
O que é o futebol? Para alguns, o futebol é apenas um esporte coletivo, onde 22 jogadores tentam colocar a bola na rede adversária. Mas, se fosse só isso mesmo, será que seria tão amado assim por todo o mundo? O futebol não é só um esporte. Para muitos, é a oportunidade de mudar para melhor a realidade das suas famílias e das pessoas ao seu redor. Seja tendo uma carreira de sucesso em um clube grande, ou ajudando outras pessoas a terem esse sucesso, ou pelo menos ter a oportunidade de tentar. Existe todo um movimento social envolvido por trás deste ‘simples’ esporte e isso é um dos maiores motivos da sua popularidade.
Na região perto do Estádio Rei Pelé, à beira da Lagoa Mundaú, o subtenente Joel da Silva, da Polícia Militar-AL, criou um projeto com o intuito de auxiliar os jovens da região. Este projeto funciona como uma escolinha de futebol, mas o objetivo principal não é, necessariamente, formar jogadores. Para Joel, o mais importante é fazer com que a juventude local não siga o caminho do crime, o que, infelizmente, é uma realidade para muitos moradores da região.
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Durante a infância, Joel conta que era uma criança muito ‘levada’ e o futebol o auxiliou a adquirir disciplina. “Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, era uma criança rebelde e indisciplinada, mas o futebol me ajudou a melhorar a minha disciplina e consegui melhorar meu comportamento”, disse o militar, quando perguntado sobre a origem da paixão pelo futebol.
Início do projeto
Hoje aos 57 anos, Joel da Silva passou 34 anos de sua vida trabalhando em sua carreira militar e, ainda assim, tem tempo para administrar o seu projeto. Não é de hoje que Joel usa seu tempo e seus recursos para ajudar a população local através do futebol. Em 2004, ele criou uma escolinha de futebol, onde treinava as crianças da região e tinha uma taxa de 10 reais para se inscrever. Porém, ele observou que muitas crianças tinham interesse em participar, mas não tinham condições de pagar a inscrição. Então, Joel decidiu que, nos dias em que a escolinha não estivesse tendo aulas, o campo estaria disponível para que essas crianças pudessem participar das atividades.

Com o tempo, o projeto foi ganhando força e vários jovens começaram a participar, até mesmo quem nunca jogou bola na vida. Tendo jovens de todas as idades, conseguindo separá-los do sub-8 até o sub-17, Joel conseguiu organizar times amadores para participar de competições de várzea e obtinha bons resultados.
Apesar de muitas alegrias, o projeto liderado por Joel passou por muitas dificuldades ao longo da história. A escolinha de futebol Falcão teve que fechar as portas por falta de investimento. Acolher tantos jovens não era nada barato e, infelizmente, o projeto não conseguiu se sustentar. Contudo, isso não fez o treinador desistir deste projeto de ajudar as crianças, através do futebol. Mesmo com o fim da escolinha, ele continuou ajudando as crianças da região, agora de forma 100% gratuita e nos campos abertos na região da Orla Lagunar da capital. Esse recomeço deu bons frutos e os jovens comandados por Joel voltaram a disputar, e se sair bem, de campeonatos amadores.

Com esse sucesso, o militar conseguiu criar pontes para outros municípios do Estado, como Marechal Deodoro e São Miguel dos Campos. Isso fez com que a rotina de Joel da Silva começasse a ficar cada vez mais corrida, já que, além de supervisionar os jovens da região do Vergel, ele tinha que fazer o mesmo processo em outras cidades e isso quase acabou com a vida do militar. Quando ia para a cidade de São Miguel dos Campos, acompanhar os treinamentos, um acidente de moto quase pôs fim na história de Joel.
“Estava indo de moto um pouco estressado, pois os meninos haviam dito que o treinador que gerenciava os treinos lá na cidade não os estava tratando bem. Quando estava na descida de uma ladeira que dá acesso ao município, um carro bateu na minha traseira e eu caí na pista, no momento vinha outro veículo que quase passou por cima de mim. Foi um livramento”, relembra.
Tendo recém-comprado a motocicleta, Joel não sabia como reagir diante desse tipo de situação, mas ainda não era o momento da partida do militar.
“Eu não sabia como iria voltar para casa ou pelo menos pedir ajuda. Na época não tinha celular e a rede era muito complicada no local. Comecei a acenar por carona para quem passava pelo local, quando um homem se aproximou e ofereceu ajuda para me levar a Maceió, mesmo sem me conhecer”, completa.
Sonhos
“E de onde vem os diamante? Da lama”. O verso rimado por Mano Brown representa bem o espírito esperançoso de Joel e todos os jovens que fazem parte do seu projeto. À beira da lagoa, em um campo lamacento, um grande diamante mostrou seu brilho para o mundo. Diamante esse que se tornou uma estrela e ídolo de um dos maiores times do mundo, o Liverpool. Roberto Firmino passou pelo projeto do Joel, que na época ainda era a escolinha de futebol Falcão. Aos 14 anos, Firmino foi treinado pelo militar e participou de vários campeonatos amadores e, desde cedo, o ídolo do Liverpool mostrava todo o seu talento, fazendo com que rapidamente o CRB contratasse o atleta para as suas categorias de base, e o resto é história.

