Os números recordes das festas literárias que reúnem cada vez mais pessoas Brasil afora podem ter dado a impressão de um lugar apaixonado por livros. Mas a euforia se esvai diante dos dados da pesquisa Retratos da Leitura 2024: pela primeira vez na história, o país tem mais não leitores (53%) do que leitores (47%). E Alagoas, com apenas 39% da população cultivando o hábito da leitura, figura entre os estados que puxam esse índice para baixo.
O estudo, realizado a cada quatro anos pelo Instituto Pró-Livro em parceria com o IPEC e o Itaú Cultural, traça um perfil do leitor brasileiro. De 2019 para cá, o país perdeu 6,7 milhões de leitores, uma queda generalizada que atingiu todas as classes sociais, faixas etárias e níveis de escolaridade.
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“Para além das novidades dessa edição, as principais questões que gostaríamos de deixar para refletirmos são: por que temos tão poucos leitores? Os interesses e hábitos de leitura revelados por essa ‘radiografia’ podem explicar se estamos formando leitores críticos e que compreendem plenamente o que leem, essenciais para nosso desenvolvimento social, humano e nossa democracia? E como melhorar esse retrato?”, questiona Zoara Failla, coordenadora da pesquisa.
UM DESERTO DE LIVROS?
Com apenas 39% da população lendo livros, Alagoas aparece acima da Paraíba (38%), Piauí (37%), Mato Grosso (36%) e Rio Grande do Norte (33%) no ranking nacional da leitura. O Nordeste concentra os piores índices do país, com exceção do Ceará (54%) e Pernambuco (46%). Com apenas 43% de leitores, a região viu seu índice cair cinco pontos percentuais em relação a 2019. O Rio Grande do Norte tem o pior índice do Brasil.
Zoara Failla aponta que os baixos índices de leitura no Nordeste estão ligados a fatores como renda e letramento. “É no Nordeste que encontramos as piores avaliações de Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), com exceção do Ceará e Pernambuco, que estão, felizmente, conseguindo reverter tudo isso e ter uma avaliação melhor”, comenta.
DESTAQUES DA PESQUISA
Na última edição da pesquisa, em 2019, Maceió aparecia como a capital do Brasil com o menor índice de leitores. Os dados específicos da nova pesquisa ainda não foram divulgados, mas devem ser conhecido na próxima semana.
- 53% da população brasileira não leu um livro (completo ou em partes) nos últimos três meses.
- 27% leram pelo menos um livro inteiro no mesmo período.
- A média de livros lidos por ano caiu de 4,95 para 3,96, a mais baixa da série histórica.
- 29% dos brasileiros declararam não gostar de ler, contra 22% em 2019.
- 46% dos entrevistados afirmaram que não leram mais por falta de tempo.
- 78% gastam seu tempo livre na internet.
- Santa Catarina lidera o ranking de leitores, com 64% da população.
A PANDEMIA, O TEMPO LIVRE E A CONCORRÊNCIA DIGITAL
Apesar do aumento nas vendas de livros durante a pandemia, o hábito da leitura não se consolidou. Zoara Failla destaca que o incremento nas vendas beneficiou principalmente a população já leitora, enquanto crianças e adolescentes, privados de escolas e bibliotecas, tiveram mais dificuldades para acessar livros.
“Essa ‘garotada’ ficou sem sala de aula, sem biblioteca... E nós sabemos que é pequeno o percentual daqueles que conseguiram acompanhar as aulas online”, analisa Zoara. “Houve muita restrição em relação ao acesso ao livro.”
A pesquisa revela ainda que a internet e as redes sociais estão “roubando” o tempo dedicado à leitura, especialmente entre os jovens. “Está crescendo o percentual nessa faixa etária daqueles que dizem que estão nos games, que estão assistindo a vídeos. Então, em vez de os pais estarem apresentando livro para entretenimento, fica mais fácil oferecer o celular com jogos e vídeos”, diz a coordenadora da pesquisa.
Outro dado preocupante é a diminuição do número de pessoas que apontam a sala de aula como lugar de leitura. Em 2007, 35% citavam a escola como espaço de leitura. Em 2024, esse número caiu para 19%, o menor índice já registrado.
O FUTURO DA LEITURA
Diante desse cenário, o futuro da leitura no Brasil pode parecer incerto. No entanto, Zoara Failla vislumbra uma possibilidade de mudança no gosto pelo compartilhamento, intensificado pela internet. “As pessoas, o tempo todo, estão compartilhando suas ideias, suas viagens, suas fotos. Eu acredito que aí está o segredo: compartilhar. Um bom mediador e um bom professor têm que saber usar essas novas ferramentas”, diz.
A pesquisadora defende ainda a transformação das bibliotecas em espaços de troca e construção de conhecimento. “Não adianta você ter uma ‘biblioteca do silêncio’. Aquela biblioteca que só empresta livros”, diz ela. “A biblioteca tem que ser, mais do que nunca, o espaço do barulho, das trocas, do compartilhamento. [...] Tem que ser um polo dinamizador de cultura, de encontros da comunidade e de construção de conhecimento.