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Cartografia da morte: os caminhos para garantir a superação da perda prematura

Religião e psicologia dizem o que pode ser feito para enfrentar casos de luto

Apesar da maioria dos brasileiros ter consciência de que a morte vem para todos - há pessoas que acreditam que seremos imortais com o avanço da ciência - o tema ainda é tabu na sociedade e revela que a maior parte das pessoas afirma não estar preparada para o ciclo final da vida. O que dizer para as pessoas que precisam enfrentar a morte prematura de alguém próximo, principalmente se acontecer de forma violenta? Em Alagoas, onde a taxa de homicídios permanece alta, milhares de famílias passam por este sentimento de perda todos os anos.

Em recente pesquisa realizada pela Associação e Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil, denominada de "Cartografia da Morte", 75,70% dos entrevistados consideram o tema morte seja um tabu - apenas 24,30% disseram não. Outros 68% afirmam não estar preparados para a morte e 75% dos brasileiros pesquisados têm medo de perder alguém. Apenas 1,6% dizem não sentir medo.

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Entretanto, 92%, têm consciência de que a morte vem para todos. Alguns acreditam até que, com o avanço da ciência, seremos imortais.

As pessoas evitam falar sobre a morte como forma de evitar os sentimentos associados a ela. Tristeza, dor, saudade, sofrimento, medo, angústia, solidão e, em menor escala, aceitação, libertação e violência estão associados ao tema. Em contraponto, conforme a pesquisa, o tema vida está associado a alegria, prazer, presença, felicidade, coragem, companhia. No entendimento de especialistas, incluindo religiosos, toda dor e sofrimento devem ser convertidos em aprendizado.

No estudo, embora a morte seja a única certeza da vida, ela tem sido cada vez mais 'rejeitada' no ocidente, fortalecida por diversos fatores como aumento da expectativa de vida, o que faz com que a morte deixa de ser admitida como fenômeno natural e necessário e passe a ser considerada como prematura ou acidental, sempre oculta na doença ou no acidente.

Outro aspecto é ligado ao uso e avanço da tecnologia, que tem gerado a tese de que somos superhumanos, superpotentes e a morte se torna a negação deste fenômeno. Nega-se, desta forma, até mesmo a teoria da evolução das espécies. A condição passa a ser viver aqui e agora e ser feliz e "o resultado é uma sociedade que busca inutilmente a felicidade em fugas da realidade".

O supercapitalismo também é apontado como negação da morte, por fortalecer na sociedade que só interessa a quem produz - mortos não produzem - e com isso, quem se foi perde o valor. Na "Cartografia da Morte", 48,6% não se sentem nada preparados para lidar com a morte de alguém e apenas 13% se diz preparado para lidar com a própria morte. A maioria das pessoas 78,1%, querem morrer cercada pelos seus seres amados, pessoas ou animais.

Com o tema figurando como tabu, a aceitação da morte se torna ainda mais difícil quando envolvida pela violência. De acordo com o Atlas da Violência 2018, que envolve levantamento com dados referentes a dois anos atrás, Alagoas figura com o estado com a 2ª pior taxa de homicídios no País, 54,2 mortos por 100 mil habitantes. Em 2016, foram registrados pelos órgãos da Segurança Pública 1.820 homicídios. Ainda segundo a publicação, há um padrão dos mortos de forma violenta. A maioria é jovem e negro e 71% dos crimes são cometidos com arma de fogo.

As histórias de espalham pelos lares, seja em casos como o do vereador por Maceió, Silvânio Barbosa, assassinado cruelmente em setembro de 2018 ou da jovem Roberta Costa Dias, assassinada grávida, em Penedo, em abril de 2012, cujo o corpo até hoje permanece desaparecido e a família sem direito ao sepultamento.

Casos Roberta Dias e Silvânio Barbosa

Mônica Reis é mãe de Roberta Costa Dias, que morreu assassinada em abril de 2012, na cidade de Penedo, segundo investigações da polícia, por estar grávida à época com 18 anos da idade. Mary Jane Araújo Santos, 51 anos e Karlo Bruno Pereira Tavares, conhecido como "Bruninho", 24 anos, são os acusados de homicídio duplamente qualificado, ocultação de cadáver e aborto provocado por terceiro.

Roberta, quando foi morta, estava com três meses de grávida do filho de Mary, Saullo de Thaso Araújo dos Santos, com quem ela estudava e mantinha um relacionamento. Na ocasião do assassinato, que conforme a polícia contou com a participação dele, o jovem estava com 17 anos de idade e por isso não está acusado no mesmo inquérito da mãe e do amigo, Bruninho, e deve responder pelo assassinato com base no Estatuto da Criança e do Adolescente.

E passados quase sete anos da morte de Roberta Dias, a família até hoje não teve informações onde se encontram os restos mortais da jovem, para realizar o sepultamento. Convivem com a perda e a dor, sem terem conseguido sequer se despedir dela. Além de ter de enfrentar toda essa situação, Mônica Reis até hoje enfrenta problemas com a depressão. O episódio também a levou a sofrer com pressão alta. Ela diz não ter superado a perda da filha e que não perdoa os assassinos.

