
Hoje é o dia. Dia do forró, da quadrilha, do frevo. Do São João, da culinária, do xaxado. Dia de quem fala oxente e reclama do quanto o dia está quente enquanto segura uma xícara de café. Hoje, 8 de outubro, é Dia do Nordestino, esse povo tão curioso e peculiar à sua maneira, de trejeitos acolhedores de quem está sempre disposto a dar e receber afagos. É a partir dessa definição do senso comum do que é o povo nordestino que partimos, numa imersão cultural, através dos artistas que definem o que é, de fato, esse povo e sua curiosa relação com a região em que nasceram.
O Dia Nacional do Nordestino não caiu no dia 8 de outubro por acaso, a data faz alusão ao nascimento do poeta Catulo da Paixão Cearense. Apesar do nome sugerir que o autor é proveniente do Ceará, Catulo nasceu em São Luiz, capital do Maranhão, em 1863. Após 10 anos em sua cidade natal, o artista finalmente mudou-se para o Ceará.
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Poeta, teatrólogo, músico e compositor, Catulo Cearense possui diversas facetas artísticas e um amor singular pelo sertão. Como diz em uma de suas mais admiradas composições, ‘Luar do Sertão’: Não há, ó gente, oh não/ Luar como este do sertão/ Oh, que saudade do luar da minha terra/ Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão/ Esse luar cá da cidade tão escuro/ Não tem aquela saudade do luar lá do sertão.

Berço de uma inestimável cultura, o Nordeste é a prova de que uma flor é capaz de nascer em meio ao deserto. É isso que diz o historiador Douglas Apratto, ao fazer uma reflexão sobre o povo nordestino e sua produção cultural diante das dificuldades da vida.
“O Nordeste é onde começou o Brasil. O início da colonização, sua primeira capital, a guerra contra franceses e holandeses, a simbiose entre colonizadores e índios foi forjada nessa região. Praias belíssimas e uma tradição que se mantém forte na construção da identidade cultural de nosso povo”, discorre o historiador, que logo se apressou em citar um dos pontos mais fortes da produção cultural nordestina, a música.
“Esse caldeamento de raças e cultura permitiu essa riqueza em todos os segmentos. Na música, berço de vários gêneros musicais como o forró, xote, baião, frevo que tornam os festejos polo de atração e admiração”, diz.

Como não lembrar, diante disso, do eterno rei do baião, Luiz Gonzaga, um dos maiores — se não o maior — responsável pela divulgação do gênero e sub gêneros do forró. Anderson Fidellis, que costuma andar por aí com sua sanfona entre uma apresentação e outra, emite algumas palavras acerca do ofício de forrozeiro, que é tipicamente nordestino.
“Para o Nordeste o forró tem um papel fundamental de condensar em ritmo o sentimento de um povo. Além disso, o forró é um ponto de convergência histórica, já que temos grandes nomes no passado e tantos outros no presente, que lutam pela causa”, conta o músico.
Ainda sobre esse instrumento que tanto ilustra essa região também ilustre, Fidellis opina sobre o que ele representa para a identidade do nordestino na música.
“Acredito que o grande canal da identidade do povo nordestino, da música nordestina, é a sanfona. É, se não o principal, um dos principais canais. E foi por ela que muito se foi dito, muito se foi apresentado para o Brasil, dando a nossa característica a um povo e de quanta riqueza a gente guarda”, finaliza.

RIMANDO COM A VIDA
No meio literário, autores como Ariano Suassuna, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Rachel de Queiroz e outros logo vêm à mente. Com críticas pontuais e pertinentes, os romancistas estavam sempre denunciando os descasos e a situação precária do povo nordestino, que por muitas vezes foi castigado pela seca. No entanto, além dos famosos romances ou da mais conhecida poesia nordestina, é a literatura de cordel que pode ser considerada a grande assinatura desse povo.
“O Cordel representa a verdadeira alma e identidade do povo nordestino, nossa cultura está necessariamente atrelada à literatura de cordel, que vem contando a história da região desde o final do século 19”, diz o poeta cordelista Ciro Veras.

Cordelista de vocação e alma, Jorge Calheiros, mestre do Patrimônio Vivo de Alagoas, diz que o carinho pelo seu povo ainda o guia e, para mostrar isso, fez um breve cordel, especial para o Dia do Nordestino, evocando as memórias de infância: Eu nasci no pé da serra do meu querido sertão/ Eu lembro com emoção do quebra-milho na roça/ Eu levava pra palhoça/ Era eu e meu irmão, na mais perfeita união/ Assando milho na fogueira/ Eu recordo a vida inteira / Das noites de São João.
Cícero Manoel, outro cordelista de Alagoas, afirma que é o cordel que se encarrega de registrar a experiência nordestina e seus mitos, lendas e mitologia. “A literatura de cordel é uma das maiores manifestações culturais do Nordeste. Através dela se registram fatos e mitos dessa região. O cordel é um dos maiores símbolos da cultura nordestina, portanto, é o cordel que precisa ser preservado. Desta forma, preservando o cordel, estamos preservando a cultura nordestina”, defende.

Em uma última palavra acerca da memorável data, o cordelista Ciro Veras defende maior divulgação da cultura regional, além de exprimir o desejo da aproximação da juventude, para que a cultura nordestina receba novos representantes. “Os artistas locais, de todas as vertentes, precisam estar nas praças, nas praias, nas escolas, permanentemente, para que não venhamos a perder, com o tempo, a nossa essência cultural. As novas gerações precisam conhecer nossa cultura para que venham em seguida ser os protagonistas dessa cultura”.