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Artista alagoano faz sucesso com miniaturas que retratam a periferia

Nascido em Carneiros, no Sertão de AL, Marcelino Nenê vive na capital paulista e se dedica a contar histórias com sua arte

Quando Marcelino desembarcou em São Paulo pela primeira vez, aos 14 anos, estranhou não ver o horizonte em sua amplitude, como acontecia ao contemplar a paisagem sertaneja, em Carneiros, cidadezinha do interior de Alagoas, onde nasceu e cresceu. Em vez do barro e da relva, a fumaça e os arranha-céus. Em vez dos animais, carros e mais carros. Atento a tudo, o menino gravou na memória o que viu, sentiu e pensou, até o momento exato em que percebeu que foi naquele instante que sua vida mudou para sempre.

Em Carneiros, ele costumava revirar os entulhos em busca de materiais que pudessem ser transformados em brinquedos, usava barro, água e cacos de telhas para construir a própria cidade, inspirada naquela estética tão árida quanto bela do lugarejo. Hoje, conhecido como Nenê, o artista que cria obras constituídas por casas e elementos das favelas em formato de miniatura, vê que começou no Sertão de Alagoas essa paixão por contar a própria história e a dos seus.

Com o projeto “Quebradinha”, Marcelino Nenê vem conquistando as redes sociais, onde já acumula 215 mil seguidores. Mas não só isso: o mercado da arte está de olho nele. Museus querem suas peças e a Bienal de São Paulo já indicou seu trabalho. O garoto sertanejo que saiu de Alagoas levando esperança na bagagem, hoje quer conquistar o mundo com sua mania de lembrar das coisas.

Marcelino lança olhar sobre a periferia e diz que ela só é pobre de dinheiro
Marcelino lança olhar sobre a periferia e diz que ela só é pobre de dinheiro | Foto: Reprodução

‘Eu e minha mãe viemos em um ônibus clandestino, não tínhamos grana. Era tudo muito novo, muito lúdico para um garoto de 14 anos. Só o sol era igual, até a água era diferente”, relembra Marcelino sobre a chegada na megalópole paulista. “Na época, Carneiros tinha uns 8 mil habitantes, enquanto o bairro em que eu vim morar tinha 2 milhões de pessoas”, enfatiza o artista, ressaltando o impacto da mudança.

E POR FALAR EM MUDANÇA

O projeto Quebradinha começa justamente pelo medo de esquecer, de perder na vasta cidade a essência de quem se é. Marcelino Nenê defende que ao transformar em obras de arte os traços típicos da quebrada — como é possível chamar a vizinhança nas favelas — com seus comércios peculiares e construções inventivas, consegue eternizar lugares, afetos e histórias.

“Quebradinha nasce desse ser político, que fala de política, independente da plataforma. Antes do Quebradinha havia o meu trabalho como fotógrafo, com drone, sempre atuando na comunidade, com as pessoas que estão nesse contexto de pobreza de dinheiro”, conta.

Jovem alagoano passou um tempo sem falar, com receio da xenofobia em SP
Jovem alagoano passou um tempo sem falar, com receio da xenofobia em SP | Foto: Divulgação

Ele revela que o seu “eu artístico” nasceu no Sertão, enquanto o “eu político” surgiu nas oficinas de hip hop, em Sampa.

“Meu eu político tende a pensar nessas questões pertinentes da sociedade, periféricas, pobres, faveladas. Ele nasce nessas oficinas. O meu eu artístico nasceu da fome, do não ter. Do ter que pegar essas coisas do lixo para encontrar com o que brincar, fazer os próprios brinquedos”, diz Marcelino.

O projeto do artista alagoano vem ganhando o mundo. A proporção, ele diz, o faz querer ir ainda mais longe e, do menino que fazia brinquedos com lixo, fazer história com arte.

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“Eu vejo que esse nosso trabalho traz olhares necessários. A mídia hegemônica sempre falou da gente, do ser pobre, do ser periférico, do ser sertanejo, do ser nordestino. Mas sempre da ótica deles, uma ótica que, na sua maioria, é equivocada. Eu quero expor os nossos olhares, o olhar de quem vive nesse lugar”, detalha.

O FIM DO SILÊNCIO

Se hoje o artista fala sem medo, é também porque passou um bom tempo em silêncio. Na chegada a São Paulo, Marcelino teve o sotaque nordestino ridicularizado, ao ponto de passar três anos quase sem falar na escola. Nessa dor, ele tentou ser paulista, substituindo memórias sertanejas por novas, qualquer coisa que o ajudasse a se enturmar.

“Cheguei cursando a 6ª série. Descobri que se comunicar é difícil. Achei mecanismos para mudar o sotaque, até que fiquei calado. Durante esse tempo só falava dentro de casa, o essencial. Isso ajudava as pessoas a esquecerem de mim como um ser estranho, porque é assim que você é tratado, como um intruso”, revela.

“Boa parte das pessoas que vivem neste lugar ou nas grandes metrópoles, principalmente no sudeste, é xenofóbica. Xenofóbica pra caramba. Um ditado que até hoje existe neste lugar, para descrever uma coisa, vamos dizer assim, brega, é ‘baiano’. Tal coisa é baianagem. Esses termos eu só escutei aqui”, desabafa o artista.

Com sua arte, Nenê quer exibir histórias e potencial dos povos periféricos
Com sua arte, Nenê quer exibir histórias e potencial dos povos periféricos | Foto: Reprodução

Essas histórias ficaram lá atrás e, agora, alimentam a vontade de criar e de se fazer ouvir, afirma o jovem artista. Ele resgatou o sotaque e hoje sabe que suas origens, no Nordeste e na quebrada, são motivo de orgulho.

“Eu trouxe do Nordeste a resiliência, o modo feliz de ver a vida, tá ligado? A ideia de que o país é muito maior do que São Paulo acha que é, de que o país é muito diverso e plural. trouxe a inteligência de que o Nordeste não é simplesmente lugar que não chove ou praia bonita. Ao mesmo tempo, trouxe pra cá a fome e a sede de descoberta desse mesmo Brasil. Talvez, se eu tivesse nascido em São Paulo, não teria essa gana, essa fome, essa necessidade de Brasil”, afirma Marcelino.

Agora, além de ganhar o mundo, Marcelino quer expor em Alagoas, sua terra. Ele diz que frequenta o estado constantemente, mas que ainda não teve a oportunidade de trazer seu trabalho para cá.

Agora, alagoano quer levar sua arte e sua história para o mundo e para a eternidade
Agora, alagoano quer levar sua arte e sua história para o mundo e para a eternidade | Foto: Reprodução

“E também quero chegar muito longe. Quero chegar em todos os lugares que o meu povo não teve a oportunidade de chegar. Felizmente, a arte tem me levado a lugares que eu nunca imaginei, de verdade. Nunca imaginei estar em uma exposição que falasse, por exemplo, da Carolina Maria de Jesus. Nunca esperei que a Bienal de São Paulo falasse de mim. Nunca imaginei que museus de tanta relevância tivessem meu trabalho ou quisesse comprar. Isso tem me trazido fé na humanidade e me colocado num lugar de querer mais, tá ligado?”, continua Nenê.

“Nossa história precisa ser contada por nós mesmos. E falo, agora, não só como nordestino, mas como brasileiro, como povo original, que pertence a esse lugar. Precisamos contar nossa história. O lugar específico que eu quero estar é no futuro. Daqui a 50, 100 anos, eu quero que alguém veja essas obras e diga, mano, houve uma civilização e ela era assim. Eu quero estar no pra sempre. Não só eu, mas o meu povo e toda a galera que nos representa.”

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