Prestes a completar dois anos, a morte de Bernardo Boldrini, assassinado em abril de 2014 no Rio Grande do Sul, será lembrada neste sábado (2) com homenagens em Três Passos, onde o garoto morava com a família. Cartazes com a foto do menino espalhados por pontos da cidade e em frente à casa onde ele vivia com o pai, a madrasta e a irmã, não deixam o crime cair no esquecimento e pedem justiça.
À noite, uma missa celebrada pelo padre Rudinei da Rosa reunirá a comunidade na Igreja Matriz, onde Bernardo foi coroinha, no Centro do pequeno município de 25 mil habitantes. Foram impressas mil lembrancinhas, que serão entregues ao participantes.
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Bernardo desapareceu no dia 4 de abril de 2014, data em que foi morto. O corpo do menino só foi encontrado dez dias depois, envolto em um saco plástico e enterrado em um buraco na área rural de Frederico Westphalen. A cidade fica a cerca de 80 quilômetros de Três Passos.
O caso ainda causa muita comoção. Na cidade, não há outro assunto neste fim de semana, que marca a véspera do dia da morte.
Amigos e amigas de Bernardo preservam sua memória conservando na calçada, em frente à casa dele, um jardim. As flores brancas são trocadas toda vez que ficam murchas, e do lado de fora do portão, mal não dá pra ver a enorme residência dos Boldrini, que ocupa quase meio quarteirão. Banners, faixas e cartazes com mensagens e fotos de Bernardo ocupam a grade e colorem o espaço.
Mas o momento também é de reflexão para muitos que conviveram com o Bernardo. "Chega essa época e a gente começa a lembrar mais, de tudo, de como foi", recorda Juçara Petry, 56 anos, amiga do menino e a quem ele chamava de "mãe".
Ela, no entanto, prefere não comentar muito o assunto. "A gente já falou tanto, sabe? Já falei tudo o que tinha pra falar sobre isso. Estou tão desacreditada da justiça que prefiro ficar mais quieta agora", pondera ela.
Desde abril de 2014, os quatro réus estão presos, e atualmente aguardam julgamento: o médico cirurgião Leandro Boldrini, pai da criança, a madrasta Graciele Ugulini, a amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, e o irmão Evandro Wirganovicz.
A Polícia Civil investigou e concluiu que o menino morreu em razão de uma superdosagem do sedativo midazolan. Graciele e Edelvânia teriam aplicado o medicamento que levou o garoto à morte. Depois, as duas teriam recebido ajuda de Evandro para cavar a cova e ocultar o cadáver. A denúncia do Ministério Público ainda apontou que Boldrini foi o mentor de todo o crime.
A Justiça decidiu pelo júri popular para os quatro. No entanto, as defesas de Boldrini, Graciele e Evandro recorreram. O recurso começou a ser analisado em janeiro, mas foi suspenso e não tem data para ser retomado.
Relembre o caso
Bernardo foi visto vivo pela última vez no dia 4 de abril de 2014. No início da tarde daquele dia, uma sexta-feira, Graciele foi multada por excesso de velocidade na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A mulher trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen, que fica a cerca de 80 quilômetros de distância de Três Passos, onde a família residia. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino.
Bernardo morava com o pai, a madrasta e a filha do casal, à época com cerca de um ano, em uma casa em Três Passos. A mãe do menino, Odilaine, foi encontrada morta dentro da clínica do então marido em fevereiro de 2010. À época, a polícia concluiu que ela cometeu suicídio com um revólver. A defesa da mãe dela, Jussara Uglione, contestou a versão. O inquérito foi reaberto. Concluído em março deste ano, a nova investigação não apontou indícios de homicídio. Para a polícia, Odilaine se matou.
A relação do pai e da madrasta com Bernardo era conturbada. Vídeos gravados no celular do pai e recuperados durante a investigação da morte do menino mostram brigas na casa da família e evidenciam a tensão doméstica entre os três. Em um deles, o menino grita por socorro, e discute com Graciele, que o ameaça. Em outro, o garoto pega um facão na mão, e é provocado pelo pai. As imagens são de 2013, um ano antes da morte de Bernardo.
Imagens de uma câmera de segurança de um posto de combustíveis mostram os últimos momentos de Bernardo com vida. Ele aparece deixando a caminhonete da madrasta, e saindo com ela e com Edelvânia. Quase duas horas depois, as duas retornam para o mesmo local, mas sem Bernardo (assista ao lado). O vídeo foi decisivo para as investigações, porque mostra a madrasta chegando com Bernardo e retornando sem ele, esclarecendo também a participação de Edelvânia no caso, que dias depois revelou o local onde o garoto foi enterrado.
O menino foi dado como desaparecido. O pai procurou a polícia para registrar o sumiço do filho no dia 6 de abril, um domingo. O corpo dele foi encontrado no dia 14 de abril, enrolado em um saco plástico e enterrado em uma cova rasa, em um matagal de Frederico Westphalen.
Para a Polícia Civil, Bernardo foi morto com uma superdosagem do sedativo midazolan. Graciele e Edelvânia teriam aplicado o remédio que causou a morte do garoto e depois teriam recebido a ajuda de Evandro para cavar a cova e enterrar o corpo.
A denúncia do Ministério Público ainda apontou que o pai atuou como mentor do crime, juntamente com Graciele. Segundo o MP, interceptações telefônicas (ouça os áudios) e laudos periciais comprovam. Boldrini nega.
A defesa de Edelvânia, mudou sua versão sobre o crime. Nas imagens (assista ao lado), ela aparece ao lado do advogado e diz que a criança morreu por causa do excesso de medicamentos dados pela madrasta. Na época em que ocorreram as prisões, Edelvânia havia dito à polícia que a morte se deu por uma injeção letal e que, em seguida, ela e a amiga Graciele jogaram soda cáustica sobre o corpo,para dissolver a pele do menino e eliminar provas. A mulher ainda diz que o irmão, Evandro, é inocente. A defesa de Graciele não comentou a nova versão.
Em 16 de maio de 2014, a Justiça aceitou a denúncia contra os quatro, que tornaram-se réus no processo. Boldrini, Graciele e Edelvânia respondem por homicídio quadruplamente qualificado (motivos torpe e fútil, emprego de veneno e recurso que dificultou a defesa da vítima) e ocultação de cadáver. O pai também responde por falsidade ideológica. Já Evandro é acusado de homicídio simples e ocultação de cadáver.
Um ano e três meses depois, saiu a sentença de pronúncia, que determinou o julgamento popular dos quatro réus. Ainda não há data para o julgamento. Enquanto isso, os advogados de Boldrini, Graciele e Evandro recorreram da decisão judicial. O recurso não foi apreciado.