Em 2014, ano da primeira convocação de Roberto Firmino para a Seleção Brasileira, a ESPN fez uma matéria especial, contando a trajetória do jogador até a chegada na Seleção. Após o fim dessa matéria, familiares e o empresário do jogador se encontraram com Joel e ficaram curiosos em saber como o militar administrava todo aquele projeto. Contudo, parece que acabaram esquecendo desse projeto.
“Estavam lá o pai, a mãe, a irmã, o tio dele e o empresário do Roberto Firmino. E quando me viram chegar, me perguntaram como eu fazia isso (projeto). Aí respondi que Deus acima de tudo e alguns amigos ajudavam a manter o projeto funcionando. Nisso, os pais falaram que a partir daquele dia iam me ajudar com o projeto. Eu prontamente agradeci, só que depois de um tempo, parece que eles acabaram esquecendo. Mas seria maravilhoso se o Firmino abraçasse o projeto”, explicou.
O projeto do Joel pode ser considerado tudo aquilo que o futebol se propõe a ser. Um ambiente livre, onde todos presentes apenas precisam ser eles mesmos e desempenharem o máximo de seu potencial. Isso inclui todos os públicos e é óbvio que um projeto tão grande não deixaria as garotas de fora desse sonho.
Uma dessas garotas sonhadoras é a Layla Sofia, de 15 anos. Assim como ela, outras duas craques do esporte também sujaram as suas chuteiras de lama para seguir os seus sonhos. São as jogadoras Ingryd Lima, que atualmente defende as cores do Palmeiras, e Brenda Woch, que agora está jogando pelo Grêmio, além de terem passagem pelo futebol internacional.

Realidade
Joel tem noção de que nem todos ali vão conseguir seguir na carreira de jogadores profissionais, mas ele afirma que o real objetivo do projeto não é esse. “O objetivo do projeto não é formar jogadores, mas sim cidadãos capazes de construir uma vida digna e honesta no caminho profissional que escolherem. Já encontrei durante meus serviços vários daqueles que um dia passaram por aqui. Mesmo que não tenham se tornado jogadores, estão desempenhando suas profissões com excelência”, disse.

Para ajudar nesta visão, Joel estipulou pré-requisitos para os jovens poderem participar do seu projeto. Um deles é que todos devem estar matriculados no colégio e possuir boas notas. O próprio idealizador, juntamente com voluntários com às famílias dos jovens, acompanha o rendimento dos membros do projeto. Além disso, os jovens devem ter uma relação de respeito e obediência com seus pais ou responsáveis.
Há pouco mais de dois anos, o projeto do militar finalmente conseguiu ser oficializado. Com o nome de Instituto Orla Lagunar, Joel agora mira a expansão do projeto, como a volta dele a outras cidades. O idealizador não escondeu a alegria de, depois de 20 anos, o projeto ser finalmente reconhecido de forma oficial. De acordo com Joel, esta oficialização será muito importante para o projeto, já que agora vai ser mais fácil conseguir recursos para ajudar na continuidade da iniciativa.
O projeto sobrevive por meio de doações e, mesmo com esta oficialização, ainda é muito difícil de manter a iniciativa. Mas se tem algo que as lamas dos campos do Vergel ensinaram é que nenhum sonho é difícil demais ao ponto de desistir dele. Mesmo com a rotina agitada, o subtenente consegue tirar dois dias de folga na semana para ajudar a garotada do projeto.
