
A Luzitânia, canoa de tolda e uma das poucas embarcações tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), passará por reparos em sua estrutura graças a um projeto com o apoio da Prefeitura de Penedo.
A Unidade Educacional da Ufal em Penedo foi selecionada formalmente pelo Iphan, por meio de um Termo de Execução Descentralizada (TED), para a execução técnica do projeto, com coordenação geral do professor Igor da Mata e apoio operacional do professor Rômulo Pires, do curso de Engenharia de Pesca.
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"Essa escolha nos enche de orgulho, considerando que se trata de uma verdadeira joia do patrimônio naval e cultural do Brasil, a primeira embarcação tombada como patrimônio nacional", ressaltou o professor Igor.
A canoa encontra-se estocada em Traipu, aguardando o traslado até um estaleiro provisório em Penedo, que está sendo preparado em um galpão cedido pela prefeitura para viabilizar o trabalho de reparos. De acordo com o professor, o local foi escolhido levando em consideração aspectos logísticos, como a proximidade da Ufal e do Rio São Francisco. Ainda não há previsão para a conclusão da obra no estaleiro, mas, após essa etapa, o Iphan, como fiel depositário do bem, providenciará o transporte.
“Trata-se de uma operação complexa, que, embora seja de responsabilidade do Iphan, está recebendo toda a orientação necessária, em parceria com a ONG Canoa de Tolda. Não mediremos esforços para garantir que esse processo seja conduzido com segurança e profissionalismo", destacou Igor da Mata.
A Ufal também receberá um novo aporte de recursos para contratar uma equipe composta por mestre artesão, carpinteiro naval, gerente de canteiro de obras e auxiliares. Após o início das obras, estima-se que o trabalho dure cerca de um ano. A ideia é que o projeto desperte o interesse dos alunos em áreas como tecnologias navais, navegação e patrimônio histórico, além de promover o engajamento da população de Penedo.

História sendo reparada
As canoas de tolda eram um símbolo do poder econômico do Rio São Francisco. Essas embarcações, feitas de madeira por mestres artesãos locais, eram adaptadas para navegar o rio, entre o sertão nordestino e a foz, transportando mercadorias como arroz, queijo, leite, querosene e gasolina.
Com capacidade para transportar até 250 sacos de 60 quilos e 22 passageiros, a canoa de tolda Luzitânia é uma remanescente da barcaça costeira, que, por sua vez, evoluiu da sumaca brasileira, uma embarcação originária da sumaca holandesa, tradicionalmente utilizada na costa norte da Alemanha e nos mares Bálticos durante os séculos 16 e 17.
O professor Igor da Mata explica que esse design naval se disseminou por outros países, adquirindo características locais ao longo do tempo.
Por sua vez, a barcaça costeira desempenhou um papel integrador no litoral nordestino brasileiro, enquanto a canoa de tolda foi crucial para a integração do Rio São Francisco. É interessante notar que esta embarcação também incorpora elementos de diversas culturas, como as asiática, africana e indígena.
“Até onde sabemos, não existe outro exemplo no mundo que demonstre tamanha convergência cultural, além de uma adaptação tão eficiente de tecnologia naval tradicional", destacou Igor, lembrando que, na década de 1930, ainda com o nome de Rio Branco, a Luzitânia foi utilizada como transporte por Virgulino Ferreira da Silva, o cangaceiro Lampião.
As canoas de tolda foram substituídas pelos barcos a motor e pelo transporte rodoviário após as mudanças ocorridas no rio ao longo dos últimos cem anos, incluindo a construção de barragens, hidrelétricas e, mais recentemente, a transposição do Rio São Francisco.
A Luzitânia, um dos últimos exemplares dessa embarcação, chegou a naufragar enquanto passava por reformas em 2022. Desde então, um processo judicial movido pela Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda resultou na posse do Iphan para resgatar a Luzitânia.
Cabe mencionar que a Ufal não é parte envolvida nesta ação judicial, priorizando seu empenho nas ações de conservação de um dos mais importantes elementos do patrimônio naval brasileiro.
Um novo capítulo com a Ufal
A chegada da Luzitânia é aguardada com entusiasmo pela comunidade acadêmica da Ufal em Penedo. O projeto de reparo servirá como base para a criação de um núcleo de tecnologias aquáticas na região. "Existe um plano de trabalho que vai muito além do reparo da Luzitânia. Queremos que esse seja um espaço de preservação e desenvolvimento de embarcações sustentáveis", adianta o professor Igor da Mata Oliveira, do curso de Engenharia de Pesca.
O galpão cedido pela Prefeitura de Penedo não tem o espaço necessário para abrigar o futuro Estaleiro Modelo, mas será um ponto de partida valioso. De imediato, a equipe implantará um Laboratório de Tecnologias Aquáticas, voltado para a preservação do patrimônio naval tradicional. Esse laboratório servirá como referência nacional para o estudo, recuperação, restauração, conservação e replicação de embarcações tradicionais, além do desenvolvimento de tecnologias e técnicas específicas para esses segmentos.
Igor adianta ainda que o local abrigará projetos de protótipos de embarcações de trabalho com propulsão sustentável, tripuladas e/ou autônomas, incluindo a conclusão do drone aquático de baixo custo para medição de vazão e batimetria de rios, desenvolvido pelo MapSãoFrancisco. Essas iniciativas alinham-se com o desenvolvimento de tecnologias navais sustentáveis para embarcações utilitárias do futuro.
Para a criação do Estaleiro Modelo, será necessário um espaço maior, cuja negociação está em andamento com a Prefeitura de Penedo. Além disso, será lançada a proposta do Museu do Rio, que poderia receber o acervo que a ONG Canoa de Tolda planeja doar à Ufal para ficar exposto e disponível para a sociedade.
*Com assessoria