Em meio à pior estiagem dos últimos anos e queimadas que se espalham pelo país, o governo federal resgatou a proposta de criação de uma Autoridade Climática para atuar no combate aos eventos ambientais extremos.
A ideia era uma promessa de campanha que acabou não saindo do papel. Especialistas ouvidos pelo Metrópoles avaliam o gesto como um importante passo para o enfrentamento das mudanças climáticas, mas veem uma série de desafios para a implementação do órgão.
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O primeiro deles é em relação à estrutura e responsabilidades da instituição. A proposta apresentada pelo grupo de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sugeriu que a Autoridade Nacional de Segurança Climática fosse uma autarquia vinculada à pasta do Meio Ambiente.
Recentemente, a ministra Marina Silva afirmou que o Executivo ainda trabalha nesse desenho da instituição. Segundo a titular da pasta, o papel da autoridade seria na “articulação, formulação e ajudar na implementação de políticas voltadas para esse enfrentamento [das mudanças climáticas]”.
Estrutura indefinida
A secretária-executiva do Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, aponta a necessidade de uma instituição supra ministerial, técnica e que tenha autonomia para discutir com outros órgãos do governo a implementação de políticas efetivas em resposta à emergência climática.
“Hoje, você tem o Ministério do Meio Ambiente desenvolvendo as políticas ambientais, mas com pouca condição, inclusive estrutural, para dialogar com outros ministérios e ajudar a adequar às políticas. A gente já tem um histórico de processos que são sempre um pouco de disputa”, avalia a especialista.
Ela cita um episódio recente em que o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério das Relações Exteriores assinaram uma carta pedindo à União Europeia para que não seja implementada uma lei antidesmatamento.
“Isso demonstra que a gente ainda tem interesses setoriais que estão se sobrepondo à necessidade de levar a sério o enfrentamento às mudanças climáticas. Esse é um exemplo que demonstra porque a gente tem que ter uma autoridade climática”, avalia Ramos.
Para Alexandre Prado, líder em mudanças climáticas da WWF-Brasil, o órgão a qual a Autoridade Climática será vinculada impactará a implementação das políticas.
“Ela tem que complementar o papel da Casa Civil, que tem esse papel de articulação entre ministérios; tem que complementar o trabalho do Ministério do Meio Ambiente, que obviamente olha a questão de adaptação climática, e está fazendo o Plano Clima”, exemplifica.
“Ela tem que catapultar os esforços dos vários ministérios para que isso aconteça de uma forma mais efetiva, nas várias escalas necessárias”, finaliza.
Congresso
Além do debate em torno do funcionamento do órgão, Gabriel Berton Kohlmann, coordenador de projetos socioambientais, avalia que há uma batalha a ser travada no Congresso Nacional. A criação da entidade será formalizada em uma medida provisória (MP), que precisa ser validada pelo parlamento.
“Na negociação com o Congresso entra os outros grupos econômicos: o agro, o setor de infraestrutura, de energia”, ressalta Kohlmann.
Ele lembra que em fevereiro acontece a eleição para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado, e a proposta pode virar moeda de troca em um eventual apoio da base do governo.
“As barganhas colocadas na mesa: emendas Pix, essa Autoridade Climática, alguma questão ali de costume. Então, isso irá entrar na barganha da eleição para presidente da Câmara e Senado”, opina.