Você já deve ter ouvido a frase: “Ninguém retorna igual de uma viagem”. Eu gosto de dizer: Nenhum paladar permanece o mesmo após um novo lugar.
É fato que, viajar, conhecer lugares, histórias e pessoas, renova a alma, e tudo isso perpassa pelas experiências gastronômicas que vivemos numa viagem, seja para qualquer lugar – em nosso estado, país ou até para outra nação. A comida revela a identidade cultural e social de uma localidade, assim como, por intermédio das nossas pupilas gustativas, conhecemos as histórias vividas por um povo.
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Acerca desta temática vale transcrever trecho do livro A formação da cultura brasileira: escritos sobre a cozinha inzoneira, do brilhante Carlos Alberto Dória:
“As culinárias nacionais não se resumem a conjuntos de receitas partilhadas. Elas incluem dimensões que não são visíveis, como tabus alimentares, ideias sobre a nobreza de alguns ingredientes, idealizações sobre cardápios relacionados a vivências especiais (como festas ou cultos religiosos), técnicas de tratamento das matérias-primas visando à sua purificação mais do que à construção de sabores. Além disso, também intervêm na culinária elementos extraculinários. No conjunto, as fronteiras entre as várias cozinhas – sejam elas regionais ou nacionais – podem sempre ser definidas a partir de marcadores culturais fortes. [...] Portanto, é quase da ordem do mistério o modo como se formaram os sistemas culinários - não havendo outro remédio senão interrogar a história e a cultura de cada povo para tentar iluminar, de modo mais particular do que geral, as soluções adotadas sobre o que comer e o que não comer.”
A colonização, migração, trocas culturais resultantes do comércio e interações entre diferentes grupos étnicos são as principais maneiras pelas quais as culturas se misturam e influenciam a culinária de uma região. Podemos citar como exemplo, a colonização europeia nas Américas, a qual trouxe novos ingredientes e técnicas culinárias que se fundiram com as tradições alimentares indígenas para criar pratos únicos no Brasil.
Durante os tempos antigos, as rotas comerciais da Rota da Seda conectavam o Oriente Médio, Ásia Central, Índia, China e Europa, possibilitando a troca de ingredientes e técnicas culinárias. Isso resultou em pratos que combinavam influências de várias culturas, como o uso de especiarias indianas em pratos chineses, ou o uso de ingredientes do Oriente Médio em receitas europeias.
Ao viajar para determinado lugar e quando da vivência de alguma experiência gastronômica, é importante a consciência de que a comida local, impressão da identidade cultural daquele povo teve influência de diversos elementos culinários e extraculinários ao longo da história, até estar ali daquela forma em seu prato.
Percebe-se que a cozinha fusionada ou “fusion food”, seja de forma intencional ou natural, tem acontecido há séculos em diversos países, nos quais as expressões culinárias transcendem fronteiras e tradições gastronômicas, misturando elementos de diferentes culturas.
Então, vai viajar para algum lugar e tem interesse em conhecer o povo, história e local por intermédio da comida, aqui vão minhas dicas:
• Pesquise restaurantes antes de viajar - Descubra restaurantes que são conhecidos por sua fusion food ou que oferecem uma interpretação única das culinárias locais combinadas com influências de outras regiões.
• Experimente a cozinha de rua - Explore mercados locais, barracas de comida e feiras de rua para experimentar pratos que combinam influências de diferentes culturas. Você pode encontrar tacos coreanos, hambúrgueres tailandeses, ou sobremesas que combinam elementos da culinária local com toques internacionais.
• Se puder, conheça restaurantes de chefs conceituados: Muitas vezes, esses chefs incorporam influências de diferentes culturas em seus menus, oferecendo uma experiência gastronômica verdadeiramente única e memorável.
• Seja aventureira(o) e se arrisque: Esteja aberta(o) a novas experiências e sabores, não tenha medo de experimentar pratos que possam parecer incomuns ou desconhecidos
E, quando viajar, numa experiência gastronômica local, tenha sempre em mente que, aquela comida tradicional, muitas vezes, pode refletir a identidade cultural e histórica de inúmeros lugares diferentes, sendo, literalmente, um mundo de sabores em seu prato.
Referências:
• RUEDA, Jefferson e BIAZIOLI, Tânia. Menu Caminhos e Fronteiras. São Paulo: Attimo, 2013. _______________________________. Menu Estradas e Conquistas. São Paulo: Attimo, 2014.
• CARNEIRO, Henrique. Comida e sociedade: uma história da alimentação. Rio de Janeiro: Campus, 2003
• CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. 3 ed. São Paulo: Global, 2004.
• Dória, Carlos Alberto. A formação da culinária brasileira: escritos sobre a cozinha inzoneira. 1 ed. São Paulo: Fósforo. 2021.
Luiza Fernandes
Pós-graduanda em Nutrição e Gastronomia: Integrando Saúde e Cozinha (SENAC/SP)
Chef Executiva do restaurante saudável Aya de Comer
@luizasouzac / @ayadecomer
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