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Equipe responsável por cirurgia de mulher trans que morreu em SP é alvo de investigação policial

Lorena Muniz morreu por ter inalado fumaça tóxica durante incêndio em clínica em que colocaria implantes de silicone, segundo prontuário

A equipe responsável pela cirurgia de Lorena Muniz, mulher trans que morreu em fevereiro por ter inalado fumaça durante um incêndio na clínica em que colocaria silicone em São Paulo, é alvo de um inquérito policial e de diversos processos judiciais movidos por outras pacientes.

Apesar de se apresentar como Dr. Paulino de Souza nas redes sociais, o homem que negocia as cirurgias com as pacientes _e com quem Lorena acertou seu procedimento, segundo seu marido_ não tem registro como médico. Em grupos de mulheres trans e travestis, Paulino é conhecido por oferecer cirurgias plásticas baratas e atrair pacientes de diversos lugares do Brasil.

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Veja os principais pontos da reportagem:

  • Responsável pela clínica se apresenta como doutor, mas não é médico nem exibe título de doutorado;
  • Paulino de Souza negocia as cirurgias plásticas em consultas, mas apenas médicos podem fazer isso, e conselho de cirurgia plástica não permite ação de intermediários;
  • Pacientes ouvidas pelo G1 relatam que a equipe dele aplicou volume de silicone diferente do combinado, não aplicou anestesia geral e que tiveram problemas de cicatrização;.
  • Vigilância Sanitária já interditou pelo menos duas clínicas ligadas a Paulino por irregularidades;
  • Equipe responde a um inquérito policial e a diversos processos judicias movidos por pacientes.

A clínica de Paulino em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, um dos locais onde eram realizados os procedimentos cirúrgicos, foi interditada pela Vigilância Sanitária em 2 de fevereiro por irregularidades _entre elas, a ausência de documentos que “comprovassem o vínculo empregatício de médicos ou enfermeiros”. Segundo a Defensoria Pública, a cirurgia de Lorena só foi marcada em uma clínica no Centro de São Paulo porque a unidade principal já havia sido lacrada.

Três mulheres trans relataram que procuraram os serviços de Paulino e foram submetidas a cirurgias de implante de silicone feitas apenas com anestesia local. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) afirma que apenas procedimentos simples, como cirurgias para a retirada de pintas, por exemplo, podem ser feitos sem a presença de um anestesista.

Elas contaram também que tiveram problemas de cicatrização e receberam próteses de silicone diferentes das que foram solicitadas. As mulheres relataram ainda falta de assistência no pós-operatório e de estrutura hospitalar nas salas de cirurgia.

Pacientes ouvidas pelo G1 disseram que não sabiam que a cirurgia não seria feita por Paulino. O Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe a atuação de agenciadores ou negociadores que atuem como intermediários na relação entre médicos e pacientes de cirurgias plásticas.

Procurado pela reportagem, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) disse, em nota, que investiga o caso.

Paulino de Souza não respondeu às tentativas de contato da reportagem. Em nota publicada nas redes sociais em 26 de março, e posteriormente apagada, Paulino dizia estar “muito triste com o falecimento de Lorena”.

Dor na cirurgia

A reportagem ouviu o relato de mulheres transexuais que, assim como Lorena, viram na clínica de Paulino uma chance de completar a transição de gênero. Através de indicações ou pelas redes sociais, encontraram o homem que acreditavam ser médico e negociaram com ele suas cirurgias para a colocação de próteses de silicone nos seios. Para preservar suas histórias, seus nomes foram alterados nesta reportagem.

A empresária Kátia* fez a operação em 2014 na clínica de Paulino em Taboão da Serra. Ao G1 ela contou que em nenhum momento foi informada de que Paulino não era cirurgião e disse que nunca havia encontrado a médica que fez a operação.

“A negociação foi toda com o Paulino, eu me dirigia a ele como doutor, e ele sempre me respondeu. Foi ele quem me pediu exames, foram só dois exames de sangue. No dia do procedimento, eu levei os exames, e eles nem olharam, falaram que estava tudo ok. A negociação foi totalmente com ele, mas quem fez a cirurgia foi uma mulher”, disse.

