Ainda neste semestre, o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ) julgará os Embargos de Declaração e deverá manter a decisão que recentemente condenou o Estado de Alagoas a devolver 182 hectares das Fazendas Porto Alegre e Calmo, conhecida como área ?B? do Polo Cloroalcoolquímico de Marechal Deodoro, ao agricultor Jorge Florentino dos Santos. Os imóveis rurais eram utilizados para o plantio de cana- de- açúcar e de outros produtos agrícolas. Porém, desde 2012 estava, indevidamente, em poder da extinta Companhia Alagoana de Recursos Humanos e Patrimônio (Carhp), sob alegação de que aquela área se tratava de terras públicas.
Para tentar reverter a decisão de uma das Câmaras Criminais do TJ, que acatou, por unanimidade, o relatório da desembargadora Elizabeth Carvalho do Nascimento, e determinou a devolução das terras ao agricultor, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ingressou com os Embargos de Declaração. Este instrumento não tem poder jurídico de reverter a decisão do Tribunal de Justiça, que é favorável a Jorge Florentino. Mas pode postergar o cumprimento da sentença.
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No Direito, a expressão ?embargos de declaração ou embargos declaratórios? (sempre usada no plural) refere-se a um instrumento jurídico (recurso) pelo qual uma das partes de um processo judicial pede ao juiz ou ao Tribunal que esclareça determinados aspectos de uma decisão proferida quando se considera que há alguma dúvida, omissão, contradição ou obscuridade.
O recurso está na secretaria do TJ e a qualquer momento será remitido para a relatora do caso, que é a que condenou o estado a devolver as terras ao agricultor: a desembargador Elizabeth Carvalho do Nascimento, como determina a legislação. A desembargadora julgará novamente o caso. Desta feita, somente os embargos. Por isso, ela prefere não tecer comentários sobre a matéria. Entretanto, confirmou o trâmite burocrático do processo. Outros desembargadores do Tribunal de Justiça que não atuarão neste julgamento esclareceram que os embargos declaratórios não modificam a sentença do Tribunal.
Portanto, os magistrados consultados pela Gazeta confirmaram que o agricultor Jorge Florentino dos Santos, hoje, é o proprietário de parte das terras da área ?B? do Polo de Marechal Deodoro que o Estado ocupou e doou para oito empresas, sem autorização do proprietário.
A ação teve origem no governo de Teotônio Vilela Filho (2007 a 2015). Continuou na gestão Renan Filho (a partir de 2015). Ambos são acusados de doarem as terras para indústrias que se instalaram por lá.

Novo julgamento
O julgamento do recurso da PGE ainda não tem data definida. Mas a assessoria da desembargadora Elizabeth Carvalho acredita que pode ocorrer nas próximas semanas. Outro detalhe interessante é que após o julgamento dos embargos declaratórios, os advogados do governo (os da PGE) devem ingressar com Recurso Especial. Este procedimento é previsível e será julgado pelo vice-presidente do Tribunal, desembargador Sebastião Costa Filho.
O Recurso Especial, na verdade, é uma prévia para o processo ser endereçado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). No julgamento, o vice-presidente do TJ analisará se cabe recurso no processo para seguir a suprema corte de justiça ou se ele encerra no TJ. O caso é considerado difícil do ponto de vista jurídico e não há uma previsão de data. A maioria dos operadores da Justiça - juízes, promotores e advogados - prefere não arriscar palpite. Eles acreditam que o STJ deve manter a decisão da corte de Alagoas porque a questão será julgada pelo ponto de vista da lei e da materialidade. A questão dos fatos já foi superada e está a favor do agricultor Jorge Florentino, reconhecido como o dono da área há quase três décadas. Há quem diga também que a questão pode ser definitivamente encerrada ainda este ano e prevalecerá a decisão do TJ.
Agricultor sonha com a retomada das terras
?Sou um pequeno agricultor, vivia de minhas terras onde mantinha plantações de cana-de-açúcar, de outras culturas e garantia minha sobrevivência. Não tenho outra fonte renda. Sou uma pessoa que só quero o que é meu e mais nada. Neste momento, luto pelo meu direito?, desabafou o agricultor Jorge Florentino no rápido contato que a Gazeta manteve com ele. O filho, Jorge Henrique Lino dos Santos, que sempre o acompanha, não poupa adjetivos fortes para criticar o estado. ?Entraram nas terras do meu pai sem autorização, ocuparam indevidamente e até agora a gente percebe que eles [as autoridades do governo] recorrem de todas as formas para prejudicar a nossa família. Meu pai não merece isto?, afirmou o rapaz.
O agricultor Jorge Florentino explicou que só conseguiu reaver as terras dele por causa da atuação determinada de dois advogados: Germano Regueira e Christian Teixeira. Eles (os advogados) conseguiram reverter a situação desfavorável onde o estado dizia que aquela área ?B? ao lado do polo de Marechal Deodoro era pública. Os documentos provam o contrário.