"Superação é uma palavra muito forte. Você só consegue ela com o tempo. Superar uma perda é muito difícil. Além do mais do jeito que ela foi tirada da gente e até hoje não conseguimos enterrar os restos mortais. Então isso dói muito em mim, na minha família. Quando uma pessoa morre, o ser humano não está preparado para a perda, principalmente uma mãe, que não está preparada para perder um filho", declara Mônica.

Para ela, somente o tempo é que poderá trazer algum conforto para a família, principalmente pelo fato da morte da filha não ter decorrido de forma natural, mas sim ter sido tirada de forma violenta. "A dor é bem maior", reforça. A mãe enlutada lembra que a filha era uma menina meiga, sempre sorridente e que seguia formação no Instituto Federal de Alagoas (Ifal) em Penedo.

"A gente lida com essa situação. É angústia demais. Já tem seis anos e os criminosos que confessaram o crime estão soltos. Vai ter uma audiência dia 30 de outubro e vou ver tudo vir à tona. Está sendo muito difícil em reviver tudo isso. Só de eu imaginar escutar barbaridade e ter de suportar tudo aquilo calada. É muito difícil quando uma mãe perde uma filha. Matar uma jovem por causa de um filho que é uma dádiva de Deus. Não é motivo para matar alguém, isso não justifica", acrescenta Mônica. Ela também afirma não conseguir entender o assassinato da filha e que não tem vontade de perdoar .

"Não perdoou de jeito nenhum. Primeiro porquê não sou Deus. Sou ser humano, tenho sentimentos. Meu coração não pede. Quem sabe é Deus. É uma dor que não tem remédio que cure, palavra que conforte. Eles podem até pagar pelo que fizeram, mas vai preso hoje e amanhã está solto. Cadeia só existe para quem morre. Eu é que perdi minha filha. Ceifou a vida dela como se fosse um animal. Deus está no céu e eu tenho muita fé que eles vão pagar", completa Mônica Reis.

Já no caso do assassinato do vereador Silvânio Barbosa, cujo o assassino confesso, Henrique Matheus da Silva Souza, encontra-se preso, os familiares também buscaram respostas para a morte do político, que se apresentava com uma carreira promissora na Câmara Municipal da capital. Célio Barbosa, irmão da vítima, chegou a declarar à imprensa ter sugerido ao vereador mudança do bairro onde morava, o Benedito Bentes, como forma de ter mais proteção. Ela se questionava se esta possibilidade tivesse sido aplicada, teria ainda o irmão com vida.

Silvânio Barbosa foi morto a facadas pelo acusado, no apartamento onde residia, na parte alta da capital.

Religiosos abordam sobre o tema

Imagem ilustrativa da imagem Cartografia da morte: os caminhos para garantir a superação da perda prematura
| Foto: FOTO: Cortesia

"A terra passar a ser um grande educandário e nós em essência somos espíritos e o corpo físico é o instrumento, o escafandro que o plano espiritual nos concede, para que nós aqui nos habilitemos à plenitude, à plenificação. Então, o alvo é o alvo da evolução, de maneiras que a verdadeira vida para nós é a vida espiritual. A vida física, a vida material é o estágio daquilo que nós teorizamos, colocar em prática, suplantando os óbices de um mundo materialista. Então tudo se modifica para quem vive esse instante. Nós identificaremos que nós somos herdeiros de nós mesmos e a morte passa a ser uma necessidade. Para nós a morte não é o fim, como o berço não é o início, nós somos um espírito que iremos e voltaremos quantas vezes forem necessárias até que atinjamos a plenitude", assegura Victor José, trabalhador espírita do Centro Espírita Nossa Lar, em Maceió.

Para ele, quando a morte está envolvida de forma trágica, violenta, busca-se repostas nas palavras de Jesus, "a nos dizer que os escândalos são necessários, porém há a de quem o causar". Victor José diz entender a justiça divina diante da reencarnação, o que traz uma nova aplicação da justiça divina.

Num é mais: isso foi porquê Deus quis. Por que como nós entenderemos que Deus permite que uma jovem grávida seja brutalmente assassinada? Deus não quer isso. Mas em verdade nós somos detentores do livre arbítrio. Quando nós saímos da condição instintiva e adquirimos o pensamento contínuo, teoricamente, nós saímos de uma condição de alguém que nos guiava e assumimos o controle da nossa nau. Sou eu agora quem escolho. Só que essa escolha não é uma escolha sem um lume, porque Jesus, o maior dos avatares que mergulhou na terra, para nós espiritistas o governador espiritual, ele deixou um caminho. Para nós a morte tem uma outra conotação", pontua Victor, que completa:

"Entenderemos, então, que aquele irmão que se permitiu esse gesto violento diante da lei divina, ele se endivida. E aquele que sofreu o ato, ele tem a oportunidade do aprendizado do resgate, para seguir os seus passos mais adiante. É claro que da mesma forma aquele se permitiu a prática do crime, foi uma deliberação dele, aquele depois do ato, perdoar, seguir adiante ou ficar preso aquele instante, depende dele, desse lastro espiritual que cada um de nós temos. Por isso que muitas vezes, querido irmão, esses crimes mais violentos, que chocam a sociedade, chocam a comunidade, muitas vezes o espírito refém do corpo se liberta sem maiores dores. De repente é como se bloqueasse a já se acorda em outro momento. A opinião pública, infelizmente, também não mergulha na condição de ver o verdugo diante da lei de Deus um necessitado. Depois do Cristo, o homicida é um doente. Depois do Cristo, o que odeia é um cego para as suas próprias potencialidades. Após a vinda do Cristo houve uma mudança brusca na sociedade. Até Jesus, os heróis eram aqueles que apresentavam os seus botins envoltos em sangue e lágrimas. Depois de Jesus, que abraçou a cruz, o grande conquistador é o que conquista a si mesmo. Forte é aquele que suporta. Vitorioso é aquele que perdoa, entendendo a gravidade dos atos do seu oponente como aquele que não consegue se ver e ver a divindade em si mesmo".

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| Foto: FOTO: Ricardo Lêdo / Gazeta de Alagoas

Para o arcebispo metropolitano de Maceió, Dom Antônio Muniz, as mortes prematuras por assassinatos estão relacionadas à violência que assola o estado. Para ele, há muita agressividade na sociedade e é preciso que se cultive uma cultura de paz.

"Há uma conjuntura de nosso País e a conjuntura específica de nosso estado, que o torna extremamente violento. O que vou dizer diante de uma agressão tão perversa, de uma morte violenta. Precisamos fazer aquilo que estamos fazendo, propagar uma constituição de paz, uma cidade de harmonia, que sabe resolver suas diferenças", sugere.

Para Dom Antônio, há várias causas para o grande número de assassinatos em Alagoas, mas ele destaca as drogas, o tráfico, como um dos principais responsáveis pelos homicídios e consequentemente as mortes de forma prematura.

Como forma de confortar as pessoas mais próximas das vítimas, o religioso sugere que se "deve receber nos braços seu filho e filha como Jesus morto" e que sejam como Maria, mãe do Cristo. "A perda é uma dor grande, só Deus pode penetrar", considera.

Psicólogo reforça necessidade de vivenciar processo de luto

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| Foto: FOTO: Cortesia

Para o psicólogo clínico e terapeuta cognitivo comportamental, Amílton Júnior Amaranto, quem perde um ente, precisa vivenciar um processo de luto de uma maneira tranquila, para que possa trazer paz para si mesmo. Para os casos em que a morte esteja envolvida em violência, os familiares também precisam de cuidados para superar o trauma.

"Cada pessoa age de uma maneira diferente. É importante que todos possam vivenciar o luto, para que possam conseguir superar", reforça. Como apoio, ele sugere à procura por um psicólogo ou psiquiatra, para que o processo seja trabalhado e a pessoa consiga seguir em frente.

Com relação ao ato de perdoar o assassino, o psicólogo diz que vai depender muito de cada pessoa e cita como exemplo as pessoas que, por necessidade, precisam esquecer quem cometeu o crime, para que possam seguir adiante. Por isso, segundo ele a necessidade de terapia, para que consiga deixar "uma prisão emocional".

"Enquanto terapeuta, nós vamos ensiná-lo a superar as situações, quando veem os pensamentos sobre o assassinato, a conseguir mantê-los firmes, para que estejam saudáveis emocionalmente diante daquela perda. Os flashes sempre vão existir, mas nós vamos ensinar as pessoas a lidar com as emoções que até então estavam cheias de ódio, de rancor, de vingança e isso é que realmente faz com que o parente, a pessoa próxima que ficou aqui não consiga evoluir emocionalmente. Os processos de ódio faz com que a pessoa não consiga viver bem com ela mesma e nem com mais ninguém. Então é muito importante sempre trabalhar com essas pessoas, para que possam continuar a viver e superar essa situação", sugere o psicólogo, reforçando, entretanto que isso não signifique lutar por justiça.

Amílton Júnior considera esse processo de violência é doloroso, mas que questões como vingança, por exemplo, não trazem alívio, embora destaque a necessidade de desfecho da situação, que no caso do assassinato pode ser a condenação do acusado.

"Também é importante a ajuda de amigos, parentes próximos, que possam estar juntos, abraçar. Algumas pessoas buscam o isolamento, mas essa fase é muito ruim e as pessoas precisam estar ligadas, atentas. Por isso é muito importante ter alguém para dar uma saída, ir a algum lugar, mesmo que a pessoa não queira ou não esteja afim, mas é preciso tirar a pessoa dessa 'prisão emocional'. Vai ajudá-la muito dentro dessa questão", reforça.

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