
“Engole o choro!”, “Você não tem motivo pra ficar com raiva!”, “Se continuar assim, vai apanhar!”. Essas frases, comuns na infância de muitos adultos de hoje, são apenas alguns exemplos de como nossa sociedade aprendeu a lidar com as emoções: silenciando-as. A ideia era de que sentimentos fortes precisavam ser reprimidos, principalmente os “negativos”, como tristeza, medo ou raiva. No entanto, a neurociência do comportamento nos mostra que essa abordagem traz consequências profundas para o desenvolvimento emocional e até para a saúde mental de uma criança.
Educação emocional é o processo de aprender a reconhecer, compreender, nomear, expressar e regular emoções. É uma habilidade essencial para a vida — tão fundamental quanto aprender matemática ou português. Crianças que desenvolvem inteligência emocional desde cedo tornam-se adultos mais empáticos, resilientes, cooperativos e mentalmente saudáveis.
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O problema é que muitos pais e mães de hoje não aprenderam isso em sua própria infância. Cresceram em lares onde sentimentos eram tabu, vulnerabilidade era vista como fraqueza, e comportamentos “inadequados” eram corrigidos com gritos, ameaças ou punições. Agora, diante de seus filhos, percebem que não sabem como reagir diante de uma birra, de um choro incontrolável ou de uma crise de raiva. E isso gera culpa, frustração e insegurança.
A boa notícia é: nunca é tarde para aprender. E a melhor hora para começar é agora.
A casa é o primeiro ambiente onde a criança aprende sobre o mundo — e isso inclui o mundo interno. A forma como os adultos reagem às emoções da criança ensina muito mais do que qualquer discurso. Se ela é acolhida quando chora, aprende que é seguro sentir tristeza. Se é escutada quando está com raiva, aprende que pode expressar seus sentimentos sem medo de rejeição. Por outro lado, se é ignorada, ridicularizada ou punida por sentir, aprende a reprimir, esconder ou transformar esses sentimentos em comportamentos destrutivos.
A educação emocional começa no dia a dia, nas pequenas interações. Veja alguns exemplos práticos:
- Dê nome ao que a criança sente: em vez de dizer “pare de chorar”, experimente dizer “você está triste porque o brinquedo quebrou, né?”. Isso ajuda a criança a desenvolver o vocabulário emocional e a criar conexões no cérebro que tornam mais fácil identificar e regular emoções com o tempo.
- Valide o sentimento, mesmo quando corrige o comportamento: “Eu entendo que você ficou bravo porque seu irmão pegou o brinquedo, mas bater não é a solução. Vamos pensar juntos em outra forma de resolver isso?” Esse tipo de fala mostra que sentir não é errado, mas existem formas mais adequadas de agir.
- Seja o exemplo que você quer ensinar: as crianças aprendem muito mais observando do que ouvindo. Se você grita toda vez que está frustrado, está ensinando que gritar é uma forma aceitável de lidar com frustrações. Trabalhar sua própria regulação emocional é um presente que você dá a si mesmo e aos seus filhos.
- Crie momentos de conexão emocional: conversas sobre como foi o dia, escuta ativa, empatia nos momentos difíceis... Tudo isso constrói segurança emocional. Uma criança que se sente compreendida tem mais facilidade em desenvolver autoestima e empatia.
É importante lembrar que crianças pequenas ainda estão desenvolvendo o cérebro emocional. Elas não têm, biologicamente, a mesma capacidade de autorregulação que um adulto. Esperar que uma criança de 3 anos “seja madura”, “tenha autocontrole” ou “entenda a lógica” de um castigo é desconhecer como o cérebro infantil funciona. Cabe aos adultos ensinarem esse caminho com paciência, repetição e amor.
Educar emocionalmente dá trabalho. Exige consciência, mudança de padrões, esforço diário. Mas os resultados são duradouros. Você não está apenas evitando uma birra hoje — está preparando seu filho para lidar com frustrações, construir relacionamentos saudáveis, desenvolver empatia e enfrentar a vida com mais equilíbrio.
Se você não aprendeu isso na sua infância, está tudo bem. Você não tem culpa por isso. Mas agora tem uma escolha: quebrar o ciclo e ser o adulto que seu filho precisa.
A educação emocional é uma jornada, e, como toda jornada, começa com o primeiro passo.
Silvania Valle é orientadora parental, especialista em neurociência do comportamento e do trauma, neurodesenvolvimento infantil e autora de livros sobre regulação emocional e desenvolvimento infantil. Atua ajudando pais e mães a criarem filhos mais equilibrados emocionalmente, com menos gritos e mais conexão. No Instagram, tem dois perfis. Em um deles compartilha dicas e conteúdos práticos para transformar a relação com os filhos. Em outro, auxilia mulheres a lidarem com o estresse do dia a dia.*Os artigos assinados são de responsabilidade dos seus autores, não representando, necessariamente, a opinião da Organização Arnon de Mello.