Ela pensou em desistir quando viu as condições precárias do local. Natural do interior do Piauí, Kátia* veio à Grande São Paulo apenas para realizar o procedimento, que custou R$ 4.000, valor muito inferior à média do mercado. “Eu só fiz a cirurgia porque já tinha gastado com passagem e depositado todo o dinheiro para eles”, afirmou.

Segundo ela, todo o procedimento foi realizado sem a presença de um anestesista.

“Escolhi o Paulino por ser barato, era o que eu podia pagar naquele momento. Quando começaram a cortar minha pele, eu sentia muita dor porque estava cortando locais em que a anestesia local não tinha pego. Teve uma hora que eu até segurei no braço da médica que estava realizando o procedimento, de tanta dor”, contou.

“A médica me censurou, disse que eu não podia tocar nela, se não corria o risco de sofrer um corte sério. Eu reclamava de dor, e ela dizia que era para avisar onde estivesse doendo, que ela iria aplicar mais anestesia local”, disse.

Incerteza

Kátia* acredita que a responsável por sua operação foi a médica Adriana Moraghi, que é registrada no Conselho Federal de Medicina, mas responde a processos judiciais e a um inquérito policial instaurado em 2019. O G1 procurou a cirurgiã-plástica, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

A investigação policial sobre Moraghi foi motivada por uma denúncia feita por Valéria, outra mulher trans que fez cirurgia com a equipe de Paulino.

Ela registrou um boletim de ocorrência contra a médica em 2019, no qual denunciou que toda a negociação de seu implante de silicone foi feita com um profissional e “foi surpreendida com a troca”, na hora da operação, por uma médica com quem “nunca teve qualquer contato”. Valéria foi procurada pelo G1, mas não quis se manifestar.

A médica Adriana Moraghi seria a responsável também pela cirurgia de Lorena, pernambucana que morreu antes da cirurgia por conta de um incêndio no ar-condicionado. Segundo a nota publicada por Paulino de Souza sobre o caso, “no dia dos fatos, quem estava de plantão para realizar o procedimento cirúrgico era a cirurgiã Dra. Adriana Moraghi”.

Na postagem, que já foi apagada, ele dizia ainda que a anestesista Rita Aires Batista também estava no local.

A polícia disse, em nota, que investiga as causas da morte de Lorena e se houve negligência da equipe médica. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica informou, também em nota, que acompanha a apuração do caso.

A incerteza sobre quem fez a cirurgia também faz parte do processo judicial que a promotora de vendas Bárbara*, outra paciente de Paulino, move contra a equipe. Assim como Kátia*, ela também combinou sua cirurgia com Paulino em 2014, mas contou ter negociado alguns detalhes com outros dois funcionários da clínica, que também são citados no boletim de ocorrência de Valéria*.

Mas, ao contrário de Kátia* e Valéria*, Bárbara* disse que não teve contato com Adriana Moraghi: ela acredita que sua operação foi feita por uma mulher chamada Maria Rosa Gimenes, esposa de Paulino.

Maria Rosa Gimenes foi médica, com registro no Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1979. Ela morreu há quatro anos, mas processos movidos por pacientes contra ela e Paulino ainda estão em tramitação na Justiça.

Na publicação lamentando a morte de Lorena Muniz nas redes sociais, Paulino de Souza declarou que seu nome “começou a ser construído há 30 anos” quando, junto com a “doutora Maria Rosa Gimenes, montou sua primeira clínica”.

“Infelizmente minha esposa faleceu há quatro anos. Como sou empresário, cuidava da administração da clínica, e convidei alguns cirurgiões para continuarem o trabalho de atendimento a mulheres trans, sempre com respeito, qualidade e segurança”, dizia a nota.

Cuidados cirúrgicos

A colocação de implantes de silicone nos seios deve ser feita sempre com a presença de um médico anestesista, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), Dênis Calazans. Segundo o médico, a anestesia local é indicada para procedimentos de cirurgia plástica de pequeno porte, como as que retiram pequenas lesões ou tumores superficiais na pele.