Tentativas
Esta não foi a primeira vez que o estado tentou ficar com as terras de agricultor. Há cinco anos, conforme consta no processo 00603-4.2014.002, um dos procuradores da PGE tentou conseguir documentos em cartórios de Marechal Deodoro para facilitar a implantação de uma indústria no local. O caso foi parar na Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) porque a PGE queria intervenção no sentido de que determinasse o registro das duas fazendas no Cartório de Imóveis de Marechal Deodoro. O pedido foi negado na Corregedoria do TJ por conta da discussão judicial sobre a propriedade dos imóveis pelo processo 0000327-59.2018.8-02.0044, onde o agricultor reclama, até hoje, o bem rural.
A Corregedoria determinou inclusive o arquivamento dos autos do processo provocado pelo procurador da PGE, também no juízo de Marechal Deodoro e reconheceu a posse das duas fazendas de Jorge Florentino dos Santos. A primeira vez que o caso veio a público foi em reportagem publicada no jornal Extra em 2015. Na matéria, o semanário mostrou que o estado fez de tudo para prejudicar o agricultor ao ponto de falsificar matrículas de terra para expandir o Polo de Marechal Deodoro. Para isso, contou com a participação de servidores do governo estadual, de procuradores do estado e de membros da Justiça da comarca de Marechal Deodoro.
O caso chamou a atenção até do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que mandou investigar possíveis irregularidades em emissões de sentenças em Marechal Deodoro. Um juiz acusado foi afastado, observou uma fonte do TJ ao preferir não mencionar o nome do magistrado suspeito. Como o caso está com dois advogados, Jorge Florentino evita falar com jornalistas para não prejudicar o trabalho dos profissionais e o andamento processual. ?Meus advogados conseguiram uma vitória difícil e importante na luta por minhas terras. O Estado entrou com recursos para protelar o cumprimento da decisão do Tribunal de Justiça. Estou neste sofrimento desde 2012. Espero resolver logo esta situação, porque não tenho estrutura para continuar sofrendo mais e desse jeito?, reclamou o agricultor. ?Nas minhas terras plantava cana em parceria com a Usina Santa Clotilde, depois disso entraram lá, não respeitaram nada e hoje enfrento momentos difíceis?, revelou.
Apesar da dificuldade, Jorge Florentino mantém a calma e a convicção na justiça. ?Acredito na Justiça, por isto estou tranquilo. Só gostaria de resolver logo a situação?. Repetiu que é dono das terras de duas fazendas, ?Porto Alegre? e ?Calmo?, e trabalhou como fornecedor de cana. ?De repente me botaram para fora das minhas terras, mas as fazendas são minhas?, lamentou o agricultor.
Documentos comprovam a titularidade do imóvel rural
Há mais de nove anos, o agricultor Jorge Florentino dos Santos tenta reaver as terras na Justiça. Apesar de apresentar documentos comprovando a titularidade dos imóveis, o fornecedor de cana para usinas da região perdeu a posse no juízo de primeiro grau, que deu ganho de causa ao Estado. A situação chamou a atenção do Conselho Nacional de Justiça, que investiga possíveis manobras jurídicas para beneficiar o Poder Executivo de Alagoas.
Os advogados recorreram contra a decisão. No Tribunal de Justiça de Alagoas, por unanimidade, revogou a decisão de primeiro grau e o Estado foi condenado a devolver os imóveis, que hoje estão ocupados por indústrias. Entre as maiores se destacam a Portobello e a de Cimento Zumbi.
Apesar da questão estar ainda em tramitação na Justiça de Alagoas e poderá ser analisada também no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a gestão Renan Filho (MDB), segundo os advogados que atuam no caso, não deveria compartilhar a área com as indústrias que se instalaram ali.
Advogados afirmam que parte da área do Polo tem dono
Os 182 hectares das Fazendas Porto Alegre e Calmo, na chamada área ?B? do Polo de Marechal Deodoro que o Estado entregou as empresas, pertencem a Jorge Florentino, comprovam os cartórios. Declarações comerciais e de Imposto de Renda Pessoa Física, da Receita Federal, inclusive a referente ao exercício de 2017 (ano-base 2016), indica a propriedade dos imóveis rurais e o agricultor aparece com débito de R$ 98,6 mil por causa da pendência judicial com a estatal Carhp, que tentou se apoderar das fazendas.
Isto, na verdade, motivou a ação que culminou no Tribunal de Justiça que manteve o imóvel com Jorge Florentino. Para complicar ainda mais a situação, o atual governo de Alagoas concedeu autorização com benefícios fiscais à indústria Portobello para se instalar no local, outras empresas também ganharam benefícios. As indústrias já tomaram conhecimento da decisão do TJ e suas assessorias jurídicas aguardam o desenrolar dos acontecimentos para cobrar possíveis indenizações ou outra solução compatível.
Diante do imbróglio, a gestão do governador Renan Filho, via Procuradoria-Geral do Estado, entrou com Embargos de Declaração na tentativa de ganhar tempo e/ou buscar outros remédios jurídicos capazes de anular a decisão do TJ. Talvez isto ocorra no Superior Tribunal de Justiça. Enquanto isto não acontece, já existe uma ideia preliminar de indenização orçada em mais de R$ 100 milhões ao agricultor, que há mais de sete anos está sem poder plantar.

