“É um livro que trata de destroços, do poema como um sobrevivente possível aos nossos acidentes, das águas internas, do amor e, sobretudo, da morte, dos nossos mortos” — revela a escritora Ana Maria Vasconcelos sobre ‘O rosto é uma máquina aquosa’, lançado pela editora Ofícios Terrestres em 2023. O livro de poemas da alagoana é semifinalista do Prêmio Oceanos, um dos mais importantes da literatura em língua portuguesa no mundo.
A obra, conta Ana Maria Vasconcelos, é fruto de pesquisa, não só da arte literária, mas de outras, como fotografia e performance. Em uma busca por indícios das experiências humanas, a imagem da água é evocada nos versos. “Não só sobre o que está cifrado nas diferentes águas do rosto, mas sobre o que nos inunda. Comecei a escrever ‘O rosto é uma máquina aquosa’ a partir do conceito de catábase (do grego, descida), que integra justamente um dos últimos poemas”, explica. Na apresentação do livro, que é composto por 36 poemas, Nathália Lima diz que trata-se da “comemoração de vestígios que (nem sempre) estão aparentes em escalas e cenários diversos”.
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Ser uma das 60 semifinalistas do Oceanos — note-se, tem status de vitória. Neste ano, a premiação contou com 2.619 livros inscritos, submetidos a dois júris especializados, formados por profissionais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Entre os semifinalistas, estão nomes como Mia Couto, Micheliny Verunschk, Germano Almeida, João Silverio Trevisan, João Tordo, Adilia Lopes, Nei Lopes e Luis Henrique Pellanda.
O prêmio entra, agora, na etapa de seleção dos 10 finalistas.
O Oceanos é realizado via Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), pelo Ministério da Cultura, e conta com o patrocínio do Banco Itaú, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas da República Portuguesa, o apoio do Itaú Cultural, da Biblioteca Nacional de Moçambique e do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde; e o apoio institucional da CPLP. O Prêmio Oceanos é administrado pela Associação Oceanos em parceria com o Itaú Cultural.
ANA
Brincar com as palavras, estar entre livros, ler sem parar, escrever sobre tudo. A história de Ana Maria Vasconcelos com as letras começou ainda na infância. A alagoana de Maceió, nascida em 1988, lembra que, numa fase de incertezas como a adolescência, não tinha dúvidas de que seu caminho atravessaria o fazer literário.
Hoje, ela é graduada em Letras e mestra em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutora em Teoria Literária pela Unicamp e professora da Universidade Federal de Sergipe (UFS).
A estreia como escritora veio em 2014, com “Grão”. No ano anterior, Ana foi a primeira mulher a vencer o saudoso Prêmio de Incentivo à Cultura Literária, que era promovido pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos.
O segundo livro veio apenas em 2022, com a obra “Eram brutos os barcos”, que saiu pela editora alagoana Trajes Lunares.
No ano passado, Ana Maria Vasconcelos publicou “A raiz é como um raio” (Editora Primata) e “O rosto é uma máquina aquosa”. Já em 2024, a autora publicou seu quinto livro, “Longarinas” (7Letras). O sexto, inclusive, já está nos planos da escritora.
“Em meio à felicidade grande de, no mesmo mês, publicar o ‘Longarinas’ e receber o anúncio dos semifinalistas do Oceanos, agora ainda é o momento de continuar a colocar os meus livros mais recentes no mundo. Mas estou começando as pesquisas para um futuro texto, sim, um livro sobre o silêncio, desta vez em prosa”, revela.
A autora revela que não “fingiu costume” quando soube que era uma das semifinalistas do Oceanos e diz saber que a indicação é importante para ela, mas também para a literatura alagoana.
“Meu editor, Gabriel Morais Medeiros, me disse, emocionado: ‘É muito difícil conseguir o que você conseguiu. É já uma grande conquista’. Este é um prêmio internacional, que já teve como vencedores livros fundamentais do nosso tempo, como ‘O gosto amargo dos metais’, da Prisca Agustoni, ‘Torto arado’, do Itamar Vieira Junior, e ‘Leite derramado’, do Chico Buarque, para citar apenas três. Não é pouca coisa estar entre os semifinalistas”, reflete, acrescentando sua visão sobre a cena literária local.
“Tem gente muito boa escrevendo em Alagoas. Vou citar alguns nomes: Richard Plácido, Érika Santos, Lucas Litrento. Não faltam também alagoanos espalhados pelo Brasil fazendo boa literatura, como a Larisse Nolasco, o Mateus Magalhães, a Natasha Tinet. A Natasha, por exemplo, ficou em segundo lugar no Prêmio Biblioteca Nacional na categoria poesia, com o livro ‘Veludo violento’ em 2019. O Lucas também foi semifinalista do Oceanos em 2021, com o livro ‘Txow’. Dois prêmios muito importantes! Isso não é pequeno: nós sabemos fazer boa literatura e estamos sendo reconhecidos por isso”, afirma Ana.
Para a maceioense, escrever é urgência. A finalista do Prêmio Oceanos, inclusive, revela um pouco do seu processo de escrita, das coisas que lhe instigam. “Quando Octavio Paz disse que a palavra é filha da morte ele não estava para brincadeira! ‘Falamos porque somos mortais: as palavras não são signos, são anos’. Escrever é sempre escrever contra a morte. Existe uma necessidade, uma urgência ali. Para mim, escrever sempre foi uma necessidade. Tenho guardados alguns livretos que eu fiz quando criança, com uns sete anos, de modo que já emulavam uma editora própria (comandada por bichos, claro!), com marca registrada, tiragem e tudo! E nunca mais parei. Então meu processo com a linguagem nasce muito daí, desse incômodo, dessa urgência de criar que me perturba desde que me entendo por gente.”
Para saber mais sobre a obra da escritora, basta acessar o site: linktr.ee/anamvmc.
- Adquira o livro ‘O rosto é uma máquina aquosa’ em: oficiosterrestres.com.br; ou pelo perfil de Ana Maria Vasconcelos no Instagram (@anamvmc_).