
Vivemos em uma época que oscila entre dois extremos quando o assunto é parentalidade. De um lado, a romantização absoluta da maternidade e da paternidade, onde pais são vistos como heróis que se sacrificam a qualquer custo pelos filhos, anulando-se no processo. Do outro, a ideia de que criar filhos é um fardo pesado demais, uma prisão que rouba a identidade, a liberdade e os sonhos.
Mas será que a parentalidade consciente precisa ser vista por esses dois prismas? E se, ao invés de assumirmos a postura de heroínas ou vítimas, compreendêssemos a verdadeira essência desse chamado?
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Ser mãe ou pai não é um projeto pessoal. Não é um título que recebemos para nos sentirmos melhores ou um peso imposto pela vida. É um chamado. Deus nos confia uma alma em formação e nos convida a sermos instrumentos na construção do seu caráter, da sua inteligência e da sua espiritualidade.
Isso significa que educar não é apenas garantir conforto material, alimentação saudável ou um bom futuro acadêmico. Esses aspectos são importantes, mas não bastam. Criar um filho é uma jornada que envolve ensinar a virtude, modelar o autocontrole, ajudar a ordenar os afetos e fortalecer o espírito.
Uma criança não nasce pronta. Ela chega ao mundo com suas potencialidades, mas precisa de guias que a ajudem a desenvolvê-las. Esse é o papel dos pais.
O problema da mentalidade heroica na parentalidade é que ela transforma o ato de criar um filho em um sacrifício absoluto, como se o esgotamento e a renúncia completa fossem sinais de uma boa maternidade ou paternidade. Mas não fomos chamados a nos anular. Um pai ou uma mãe que se destrói no processo não está cumprindo bem sua missão. Porque uma das nossas primeiras responsabilidades é justamente sermos fortes o suficiente para sermos pontos de apoio.
Por outro lado, a mentalidade da vítima é igualmente perigosa. Quando começamos a ver a parentalidade como um peso, algo que nos sufoca e nos impede de viver, começamos a alimentar ressentimentos e frustrações. Isso nos afasta da beleza da missão e nos faz esquecer que os filhos não são um obstáculo à nossa felicidade – eles fazem parte dela.
Uma criança só aprende a confiar no mundo quando vê seus pais caminhando com firmeza. Ela percebe se estamos assumindo nosso papel com convicção ou se estamos apenas suportando o peso do dia a dia.
Se os pais vivem na postura da vítima, reclamando constantemente da carga que carregam, a criança absorve a mensagem de que ela é um fardo. Se os pais assumem o papel de heróis sacrificiais, se anulando em prol dos filhos, a criança aprende que sua existência exige que outros sofram por ela. Nenhuma dessas mensagens ensina maturidade ou responsabilidade.
O que a criança precisa ver? Pais que não terceirizam a missão de educar, mas que também não vivem em exaustão e sobrecarga emocional. Pais que compreendem que criar filhos é um chamado para formar almas e que isso exige firmeza, constância e amor verdadeiro – aquele que orienta, corrige e fortalece.
No final das contas, a parentalidade consciente não nos convida a sermos pais perfeitos, mas pais presentes. Não se trata de eliminar os desafios, mas de vivê-los com sentido.
Seja qual for a fase que estamos vivendo com nossos filhos, a pergunta que precisamos nos fazer todos os dias é: estou assumindo meu papel com verdade?
Porque quando olhamos para a maternidade e a paternidade por essa lente, entendemos que a criação dos filhos não é um peso que carregamos, nem uma batalha que precisamos vencer. É um chamado divino – e respondê-lo com amor é a maior honra que podemos ter.
Com carinho, Beatriz Samaia, Educadora Parental especializada em Psicopedagogia (@beatrizsamaia)
*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.