Futuro das terras depende de negociações
Um dos advogados, Christian Teixeira, que defende o agricultor Jorge Florentino, disse que diante desta situação e da decisão do TJ nada impede que o proprietário dos imóveis rurais ocupados indevidamente na área do Polo de Marechal Deodoro queiram as terras desocupadas para manter a atividade anterior: cultivo de produtos agrícolas, como a de cana-de-açúcar, por exemplo.
Apesar da decisão favorável, Jorge Florentino ainda não tem motivos para comemorar, porque a assessoria jurídica do governo protela a devolução de suas terras e busca saída em tribunais superiores para reverter a situação. Apesar de já haver a decisão unânime do TJ, o agricultor sabe que a PGE entrou com recursos na tentativa de protelar o cumprimento da decisão.
?Documentalmente e juridicamente, as terras pertencem ao produtor rural Jorge Florentino. Assim reconheceu o Tribunal de Justiça de Alagoas?, afirmou um dos advogados de Florentino, o ex- secretário de estado de Planejamento que ocupou também a Secretaria da Saúde, Christian Teixeira, hoje de volta à advocacia e neste caso atuando na defesa do agricultor contra o Estado.
?O Tribunal de Justiça de Alagoas reconheceu a nossa tese, reconheceu o direito de seu Jorge, que tem a posse daquelas terras há décadas?, disse Christian Teixeira ao revelar uma das provas: o contrato de arrendamento com a Usina Santa Clotilde, que consumia a cana-de-açúcar plantada na área. ?A terra foi colocada em nome da Carhp e o Estado se apropriou".
A ação movida em março de 2012 que deu origem ao processo 000327-59 2012. 8. 02.0014 ficou parada por mais de quatro anos. A Justiça da Comarca de Marechal Deodoro não reconhecia o agricultor como proprietário. ?O direito do seu Jorge não era reconhecido e ainda hoje o estado quer manter a posse?, lamentou o advogado.
?Ocuparam a terra, não indenizaram meu cliente. No decorre do processo, buscaram seu Jorge, chegaram a prometer indenizá-lo. Mas não o fizeram. Mesmo assim, o estado concedeu direitos às empresas que se instalaram naqueles imóveis. As empresas que estão lá estão em situação difícil, porque a qualquer momento pode ocorrer a reintegração definitiva da posse?.
Christian Teixeira lembrou que o próprio TJ, que devolveu a terra ao agricultor, julgará novamente os Embargos Declaratórios. Ele também acha que a PGE recorrerá aos tribunais superiores. ?Se for mantida a decisão do TJ em Brasília, as empresas que se instalaram nas terras de seu Jorge Florentino podem ser prejudicadas?, advertiu o advogado.
Legislativo
O Estado fica também em situação difícil e terá de buscar acordo com as empresas e/ou com o agricultor. ?A última decisão da Justiça reconheceu o direito do seu Jorge que conseguiu comprovar a posse das fazendas. O estado alegava que os imóveis eram patrimônio próprio e que não cabia Usucapião. Mas quando buscamos documentos a gente observou que as terras foram colocadas em nome da Carhp e não está em nome do Estado. Dentro dos absurdos, consta ainda que para haver a ocupação legal daquela área perto do Distrito Industrial deveria ter a aprovação do Poder Legislativo. Infelizmente, nem isso respeitaram?, afirmou o advogado.
O Estado permanece como réu na ação. ?Para que ocorresse a desapropriação das terras teria que ter a aprovação do Poder Legislativo. Os gestores não respeitaram nada e passaram por cima de tudo. Por isso, o Tribunal de Justiça reconheceu o direito do meu cliente com unanimidade de votos?. Christian Teixeira lembrou que a Câmara do TJ que julgou o processo teve como relatora a desembargadora Elizabeth Carvalho. O voto dela foi acompanhado pelos desembargadores Klever Loureiro e Otávio Praxedes.
Christian Teixeira também confirmou que o estado entrou com Embargos de Declaração, via PGE. ?Os Embargos não têm o poder de modificar uma decisão. Ataca omissão, a contradição e faz correções, se houver necessidade. É comum que alguns advogados tentem modificar sentença com os Embargos. Mas este recurso não tem este poder?. Se o Tribunal manter a decisão, os advogados do Estado podem entrar com Recurso Especial no STJ, em Brasília (DF), avalia Christian.
Os advogados de defesa já entregaram as contras razões contra o Estado e agora este procedimento vai para a relatora do caso julgar mais vez. Depois desta nova decisão, cabe recursos no STJ. ?O julgamento dos Embargos de Declaração será na própria Câmara do TJ, que julgou a primeira vez. O relator será a própria desembargadora Elizabeth Carvalho e não tem data ainda definida?, disse Christian confirmando informações repassadas também pelo TJ.