas eu sempre achava que era ingênuo demais, que não entendia nada."

Reconhecida romancista e contista, Lispector também foi dramaturga. Em 1976, inclusive, a escritora contou que  quando tinha nove anos de idade escreveu uma peça de teatro em duas folhas de caderno, depois de assistir a um espetáculo. A aventura infantil pelo teatro tinha até nome, se chamava Pobre menina rica, mas nunca foi publicada. A única peça conhecida de Clarice é a tragédia ?A pecadora queimada e os anjos harmoniosos?, publicada pela primeira vez em 1964. Anderson Vieira conta que foi essa peça que definitivamente fundou o grupo Claricena.

"Quando eu descobri que ela só tinha uma peça escrita, fui correndo ler. Consegui o texto, que até então só possuía uma versão, e resolvi montar. Pensei, se for pra pesquisar Clarice, quero começar pela única peça que ela escreveu. E assim surgiu, em 2013, o Claricena, que é um grupo fluido de atores, que investiga a teatralidade em Clarice", revela.

O grupo possui três espetáculos: "A pecadora e os anjos harmoniosos", "A granja dos corações amargurados" e "Adeus, Clarice". Além das peças, eles resolveram transportar seus experimentos cênicos com a obra de Clarice para as redes sociais, onde já lançaram duas iniciativas.

A primeira, chamada de "Temos Fome", também inspirada em "A pecadora e os anjos harmoniosos". Trata-se de uma experiência teatral "apresentada" pelo whatsapp. A segunda investida foi a websérie que estreou no dia 10 e que terá três episódios. Na série, a obra de Clarice é ponto de partida para falar da pandemia do novo coronavírus.

"A série fala sobre sobrevivência. Se a gente não sente que está lutando, sobrevivendo, a vida perde o sentido. Acho que isso também está muito presente na obra de Clarice: a sobrevivência como uma etapa da vida humana. O fato é que Clarice tem um universo muito vasto e que nos possibilita criar bastante. Então, falamos [na série] de sobreviver ao amor, ao ser mulher, sobre o sobreviver no sentido de arrumar o que comer também durante essa pandemia, sobre tudo isso, todos esses anseios que estiveram tão presentes nessa pandemia", defende o encenador.

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