
Recentemente, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) tem discutido a possibilidade de permitir que dentistas realizem cirurgias plásticas no rosto, um tema que gera grande preocupação, principalmente quando pensamos nos riscos que essa decisão pode representar para a saúde da população. Como especialista da área médica e cirúrgica, acredito que é fundamental esclarecer as razões pelas quais essa medida é temerária e coloca a segurança e o bem-estar da sociedade em risco.
O rosto humano é uma área extremamente delicada e funcional. Ele abriga estruturas vitais como olhos, nariz, boca e as vias aéreas superiores. Além de sua função estética, essas regiões possuem papéis essenciais em nossa sobrevivência, como a respiração, alimentação e comunicação. Assim, qualquer procedimento que envolva a face deve ser tratado com extrema seriedade e com uma compreensão profunda da anatomia e das funções dessas estruturas.
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Hoje, há uma tendência preocupante de banalização dos procedimentos estéticos, especialmente quando falamos em intervenções que envolvem a face. É fundamental destacar que, ao realizar qualquer tipo de cirurgia ou procedimento invasivo, a estética deve ser considerada em harmonia com a função. No caso da cirurgia plástica facial, isso significa compreender a complexidade dos tecidos envolvidos, os riscos potenciais e a necessidade de uma formação especializada para lidar com complicações durante e após o procedimento.
É importante lembrar que um cirurgião plástico é, antes de tudo, um médico. O caminho para se tornar um cirurgião plástico exige anos de formação rigorosa. Após a graduação em Medicina, o profissional deve passar por um treinamento de residência médica em Cirurgia Geral, que dura três anos e oferece uma base essencial para entender as complicações de uma cirurgia, o comportamento dos tecidos do corpo humano e as repercussões sistêmicas de um procedimento invasivo. Somente após essa etapa é que o médico pode, então, se especializar em Cirurgia Plástica, em um processo que demanda dedicação quase exclusiva, com carga horária intensa e um aprendizado contínuo.
Durante esse processo, o cirurgião plástico é treinado em uma variedade de áreas, incluindo queimaduras, cirurgias craniofaciais, reconstrução de mama, reconstrução de nariz, pálpebras, orelhas e outras estruturas corporais. Esses conhecimentos, adquiridos durante anos de estudo e prática, são fundamentais para a realização de cirurgias plásticas faciais e estéticas de forma segura e eficaz. A cirurgia estética, longe de ser uma especialidade isolada, deriva de toda essa base técnica e científica construída ao longo de anos de formação.
Permitir que dentistas realizem cirurgias plásticas faciais sem a devida qualificação médica é uma medida que ignora todo o percurso de aprendizado e a experiência necessários para realizar esses procedimentos com segurança. O risco de complicações graves aumenta consideravelmente quando profissionais não habilitados realizam intervenções complexas como as cirurgias faciais. O que vemos hoje em procedimentos estéticos minimamente invasivos, como preenchimentos e injeções de bioestimuladores, já é um reflexo de como a falta de formação adequada pode levar a complicações sérias, como deformidades, complicações vasculares graves e danos irreversíveis à saúde do paciente.
É importante ressaltar que a capacitação para realizar tais intervenções exige, além do conhecimento técnico, a habilidade de avaliar o estado de saúde do paciente, realizar uma avaliação pré-operatória cuidadosa e conduzir a cirurgia de forma adequada. Sem esse preparo, o risco de complicações aumentaria exponencialmente, colocando em risco a saúde dos pacientes, além de resultar em prejuízos estéticos e psicológicos que podem afetar profundamente a qualidade de vida das pessoas.
Ninguém está impedido de se tornar um cirurgião plástico, mas essa formação exige um caminho árduo, que não pode ser encurtado por interesses mercadológicos. A cirurgia plástica é uma especialidade séria, que demanda tempo, experiência e um entendimento profundo da anatomia, das funções e das complicações que podem surgir durante os procedimentos. O desejo de acessar um mercado lucrativo rapidamente, sem o devido preparo, é uma motivação que claramente não visa ao benefício da população, mas sim ao interesse econômico, e coloca em risco a qualidade do atendimento e a segurança dos pacientes.
Em resumo, permitir que profissionais sem a formação necessária realizem cirurgias plásticas faciais pode ser comparado a um retrocesso na qualidade dos serviços à população. Isso representa não apenas um risco iminente à saúde, mas também uma deterioração do serviço de saúde que deve ser garantido à população. Devemos proteger a saúde dos cidadãos e garantir que somente profissionais com a formação e experiência necessárias possam realizar procedimentos cirúrgicos, especialmente quando envolvem áreas tão sensíveis e essenciais para o bem-estar humano.
Dra. Luciane Gemelli - @dralucianegemelli
Cirurgiã Plástica e Cosmiatra
Proprietária da Clínica Dra Luciane Gemelli
Graduada em Medicina pela Universidade Federal de Ciências da Saúde
Epecialista em Cirurgia Plástica pelo MEC, pela Associação Médica Brasileira e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP)
Pós-graduação em Cosmiatria, Laser e Procedimentos no Hospital Albert Einstein Pós-graduação em Cirurgia Craniofacial na Beneficência Portuguesa
*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.