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HOME > blogs > LETRAS DE ALAGOAS
Imagem ilustrativa da imagem ERA UMA VEZ UMA VIZINHANÇA... | Enaura Quixabeira Rosa e Silva

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Letras de Alagoas

ERA UMA VEZ UMA VIZINHANÇA... | Enaura Quixabeira Rosa e Silva

A casa era pequena, de porta e janela, a rua de chão batido, com uma rica variedade de casas. Algumas muito grandes, com um quintal cheio de árvores frutíferas, eram verdadeiros sítios. Outras estreitas, de porta e janela, e outras ainda, como a do carvoeiro e esposa que só tinha uma porta.

Havia uma casa grande, que oferecia ao transeunte um lindo jardim, onde moravam duas famílias. Um funcionário de um banco com vários filhos e sua cunhada viúva com uma filha.

A água encanada chegou à rua, mas não às casas. Cada porta tinha uma torneira e os moradores compraram potes de barro para colocar a água que beberiam e faziam tanques nos quintais para o banho, nos quais colocavam pedras de enxofre. Os quintais se comunicavam porque não haviam muros, só cercas. Não possuíam geladeiras, então as feiras eram compartilhadas para evitar desperdício. A fraternidade dos menos favorecidos...

E prestem atenção: eram casais, os maridos trabalhavam, eram funcionários públicos, feirantes, alfaiates, havia até um bancário com clientes importantes, como fazendeiros, que tinham gado e forneciam o leite de vacas à esposa do bancário que vendia aos moradores. Verdadeiras “cooperativas” que possibilitavam uma rica alimentação às crianças dos moradores.

Ah! E as festas juninas? As fogueiras, os foguetes... e o milho assado nas brasas. Todos os vizinhos sentados em cadeiras nas calçadas ou sem calçadas conversando... trocando ideias.

As crianças felizes a correr com as “chuvinhas”, uma espécie de brinquedo que fazia a alegria das crianças. As mães compravam retalhos nas lojas, costuravam vestidos, camisas e enfeitavam os chapéus de palha que ornavam as cabeças da meninada. Simplicidade e graça se conjugavam e geravam felicidade.

Quando alguém partia para a eternidade, todos os vizinhos iam de preto ou cinza – roupas sóbrias – e não podia faltar o padre para encomendar o corpo ou uma vizinha para rezar o terço. Era uma comum/unidade. Ninguém sofria sozinho...

O Parque Rodolfo Lins era o espaço preferido dos moradores para celebrar São João, São Pedro e o Natal. Nos primeiros, as Quadrilhas (que não eram de bandidos...), formadas por pares jovens de vários bairros da Capital. Para festejar o Nascimento do Menino Jesus, no Natal, Chegança, Pastoril e Guerreiros. Construia-se um barco enorme de barro para a luta das espadas: “Guerreiro, chegou agora, Nossa Senhora é nossa defesa”.

E o Carnaval? Era outro momento lindo de convivência e alegria. Um senhor a quem todos os moradores chamavam Major formou, com os homens da vizinhança, um bloco intitulado 44 Espada d’Água e, após generosas doses de cachaça, percorriam as ruas da Levada com uma pequena orquestra de voluntários e os foliões que iam se incorporando ao grupo e a felicidade crescia.

Mas um dia, tudo acabou... O proprietário da maioria das casas alugadas faleceu e os herdeiros aumentaram os aluguéis, inviabilizando o pagamento aos moradores. Um por um foram empurrados para a Ponta Grossa e o Vergel do Lago, bairros mais distantes e mais baratos para comprar uma casinha e formar uma nova vizinhança.

Assim foi feito. Lá alguém havia construído umas casas de tijolos, estreitinhas, mas bem divididas com dois quartos, sala de visita e sala de jantar, um banheiro e um sanitário. Havia também uma lavanderia com um minúsculo alpendre onde se podia colocar uma rede tão cara ao nordestino ou gaiolas para ouvir o canto melodioso dos passarinhos.

Não se ouvia mais o apito do trem, o transporte era o ônibus, barulhento e perigoso, porque podia atropelar as pessoas. O trem não saía dos trilhos, mas o ônibus corria, ultrapassava, era abusivo. Ah! Que saudade do velho trem com sua fumaça...

Assim, uma nova comunidade se formou. Os moradores colocavam cadeiras nas estreitas calçadas, após o café da noite, e conversavam até as nove horas. Então, as portas se fechavam diante da necessidade do trabalho começar logo cedo.

Mas, o tempo passa com muita rapidez. Os filhos cresceram, estudaram, conseguiram empregos, conheceram outros jovens, se apaixonaram e foram morar em outros bairros. Os moradores envelheceram... alguns faleceram... e tudo acabou.

A vida é assim, imprevisível, dinâmica, sujeita a ventos e tempestades... O que fica sempre são as lembranças felizes que se luta para guardar ou as dolorosas que se deseja colocar no baú do esquecimento.

Há uma linda canção francesa que traduz esse sentimento: “Non, rien de rien, non je ne regrette rien... Ni le bien qu’on m’a fait, ni le mal, tout ça m’est bien égal¹...".

¹“Não, nada de nada, não me arrependo de nada... Nem o bem que me fizeram, nem o mal, tudo isso, tanto faz para mim...”.

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Enaura Quixabeira

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas (1964), mestrado em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (1994), doutorado em Programa de Pós Graduação Em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Alagoas (1999) e doutorado em Etudes Romanes - Université Stendhal Grenoble III (1999). Foi pró-reitora adjunta de pesquisa e pós-Graduação do Centro Universitário Cesmac, coordenadora do projeto binacional 'A utopia cristã no nordeste brasileiro' e crítica literária. Especializou-se em temas como beatismo e na obra do escritor mineiro Lúcio Cardoso.

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