“Procedimentos de pequeno porte são aqueles que são ditos ambulatoriais, que envolvem pequenas áreas corporais. No entendimento da SBCP, mesmo esses devem ser realizados em locais devidamente autorizados pela Vigilância e pelo Conselho Federal de Medicina”, disse Calazans.

“A cirurgia [de implante de silicone nas mamas] deve ser feita ao lado de um médico anestesista, e nunca realizada em locais sem as devidas licenças sanitárias. O local deve estar preparado para situações de emergência”, explicou.

Além da dor na cirurgia por conta da ausência de anestesia geral, outra reclamação recorrente entre as pacientes da equipe de Paulino de Souza foi a troca das próteses por outras menores. No boletim de ocorrência, Valéria declarou que a prótese solicitada, de 350 mililitros, foi trocada por um de 300 mililitros sem que ela fosse informada, e que a troca ocorreu porque a médica Adriana Moraghi “avaliou diferente”.

De acordo com o presidente da SBCP, a mudança de prótese sem a comunicação à paciente não é um procedimento correto em cirurgias plásticas.

“Isso é um ato que a gente entende que é até criminoso, você não dar ciência ao paciente daquele dispositivo médico que vai ser empregado. É uma reclamação grave, que pode denunciada ao Cremesp”, explicou.

Bárbara* também relatou ter sido enganada em relação ao tamanho da prótese escolhida. Ela procurou a clínica em duas ocasiões: na primeira vez, em 2014, fez a cirurgia para implante de silicone, mas o tamanho da prótese colocado foi diferente do que havia sido negociado anteriormente. Por isso, ela pagou por uma segunda cirurgia, para alterar a prótese, mas não foi atendida pela clínica mesmo após diversas tentativas de agendamento.

“Em consulta com outro médico, de outro lugar, em setembro de 2017, eu finalmente realizei a troca da prótese e comprovei que realmente fui enganada, em tamanho, marca e modelo na primeira cirurgia”, disse.

Para tentar reaver o valor pago pelo procedimento de substituição da prótese, que não foi feito, Bárbara* entrou com uma ação judicial contra Paulino de Souza.

"Eles nem apareceram no fórum nesta ação para restituir o dinheiro da segunda operação. Eu percebi que eles realmente agiram de má-fé em relação à primeira cirurgia também, e entrei com um novo processo, em relação à primeira operação, mas a Justiça não consegue nem os intimar, eles estão constantemente fugindo”, denunciou.

Processos e inquérito

Paulino de Souza responde a diversos processos relacionados a sua atividade, com diferentes registros: Paulicorpus Estética LTDA, Clinica Pauliplástica Estética LTDA ME, Clínica Cirurg Paulino de Souza Ltda Epp são três das empresas que ele registrou.

Uma dessas empresas, a Pauliplástica, funcionava no Centro de São Paulo e, em 2013, também foi interditada pela Vigilância Sanitária. Segundo o Diário Oficial do Município, a interdição total do estabelecimento foi publicada em 24 de julho daquele ano. De acordo com pacientes, ali funcionava um consultório para marcação de procedimentos cirúrgicos.

A interdição mais recente de estabelecimentos ligados a Paulino de Souza ocorreu em 2 de fevereiro. Segundo informações da Vigilância Sanitária de Taboão da Serra, o local apresentava uma estrutura precária, sem produtos básicos para a higiene, os materiais utilizados nas cirurgias estavam sem a data de esterilização e havia produtos fora da data de validade.

Veja as principais irregularidades apontadas pela Vigilância:

  • Prontuários médicos incompletos e com informações divergentes dos procedimentos realizados;
  • Ausência de contrato de trabalho ou qualquer documento que comprovasse vínculo empregatício de profissionais como médicos e enfermeiros;
  • Ausência de sabonete líquido, papel toalha e lixeira em ambientes de esterilização, além de instrumentos esterilizados sem data e materiais metálicos com corrosão e ferrugem;
  • Produtos com validade vencida no estoque e geladeira de medicamentos sem controle de temperatura;
  • Falta de controle sobre a prescrição e administração de medicamentos controlados;
  • Ausência de licenciamento válido junto à Vigilância Sanitária e de Plano de Gerenciamento de Resíduos.

