A trajetória da atriz, dramaturga e roteirista Alice Carvalho foi construída, inicialmente, de maneira independente. Vendo-se com um sotaque e uma beleza diferentes do que era requisitado nas produções nacionais, ela escreveu sua primeira dramaturgia para o teatro a comédia pouco romântica "Do Amor" seu primeiro livro “Do Amor - E algumas crônicas" e a primeira websérie potiguar do país “Septo".
E como o pioneirismo é sua sina, neste ano, o Festival de Gramado incorporou uma atração televisiva pela primeira vez em sua história, e a série escolhida foi “Cangaço Novo”, em que Alice é protagonista.

Como iniciou sua trajetória no audiovisual?
Esse amor pela atuação se enraizou em mim quando eu era criança, no Rio Grande do Norte. O teatro se tornou uma espécie de terapia, porque eu era uma criança muito agitada. Naquela época, o acesso às peças teatrais não existia praticamente, mas encontrei uma janela de inspiração na televisão, assistindo às grandes atrizes "brincando de teatro" ao lado da minha avó. Ver aquilo me dava vontade de ocupar esses espaços um dia. Na adolescência, dei meus primeiros passos nos testes de atuação e aprendi a lidar com os inevitáveis "nãos" que fazem parte. Nesse momento, meu interesse pelo estudo de roteiros surgiu como uma busca de criar minhas histórias e mundos. E assim, anos depois, nasceu "SEPTO", uma websérie que criei com amigos da minha cidade. E teve uma recepção muito positiva na internet e, assim, muitas postas começaram a se abrir.
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Como você descreveria a trama de "Cangaço Novo" e qual é o seu papel na série?
"Cangaço Novo" é uma série que mergulha nesse universo da nossa história que ainda é desconhecido por muitas pessoas. A trama se passa em um momento de transformações sociais e políticas, narra sobre o banditismo e sobre esses grupos e indivíduos emergem nesse cenário. O cangaço foi um fenômeno marcante que moldou parte do país durante um período crucial. Ao conhecermos suas origens e impactos, ganhamos uma visão mais completa de como as complexidades sociais, econômicas e políticas influenciaram a formação da nossa nação. E isso causa uma reflexão sobre questões de injustiça, desigualdade e resistência. No centro dessa narrativa, interpreto o papel de Dinorah, uma personagem de grande profundidade e força. Dinorah é uma mulher potente, que deixa de lado todas as convenções sociais e vaidades para enfrentar os desafios brutais do cangaço. Ela é uma líder - que subverte a lógica do machismo, trazendo a questão matriarcal para a narrativa - que enfrentou muitas questões na infância e ao longo da vida, que luta pelo coletivo e por um futuro melhor.
O cangaço é um tema histórico bastante relevante no Brasil. Como você se preparou para interpretar esse papel e entrar no contexto do cangaço?
Eu digo sempre que foi muito mais que uma preparação, porque foi uma experiência que me transformou. Participei de aulas de equitação, levantamento de peso olímpico (LPO), tiro, muay thai, jiu-jitsu e também treinamento de direção de precisão para motocicletas e carros. Me entreguei inteiramente para esse projeto e para aquele lugar durante 8 meses.

”Cangaço Novo" combina elementos de história com ficção. Como foi a experiência de trabalhar em uma produção que mescla esses dois aspectos?
Uma produção que combina elementos de história e ficção é sempre um desafio. Apesar de ter uma base histórica para a construção do mundo e dos personagens, exige uma pesquisa intensa e minuciosa sobre esses acontecimentos. Foi necessário que todos envolvidos nesse projeto capturassem a essência do Cangaço, suas motivações e dinâmicas. A escolha do elenco também foi pautada através disso, de pessoas que fossem do nordeste e compartilhassem sua trajetória, essa escuta e vivência desse lugar tão potente e rico. E, assim, se constrói uma camada de profundidade à narrativa, que permite que os espectadores se envolvam tanto com a trama ficcional quanto com as nuances históricas. A ficção nos proporciona a liberdade de explorar as lacunas e de criar personagens que, embora inspirados em figuras reais, poderiam se desenvolver de maneiras não restritas aos fatos, como é o caso de Dinorah.
Poderia compartilhar alguma cena ou momento dos bastidores que tenha sido particularmente desafiador ou memorável durante as gravações de "Cangaço Novo"?
Acho que o mais memorável foi gravando o delírio de Dinorah, frente a frente com Jackson Costa e Pattricia de Aquino caracterizados como Lampião e Maria Bonita. Estavamos numa locação cercada por rochas imensas. Lembro de me arrepiar o tempo inteiro e de passar horas correndo com uma pedra sobre os ombros pra alcançar um estado de exaustão física - já que antes disso, a personagem passa muito tempo perdida na caatinga. Um dos takes que estão no episódio não eram da cena, mas sim de um momento de ensaio, com Pattricia passando o texto e o diretor de fotografia ajustando a câmera. Já estávamos tão encharcados pela história que até quando rodávamos “não valendo”, já estava valendo.

Como está sendo o processo de gravação da novela "Guerreiros do Sol"?
Está demais! Otília e Jânia são personagens muito intensas, fortes e cativantes. Está sendo um prazer imenso trocar com uma atriz tão talentosa quanto a Alinne. Estamos empenhadas em fazer com que todo mundo se apaixone por essa história.
Filmes baseados em eventos reais muitas vezes envolvem pesquisa extensa. Como você se preparou para o papel do filme "Angela" e qual foi o aspecto mais desafiador de interpretar um personagem em uma narrativa histórica?
Pra esse processo específico eu procurei - claro - estudar bastante a biografia de Angela Diniz, mas fiquei obcecada por pesquisar sobre como era Buzios nos anos 70. De perfil sócio-econômico dos moradores até ao que passava na TV aberta e que, provavelmente, era o que a minha personagem consumia. Isso me ajudou a aceitar, por exemplo, que ela não teria jamais condições de reagir às violências que aconteciam na casa de Angela e Doca.

E sobre projetos futuros? Quais são seus próximos passos?
Depois de "Guerreiros do Sol", quero descansar um pouco e me dedicar ao roteiro do meu primeiro longa-metragem, que vai ser mais uma enorme realização. Também ao lançamento de “NAVIO”, álbum-visual da banda BaianaSystem - dirigido por mim, Larinha R. Dantas e Vitória Real.
