
Uma luta desigual entre consumidores e operadoras de saúde
O acesso à saúde deveria ser um direito garantido e protegido, mas, na prática, consumidores de planos de saúde enfrentam uma batalha constante para que seus contratos sejam cumpridos. Não é raro que pacientes tenham procedimentos médicos negados, tratamentos interrompidos e até internações recusadas, mesmo quando há recomendação médica e cobertura prevista em contrato. Quando isso acontece, muitos recorrem à Justiça e obtêm decisões favoráveis. Mas a grande questão é: de que adianta uma ordem judicial se os planos simplesmente não a cumprem?
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O caso de Maceió/AL: um exemplo revoltante
Em Maceió, Alagoas, um segurado precisou de atendimento médico de urgência para tratamento de aneurisma cerebral não-roto, uma condição grave que poderia levar à morte caso não fosse tratada rapidamente. Diante da negativa do plano de saúde, a família buscou a Justiça e conseguiu uma liminar determinando a imediata realização do tratamento.
Entretanto, a operadora do plano de saúde simplesmente ignorou a decisão judicial. Se não fosse pela mobilização da família, que reuniu recursos próprios para custear o tratamento particular, o paciente poderia ter vindo a óbito. O procedimento custou cerca de R$ 170 mil reais, um valor que, em tese, deveria ter sido coberto pelo plano.
Na sentença final do processo, o juízo condenou a operadora a pagar uma indenização de apenas R$ 10 mil por danos morais. O que isso significa do ponto de vista econômico?
Que descumprir a ordem judicial foi um ótimo negócio para o plano de saúde. Em vez de arcar com os R$ 170 mil reais do tratamento, a operadora pagou uma indenização muito menor, maximizando seus lucros e estabelecendo um precedente perigoso: para essas empresas, vale mais a pena desobedecer à Justiça do que cumprir suas obrigações contratuais.
Decisão judicial não basta?
O caso de Maceió não é isolado. O Judiciário tem sido um dos principais caminhos para pacientes que precisam de atendimento urgente e são ignorados pela “maioria” das operadoras de saúde. Casos emblemáticos mostram que, muitas vezes, apenas uma liminar pode garantir que o tratamento aconteça a tempo. O problema surge quando as operadoras resistem ao máximo e protelam o cumprimento das decisões.
Em diversos estados do Brasil, tribunais já reconheceram o descumprimento frequente de ordens judiciais por parte de planos de saúde. O que deveria ser um direito do paciente se torna um verdadeiro jogo de paciência, onde as empresas apostam na morosidade da Justiça ou na falta de recursos dos consumidores para lutar por seus direitos.
Sanções ineficazes: multas que não assustam
Um dos maiores problemas desse cenário é a ineficácia das sanções aplicadas às empresas que desrespeitam as decisões judiciais. Em teoria, o não cumprimento pode gerar multas diárias (as chamadas astreintes), mas, na prática, muitas operadoras preferem acumular essas multas e recorrer judicialmente para reduzi-las posteriormente. O resultado? O consumidor fica sem atendimento e a empresa segue operando sem grandes consequências.
Nos últimos anos, a Justiça tem reconhecido que essas multas não têm sido eficazes para impedir o descumprimento das decisões. Em São Paulo, por exemplo, o Tribunal de Justiça já determinou que algumas operadoras pagassem valores milionários por desrespeitarem liminares, mas mesmo assim, os casos continuam se repetindo.
A ANS e o papel da regulação
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pela fiscalização dos planos de saúde, deveria ter um papel mais ativo nessa questão. Embora a agência aplique sanções e multas a operadoras infratoras, a sensação de impunidade ainda persiste. As penalidades, na maioria dos casos, não são suficientes para desestimular essa prática.
O que falta, portanto, é um endurecimento das penalidades e uma fiscalização mais rigorosa, que vá além das multas financeiras. Algumas propostas, como a suspensão de venda de novos planos por empresas reincidentes ou até a revogação da licença de operadoras que descumprem ordens judiciais de forma sistemática, poderiam ter um impacto mais significativo.
E o consumidor?
Para o consumidor, a sensação é de impotência. Mesmo após vencer na Justiça, muitas vezes ele precisa lidar com a burocracia para fazer valer o seu direito. O tempo, que já é um fator crítico para quem precisa de atendimento médico, se torna mais um obstáculo. Além disso, nem todos os cidadãos têm acesso a advogados ou recursos para entrar com ações judiciais, o que agrava ainda mais o problema.
O que precisa mudar?
1. Cumprimento imediato de decisões judiciais – Medidas mais rígidas, como o bloqueio de valores diretamente das contas dos planos de saúde, poderiam evitar a postergação no cumprimento das decisões.
2. Fiscalização mais efetiva – A ANS precisa atuar com mais rigor contra operadoras reincidentes.
3. Sanções mais duras – Além de multas, é necessário adotar punições que realmente causem impacto, como restrições à venda de planos e cassação de licenças.
4. Transparência e controle social – Listas públicas de operadoras que descumprem decisões judiciais poderiam ajudar os consumidores na hora de escolher um plano de saúde.
Conclusão
A crise no setor de planos de saúde mostra um cenário preocupante: empresas que deveriam garantir assistência médica agem como se estivessem acima da lei. Enquanto isso, pacientes continuam sendo prejudicados, muitas vezes com consequências irreversíveis. O Judiciário tem tentado conter esses abusos, mas sem medidas eficazes de fiscalização e punição, a sensação de impunidade prevalece.
O caso de Maceió é um exemplo claro de como as operadoras operam: ignoram a Justiça, sacrificam vidas e lucram ainda mais com o descumprimento da lei. Está na hora de mudar esse jogo. O direito à saúde não pode depender da boa vontade de operadoras que só visam lucro. O cumprimento das decisões judiciais deve ser imediato, e o desrespeito à lei não pode continuar saindo barato. Afinal, quando o direito à vida está em risco, não há espaço para descaso.
*Mediador, Analista em comércio exterior, Advogado – Presidente da CDMPA, da OAB/AL – Empresário e Sócio Administrador das empresas, SAFEMARES & TSS.
*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.