
As vitrines que exibiam anéis de esmeralda com diamantes e brincos de turmalina paraíba com ouro branco em um prédio comercial na Asa Norte serviam, na verdade, para esconder a identidade real do dono da joalheria: um espião russo. No Brasil, Aleksandr Andreyevich Utekhin se apresentava como Eric Lopes, empresário e gemólogo (especialista em pedras preciosas).
Ele se identificava como brasileiro com um “português gringo”. A história foi revelada nessa quarta-feira (21/5) em uma reportagem do The New York Times que mostrou o Brasil como uma fábrica de espiões russos. Por ter um passaporte aceito na maioria dos países e uma grande variedade étnica, o Brasil passou a ser um paraíso para disfarçar as identidades dos agentes secretos e dar a eles uma nacionalidade mais acessível para as missões.
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O artigo cita duas lojas de Utekhin no Brasil, uma em Brasília e outra em São Paulo. O Metrópoles apurou que a joalheria citada pelo jornal norte-americano é a Esfel Jewelry, que ficava no sétimo andar de uma empresa comercial na quadra 702 da Asa Norte. A loja já foi desativada e uma seguradora funciona no local atualmente.

Apesar de não estar mais em funcionamento há pelo menos dois anos, a página da Esfel conta com 31 mil seguidores, 237 publicações e garantia de entrega em todo o Brasil. A loja funcionava com atendimento intimista e agenda marcada, para que os compradores pudessem tocar e provar as peças.
Como investimento no disfarce, Eric até pagou para que divulgassem a empresa dele no canal Empresários de Sucesso TV, que se define no YouTube como “o maior programa de empreendedorismo do Brasil”.
Na gravação publicada em 24 de abril de 2023, o nome de Eric é dito três vezes em 2 minutos e 33 segundos de duração. Ele não concedeu a entrevista, uma funcionária que falou para as câmeras. A única imagem de Eric é a divulgada pelo The New York Times, à qual a reportagem teve acesso a partir de uma investigação internacional envolvendo a Polícia Federal e a CIA. Os investigadores do caso acreditam que a empresa servia como fachada para reforçar as credenciais brasileiras do russo.
Entenda o que aconteceu
O Brasil virou um local de treinamento e construção de identidades falsas por espiões russos como forma de viabilizar a realização de serviços de espionagem mais avançados em outros países e regiões, como Estados Unidos, Europa e Oriente Médio, segundo revelou reportagem do jornal norte-americano The New York Times (NYT).
Segundo o NYT, a Polícia Federal brasileira estava atenta aos espiões e montou a Operação Leste para tentar desmantelar o esquema. O jornal mostrou que os espiões chegavam ao Brasil e buscavam uma nova identidade para construir uma vida normal e impossível de ser reconhecida.
A matéria cita o caso de Artem Shmyrev, que tinha uma empresa de impressão 3D e dividia um apartamento de luxo com a namorada no Rio de Janeiro. Ele tinha um nome brasileiro – Gerhard Daniel Campos Wittich – e se apresentava como um cidadão local, de 34 anos.
Além desse caso, uma espiã russa se passava por uma modelo brasileira, e um agente secreto se passando por estudante conseguiu uma bolsa de estudo em Harvard além de se inscrever em um projeto na Holanda, que estudaria os crimes de guerra na Ucrânia.
O jornal aponta que a investigação da PF desferiu um golpe devastador no programa de imigração ilegal de Moscou, pois eliminou um quadro de policiais russos altamente treinados que será difícil de substituir.
Até agora, os investigadores localizaram nove policiais russos com identidade brasileira.
Desses, dois foram presos, alguns retornaram para a Rússia e outros, já descobertos, podem não conseguir mais deixar o país nem atuar no exterior.
Seis nomes foram identificados publicamente até agora. A investigação teve envolvimento de pelo menos oito países, segundo o NYT.
A mesma unidade de agentes de contrainteligência da Polícia Federal que fez o monitoramento dos espiões russos foi responsável pela investigação da tentativa de golpe que o ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados respondem no Supremo Tribunal Federal, aponta o jornal.
Segundo as informações do jornal norte-americano, Utekhin passou um período no Oriente Médio. O paradeiro dele é desconhecido, mas a suspeita é que ele tenha retornado à Rússia.
A loja no DF chegou a ser alvo de operação da Polícia Federal, mas os agentes não encontraram nenhum sinal de Utekhin, nem do ouro ou das pedras preciosas que ele anunciava no Instagram.
O Metrópoles apurou que o CNPJ da loja continua ativo, mas a última publicação nas redes sociais foi feita em maio de 2022.
O endereço da loja do russo na Avenida Paulista, na capital de São Paulo, também foi desativado. O local onde o espião russo se disfarçou fica em frente a um batalhão da Polícia Militar e hoje é ocupado por uma imobiliária, segundo o jornal.
A reportagem tentou contato com o estabelecimento, mas não teve reposta.