O endereço da clínica em Taboão da Serra também pode ser alvo de uma solicitação de mandado de busca e apreensão. Segundo informações da Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, o boletim de ocorrência registrado por Valéria, mulher trans que foi atendida na clínica em 2019, deu origem a um inquérito policial.

“O caso foi registrado pelo 39º DP como exercício ilegal da medicina e falsificação de documento. A unidade iniciou apuração e solicitou à Justiça mandado de busca e apreensão para um endereço em Taboão da Serra”, disse a SSP em nota.

Os documentos foram enviados para a comarca da cidade e o 1º DP de Taboão da Serra, que deve dar continuidade na investigação. A SSP disse ainda que a investigação está em curso, e que “diligências são realizadas para esclarecer o caso”.

Caso Lorena Muniz

A jovem Lorena Muniz, de 25 anos, foi abandonada dentro de uma sala na Clínica Saúde Aqui localizada no Centro da capital, durante um incêndio no dia 17 de fevereiro, segundo seu marido. Lorena morreu na madrugada desta segunda-feira (22) no Hospital das Clínicas da USP, na Zona Oeste.

O prontuário médico de Lorena diz que ela teve parada cardíaca por 17 minutos e queimou nariz e a orelha por conta da fumaça.

A causa da morte de Lorena, que consta no prontuário, ainda não foi confirmada. O Instituto Médico Legal (IML) ainda deve determiná-la no laudo necroscópico. Por enquanto, o atestado de óbito informa que a causa da morte é "indefinida". O caso de Lorena está sendo investigado pelo 1º Departamento Policial da Sé.

A defensora pública Isadora Brandão, que está acompanhando o caso de Lorena, informou que relatos de testemunhas que estavam na clínica localizada na Liberdade, no Centro de São Paulo, confirmam que o local não tinha extintores de incêndio, e os funcionários do estabelecimento tiveram que pedir extintores emprestados para outros locais.

“Eles nem sequer sabiam como manusear o extintor, ou seja, estavam completamente despreparados. Esperamos também que o Ministério Público (MP) apure se a clínica tinha aval para realizar esses procedimentos cirúrgicos”, disse Brandão.

A defensora explicou que, para mulheres em processo de transição de gênero, a cirurgia de silicone não tem valor apenas visual.

“A cirurgia de prótese mamária não é um procedimento estético, em relação a mulheres trans isso faz parte de uma demanda de saúde. Para essas pessoas. é importante ter um corpo que condiz com a identidade de gênero autopercebida”, explicou.

Para Kátia*, que foi paciente da mesma equipe que Lorena em 2014, o caso de Lorena Muniz é um exemplo da ausência de alternativas para transição de gênero no sistema público.

"Eu acho que se ela não fosse uma pessoa trans não teria sido deixada pra trás naquele dia em que pegou fogo naquele lugar. Se o SUS de fato cumprisse com seu papel no processo transexualizador, Lorena nem teria precisado ir fazer naquele lugar, teria feito com segurança em um hospital público. A transexualidade é uma questão de saúde pública e deveria ser de fato tratada como tal", disse.

Em nota, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra) lamentou a morte de Lorena e disse que a fila para fazer o processo transexualizador no SUS "faz com que grande parte da população trans acabe se submetendo a modificações corporais pouco planejadas". Na nota, a associação disse ainda que as mulheres trans são obrigadas "a buscar profissionais que acabam por se aproveitar de nossa vulnerabilidade [...], especialmente aqueles conhecidos por nos tratarem como mercadoria e sem nenhum compromisso com nossas vidas".

O Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública de São Paulo destacou que outras mulheres que tenham queixas sobre os serviços prestados em clínicas de cirurgia plástica podem procurar a Defensoria pelo e-mail: [email protected] ou pelo telefone: (11)99965-6036.

“Sabemos que existem reclamações, mas ainda não fomos procurados por nenhuma dessas pessoas. Estamos à disposição”, disse a defensora Isadora Brandão.

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